Uma notícia falsa pode destruir o mundo?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 23/11/2022)

Quando a informação das duas mortes causadas pela queda de um míssil na Polónia chegou à reunião da semana passada do G20, em Bali, o que o mundo sabia estava condicionado por um despacho da Agência Associated Press, que, violando regras básicas do jornalismo, citava uma única fonte (deviam ser pelo menos duas, de origens distintas), anónima (num caso desta gravidade, e em clima de propaganda de guerra, aceitar o anonimato é um erro grave), identificada como “sénior” da inteligência norte-americana (seja lá o que isso for) e sem contraditório. Segundo a AP, essa fonte dava como certo que se tratava de um ataque russo.

No entretanto, outras agências, “falcões” da guerra, militares, analistas, comentadores em todos os meios de comunicação social, mesmo ressalvando a incerteza das informações disponíveis, começavam a falar detalhadamente da possibilidade do ataque à Polónia, país da NATO, motivar o envolvimento direto de forças da aliança militar ocidental numa guerra contra a Rússia.

Nas televisões, em todos os canais de notícias, vi passar durante umas duas ou três horas, em carrossel incessante, variantes desta informação, taxativa: “Mísseis russos atingem a Polónia”

O espírito dessas comunicações preparava já a opinião pública para a possibilidade da deflagração de uma III Guerra Mundial e até para a guerra nuclear.

Recordo que, oficialmente, a Rússia tem 1600 ogivas nucleares ativas, os Estados Unidos o mesmo número e Inglaterra e França acrescentam 410 ogivas ao lado da NATO. Deve dar para destruir a Humanidade várias vezes em qualquer coisa como 10 minutos, caso esses países disparassem mísseis com essa carga uns contra os outros.

Em Bali, onde inicialmente a maior parte dos chefes de Estado e de governo presentes só tinham a informação que estava a ser dada pelos jornalistas, Ursula von der Leyen sugeriu que os dirigentes dos países do G7 (os mais industrializados do mundo) e os que fossem membros da NATO reunissem para decidir o que fazer: Estados Unidos da América, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão e os dois representantes da União Europeia convidaram a Espanha e a Holanda, da NATO, a participar na discussão.

Ficou, portanto, o destino de toda a Humanidade a ser debatido por este grupo ocidental (mais o Japão, que alinha sempre com os Estados Unidos), com base num critério formalmente arbitrário: porquê G7+NATO, porquê essa mistura informal de estruturas com naturezas e missões tão diferentes? Porque é que, segundo as notícias, a Turquia, que é da NATO e do G20, não foi convocada para esta reunião?…

Ostensivamente, este grupo decidiu ignorar os chefes de Estado e de governo do restante G20 (as maiores economias do planeta), incluindo líderes de grandes democracias: África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, México, China, Índia, Indonésia e Turquia (para não falar da Rússia) ficaram de fora de uma discussão que, basicamente, tinha este tema: “Vamos, ou não, para a guerra com a Rússia?…”

Como é que se deixam os representantes de quase metade da população mundial, com quem se estava antes a debater o futuro do planeta, “pendurados” na sala ao lado de um debate que podia decidir o destino de toda a gente?!

Quando o presidente norte-americano Joe Biden, já com conhecimento trabalhado pelos seus serviços de informação, anunciou que, afinal, o míssil que caiu na Polónia provinha, quase de certeza, das forças ucranianas, a correção nos media lá se fez.

A agência norte-americana Associated Press, autora, portanto, de “fake news” de difusão mundial, acabaria por publicar, bastante tempo depois, uma correção à notícia inicial. Claro que, se um dia uma notícia falsa deste tipo provocar a guerra nuclear, não vai haver tempo para um desmentido…

A ostensiva indiferença com que este norte ocidental, mais Japão, tratou os países do sul e oriente, numa questão de relevância mundial, teve uma réplica insólita em Bali: inusitadamente, contra a tradição chinesa e oriental, Xi Jiping fez um número para as câmaras televisivas. Ele ralhou com o presidente canadiano por este ter passado para a imprensa o conteúdo de umas negociações secretas entre Canadá e China. “Não é assim que se conduzem conversações”, disse o líder chinês ao embaraçado primeiro-ministro canadiano.

