O significado da guerra no século XXI

(Thierry Meyssan, in Voltairenet.org, 17/05/2022)

Os bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaki não corresponderam a qualquer estratégia militar. O Japão já tinha a intenção de se render. Os Estados Unidos apenas pretenderam que eles não o fizessem aos Soviéticos, que começavam a espalhar-se pela Manchúria, mas sim a eles.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, há 77 anos, os Europeus (salvo os antigos Jugoslavos) têm gozado de paz nos seus territórios. Esqueceram já essa memória longínqua e é com horror que observam a guerra na Ucrânia. Os Africanos dos Grandes Lagos, os antigos Jugoslavos e os muçulmanos do Afeganistão à Líbia, passando pelo Corno (Chifre-br) de África, observam-nos enojados : durante muitas décadas, os Europeus ignoraram o seu sofrimento e acusavam-nos de serem responsáveis pelas suas próprias desgraças.

Segundo alguns, a guerra da Ucrânia começou com o nazismo, segundo outros há oito anos, mas no consciente dos Ocidentais não tem mais do que dois meses. Eles constatam uma parte do sofrimento que ela causa, mas ainda não captaram todas as suas dimensões. Acima de tudo, interpretam-na erradamente com base na experiência dos seus bisavós e não daquilo que vivem.

AS GUERRAS NÃO SÃO MAIS DO QUE UMA SUCESSÃO DE CRIMES

 Assim que começa, a guerra acaba com as “nuances”. Ela obriga toda a gente a tomar posição por um dos dois campos. Aqueles que não obedecem são imediatamente esmagados pelas mandíbulas da besta.
 O apagamento das nuances obriga toda a gente a reescrever os acontecimentos. Existem apenas os « bons», nós, e os « maus », os outros, do outro lado. A propaganda de guerra é de tal modo poderosa que depois de algum tempo, ninguém mais distingue os factos da maneira como eles nos são descritos. Ficamos todos mergulhados na escuridão e ninguém sabe como acender a luz.
 A guerra faz sofrer e mata sem distinção. Pouco importa em que campo estamos. Pouco importa que se seja culpado ou inocente. Sofre-se e morre-se não só pelos golpes dos contrários, mas também, colateralmente, pelos do nosso próprio campo. A guerra, não é somente sofrimento e morte, mas também injustiça, que é muito mais difícil de suportar.
 Nenhuma das regras das nações civilizadas subsiste. Muitos cedem à loucura e já não se comportam como humanos. Não há autoridade que coloque todos face às consequências dos seus actos. Já não se pode contar com a maioria das pessoas. O homem torna-se um lobo do homem.

Passa-se então qualquer coisa de fascinante. Se algumas pessoas se transformam em feras cruéis, outras tornam-se fontes de luz e o seu olhar ilumina-nos.

Passei uma década nos campos de batalha sem voltar a casa. Se hoje fujo do sofrimento e da morte, permaneço irresistivelmente atraído por esses olhares. É por isso que odeio a guerra e, no entanto, sinto falta dela. Porque neste emaranhado de horrores brilha sempre uma forma sublime de humanidade.

AS GUERRAS DO SÉCULO XXI

Gostaria agora de vos apresentar algumas reflexões que não vos comprometem neste ou naquele conflito, e muito menos neste ou naquele campo. Vou apenas levantar um véu e convidar-vos a ver o que ele escondia. Aquilo que vou evocar talvez vos possa chocar, mas nós apenas podemos encontrar paz encarando a realidade.

As guerras evoluem. Não falo aqui de armas e de estratégias militares, mas das razões dos conflitos, da sua dimensão humana. Assim como a passagem do capitalismo industrial para a globalização financeira transforma as nossas sociedades e pulveriza os princípios que as definiam, da mesma forma essa evolução muda as guerras. O problema é que somos incapazes de adaptar as nossas sociedades a essa mudança estrutural e, portanto, ainda menos capazes de pensar na evolução da guerra.

 A guerra procura sempre resolver os problemas que a política não conseguiu resolver. Ela não ocorre quando estamos prontos para isso, mas quando eliminamos todas as outras soluções.

É exactamente o que se passa hoje em dia. Os Straussianos norte-americanos encurralaram inexoravelmente a Rússia na Ucrânia, não lhe deixando outra opção a não ser fazer a guerra. Se os Aliados teimarem em levá-la ao limite, provocarão uma Guerra Mundial.

Os períodos entre duas épocas, em que é preciso repensar as relações humanas, são propícios a este tipo de catástrofes. Alguns continuam a raciocinar de acordo com princípios que provaram a sua eficácia, mas já não estão adaptados ao mundo. No entanto, eles vão em frente e podem provocar guerras sem querer.

