Tanta verdade junta mereceu publicação – take XI

(Por DE, 17/08/2022)


(Este texto resulta de um comentário a um artigo que publicámos de Domingos Lopes ver aqui. Perante tanta verdade junta, e pela elegância textual e pela fina ironia, resolvi dar-lhe o destaque que, penso, merece.

Estátua de Sal, 17/08/2022)


Continuamos a vilipendiar os nossos génios. Somos um povinho impossível. Marimbámo-nos para tudo e todos. Do grande Viriato ficou-nos que foi pastor de cabras. Sebastião, no deserto, a ser devorado por escorpiões e nós nem um saco arranjámos para lhe ir buscar os ossos. Do oráculo de Santa Comba nunca nos debruçamos sobre o valor intrínseco da piolhice que nos herdou.

O estadista rural a fazer um esforço titânico para promover a majestosa ignorância e os nossos pais a mandar-nos para a escola. “Não sou nada./Nunca serei nada./Não posso querer ser nada.”, já se lamentava Fernando Pessoa.

Continuamos fiéis à obtusidade espiritual. Um sócio do mitológico Clube Bilderberg planta-nos uma lenda viva da ciência nos plasmas, com obra traduzida para o caxineiro, e que fazemos nós? Escarrapachámo-nos no sofá, tocamos sonhadores a coxa da mulher ou namorada, vamos saborear a brisa fresca para a varanda, enfim, ignoramos a sua sofisticada mensagem científica.

Nem a aparência do mago nos detém. Na brancura da espessa escova que lhe cobre o morro, não vislumbramos o combate gélido das ideias no seu interior. Aristóteles, Marx, Freud, ouvi-lo-iam de queixo caído. Numa admirável modéstia, com o dinheiro da sua novíssima obra nas bancas, o génio confessa o propósito de comprar a quinta da Atalaia ao PCP. Mas porque não comprar Paris, Moscovo, Nova Iorque? Porquê tanto acanhamento, tanta timidez? Pressente-se um certo receio de invejas, esse sentimento sulfúrico que corrói a genialidade. Mas não é negação para o sábio o que o trampolim é para o trampolineiro? O mundo pertence aos troca-tintas. Mostra, génio, o que vales! Põe o Clube do teu ventríloquo a passar a pano, de joelhos, as escadas das torres da tua biblioteca.

Nas análises do génio há marcas indeléveis de um conhecimento com grande profundidade. Uma profundidade insuperável, o pensamento a tocar o casco. Não há mais profundidade. Finito! Fim da viagem no conhecimento humano. As próximas gerações de pensadores e exegetas estão abastecidas. Escavar mais no calhau acabará por fazer espichar GNL. Sem Putin, terá o modesto sábio que apanhar moscas no jardim.


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3 pensamentos sobre “Tanta verdade junta mereceu publicação – take XI

  1. Um belo texto sem dúvida, até dá para imaginar o génio a ler isto, cofiando as suas barbas marxistas e a descansar os óculos sobre a fronte para processar melhor o que aqui é dito…

    Milhazes é um cromo tipicamente português, tal como o Rogeiro, mas tem uma característica que é comum a uma grande percentagem da população europeia e tranversal a todos os estratos sociais e culturais – a russofobia. Este traço, que agora se nota mais mas cujas origens se perdem no tempo, sendo até anteriores ao comunismo, tem qualquer coisa de enigmático pois parece não haver um motivo racional que o justifique… e se no caso português o salazarismo e a Irmã Lúcia podem dar algumas pistas, a sua presença noutras culturas europeias tão diferentes dá que pensar, pelo menos a mim que, como não sou nenhum génio, nunca consegui perceber tal coisa.

  2. O REBANHO quando vê palha coberta com papel verde acorre logo para pastá-la,quando opalatoverifica que é palha e revelha,exclama : que bela erva fresca que nos puseram n a magedoura ,ficamos empanturrados ,mas utilizar o Cerébro dá trabalho e exige escrutinio que nós gentios ,jamais saltaremos a rede ……..

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