Não sei se antes da reunião G7+NATO (sem Turquia) separada do resto do G20, Xi Jiping seria capaz de fazer esta cena, mas deteto nela a irritação dos dirigentes do sul oriental face à cada vez mais evidente infantil irresponsabilidade dos dirigentes do norte ocidental.

O mundo está a dividir-se, sim, mas não é entre países democráticos e países autoritários.

Jornalista

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7 pensamentos sobre “Uma notícia falsa pode destruir o mundo?

  1. O mundo há muito que está dividido. Os EUA e os outros. Biden, ao clamar vitória , nestas últimas eleições, disse, “nós somos a democracia”. Portanto, todos os demais são não democratas, são autoritários, até ditadores.
    O ocidente, melhor, os EUA mais a UE (com Israel lá dentro) bem podiam seguir o pensamento de Borrell, limitarem-se a cuidar do seu jardim, organizarem o seu campeonato e deixarem o resto do mundo cuidar da sua vida.
    Claro que depois iria faltar a energia, as matérias primas, a mão de obra a custo próximo de zero, ingredientes que não iriam contribuir para o bem estar dos jardineiros.
    Mas então que não nos tentem endrominar com essa conversa dos direitos humanos, da democracia, que nos digam, que a destruição do Iraque, da Líbia, da Síria, a Palestina, o abandono dos curdos, o que está em curso no Irão, e o que mais se verá, tudo é em prol da acumulação de capital por uns tantos e da proclamada qualidade de vida ocidental, que nada tem a ver com direitos humanos, autocracias ou coisas afins.
    Borrell disse-o, este (o Ocidente) é o nosso jardim, o resto são ervas daninhas prontas a infestar. Não consta que tenha sido contrariado…

  2. SIM:
    – os boys e girls do sistema vão “” brincando”” com ‘isto’ enquanto os Identitários forem cobardes!
    .
    .
    O que há a dizer aos Identitários é simples e óbvio:
    – Identitário não sejas mais um cobarde para a colecção! Sim:
    —>>> reivindica LIBERDADE/DISTÂNCIA/SEPARATISMO dos boys e girls do sistema.
    .
    O LEGÍTIMO DIREITO AO SEPARATISMO IDENTITÁRIO
    (separatismo-50-50)
    Sim:
    –>> na origem da nacionalidade esteve o Ideal de Liberdade Identitário:
    – «ter o seu espaço, prosperar ao seu ritmo».
    —>>> NÃO, NÃO, NÃO foi o roubo, o saque, a pilhagem: o cidadanismo de Roma!…
    .
    .
    .
    O europeu-do-sistema combate nacionalismos… e em simultâneo… financia Azov’s!
    Mais:
    -> o europeu-do-sistema envia a NATO para socorrer albaneses (que dominavam/dominam a região berço da nacionalidade da Sérvia).
    -> o europeu-do-sistema financia Azov’s para perseguir/massacrar russófonos… de regiões russófonas cedidas pelos sovietes à Ucrânia em 1917.
    [os Azov’s a bombardear/massacrar russófonos e os europeus-do-sistema a assobiar para o lado]
    .
    Uma oportunidade de roubo, saque, pilhagem:
    – caso a Russia socorresse os russófonos das regiões orientais da Ucrânia (o que veio a acontecer):
    -> nove, em cada dez, dos mais variados analistas argumentavam: armas da NATO na Ucrânia (para os militares ucranianos, e para mercenários), juntamente com sanções económicas à Russia… e a Russia seria conduzida ao caos: uma oportunidade de ‘ouro’ para os interesses económicos ocidentais.
    .
    O presidente russo disse o que toda a gente sabe: «o ocidente não está interessado em discutir segurança para todos».
    Sim:
    —>>> O OCIDENTE QUER É PILHAGEM:
    – depois da América do Norte, América do Sul, Austrália, Iraque, Síria, Líbia, etc… agora o ocidente está a apontar para a Russia.
    .
    .
    .
    Os europeus-do-sistema que se entendam com os seus idiotas úteis de serviço (vulgo nacionalistas), e vice-versa.
    .
    —>>> Os tiques-dos-impérios lovers, os globalization-lovers, os UE-lovers, etc, que fiquem na sua (possuem imensos territórios ao seu jeito)… respeitem os Direitos dos outros… e vice-versa.
    SEPARATISMO IDENTITÁRIO:
    -» blog SEPARATISMO-50-50

  3. Belíssimo comentário por Pedro Tadeu, um que ilustra bem a irreverência, ou melhor, a falta de respeito e consideração (para não dizer outras coisas) por parte dos líderes do dito “Ocidente Democrático” em relação àqueles que consideram estar abaixo deles e dos seus direitos enquanto senhores régios deste mundo.

    Aquilo que mais atraiu a minha atenção neste artigo, sem querer desconsiderar tudo o que foi dito acerca do “encontro” nas bancadas entre velhos arrogantes e os seus seguidistas apátridas, foi a referência à notícia da AP.

    Realmente, eu não compreendo muito bem o que levou as pessoas a irem atrás dessa notícia.

    Quem tiver dois neurónios a funcionar (um deles, afinal, tem de estar ocupado a ler o título da notícia) podia ter associado a AP a uma notícia falsa, divulgada umas quantas horas (ou no dia anterior, não me recordo) sobre o estado de saúde do Ministro dos Negócios Estrangeiros Russo, Sergei Lavrov.

    Pois, segundo essa altamente respeitada e idónea agência noticiosa, o pobre do senhor teria tido um qualquer e ido parar ao Hospital. Foi preciso a porta voz do Ministério, Maria Zakharova, ir filmar o homem de calções para se dissiparem as suspeitas (esperançosas ?) da bancada de idiotas úteis do Ocidente quanto ao estado de saúde do homem.

    Mas não acaba aí. Como diz Pedro Tadeu, a AP lança a notícia, citando fonte anónima.
    Lembro-me de no momento passar junto de uma televisão e ver a nossa SIC notícias, sempre tão prestável e correta, com uma parangona de um metro que dizia “Míssil Russo Atinge Polónia”.

    Nesse mesmo momento (ou seja, uma hora depois da notícia original dá AP), saía na RT notícia a dizer que o Pentágono já tinha desmentido (ou melhor, não havia informação a comprovar essa alegação por parte dos ucranianos) essa bacorada fenomenal.

    Mas os “jornalistas” da AP não se ficaram por aí: no dia seguinte, lançaram uma outra notícia, citando três oficiais anónimos dos serviços de inteligência americanos a dizer que o míssil era russo! Nessa altura, até o senil do Biden já andava a dizer que as provas não indicavam isso, mas pá!

    O que interessa é ser como os carneiros! Com quanta mais força se bater, mais cedo vem abaixo!

    Depois há aqueles que vêm falar de ricochetes!

  4. Li agora que o jornalista da AP , que deu a noticia, foi despedido.

    Isto é tudo muito mais estranho porque , logo a seguir a ter aparecido a noticia na comunicação social, ouvi um dos generais comentadores, na CNN, dizer que o míssil era ucraniano.
    Foi mais uma vergonhosa manipulação da comunicação social.

  5. Dizem alguns (muitos) que a comunicação social deve escrutinar os Governos! E quem escrutina os “jornalistas” para não acontecerem casos tão grave como este e muitos outros menos graves?

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