Na noite de 9 de Maio de 1945, a aviação norte-americana bombardeou Tóquio. Numa noite mais de 100. 000 pessoas foram mortas e mais de 1 milhão ficaram sem casa. Foi o maior massacre de civis da história.

 Se, em tempos de paz, distinguimos os civis dos soldados, esta maneira de pensar já não faz sentido nas guerras modernas. As democracias varreram a organização das sociedades em castas ou ordens. Todos podem se tornar combatentes. Os levantamentos em massa e as guerras generalizadas baralharam as cartas. Agora são os civis que comandam os militares. Eles já não são as vítimas inocentes, antes se tornaram os principais responsáveis pelo infortúnio geral do qual os militares não passam de meros executantes.

Na Idade Média do Ocidente, a guerra era assunto dos nobres e deles em exclusivo. Em caso algum o povo decidia. A Igreja Católica promulgou leis de guerra a fim de limitar o impacto dos conflitos sobre os civis. Tudo isso já não corresponde ao que vivemos e já não tem base nenhuma.

A igualdade homem-mulher derrubou também ela os paradigmas. Não só agora as mulheres são soldados, mas também podem ser comandantes civis. O fanatismo já não é exclusivo de um sexo reputado forte. Algumas mulheres mostram-se mais perigosas e cruéis do que certos homens.

Não estamos conscientes dessas mudanças. Em todo o caso, não retiramos daí nenhuma conclusão. Seguem-se posições bizarras, tal como a recusa dos Ocidentais em repatriar as famílias dos jiadistas que deixaram partir para os campos de batalha e em os julgar. Todos sabem que muitas destas mulheres são muito mais fanáticas do que seus maridos.

Todos sabem que elas representam um perigo muito maior. Mas ninguém o diz. Prefere-se pagar a mercenários curdos para os guardar junto com os filhos em campos, o mais longe possível.

Apenas os russos repatriaram as crianças, aliás já contaminadas por essa ideologia. Eles confiaram-nas aos seus avós na esperança de que estes conseguissem amá-los e curá-los.

Desde há dois meses, acolhemos civis ucranianos que fogem dos combates. Aparentemente, são mulheres e crianças que sofrem. Assim, não se tomam precauções. No entanto, um terço destas crianças foram treinadas em acampamentos de férias dos banderistas. Aí, elas aprenderam o manejo das armas e a admirar o criminoso contra a humanidade Stepan Bandera.

Campo de férias na Ucrânia segundo um quotidiano atlantista. Fonte : « Le Monde » (2016).

 As Convenções de Genebra não são mais do que um resquício do período em que pensávamos como humanos. Elas já não tem ligação com qualquer realidade. Os que as aplicam não o fazem porque se creiam obrigados, mas porque esperam permanecer humanos e não se afundar num oceano de crimes. A noção de « crime de guerra » já não tem nenhum sentido, uma vez que o objectivo da guerra é cometer uma sucessão de crimes para alcançar a vitória que não se pôde obter por meios civilizados e visto que, em democracia, todos os eleitores são responsáveis.

No passado, a Igreja Católica interditara as estratégias dirigidas contra os civis, como o cerco às cidades sob pena de excomunhão. Para além de que hoje já não há autoridade moral para fazer respeitar as regras, ninguém fica chocado com as « sanções económicas » que atingem populações inteiras, a ponto de causar fomes assassinas como foi o caso contra a Coreia do Norte.

Tendo em vista o tempo que precisamos para tirar conclusões do que fazemos, continuamos a considerar certas armas como proibidas enquanto nós próprios as utilizamos. Por exemplo, o Presidente Barack Obama havia explicado que o uso de armas químicas ou biológicas era uma linha vermelha a não ultrapassar, mas o seu Vice-Presidente, Joe Biden, montou um vasto sistema de pesquisa sobre a matéria na Ucrânia. Os únicos a proibitr-se qualquer arma de destruição em massa a si próprios são os Iranianos, já que o Imã Ruhollah Khomeini as condenou moralmente. Precisamente, são eles, que não fazem nada desse género, os que acusamos de querer fabricar uma bomba atómica.

No passado, declarava-se guerras para se conquistar territórios. No fim, assinava-se um Tratado de Paz para modificar o cadastro. Na era das redes sociais, a questão é menos territorial e mais ideológica. A guerra apenas pode terminar desacreditando uma maneira de pensar. Embora territórios tenham mudado de mãos, algumas guerras recentes deram lugar a armistícios, mas nenhuma a um Tratado de Paz e a reparações.

Vemos claramente que, apesar do discurso dominante no Ocidente, a guerra da Ucrânia não é territorial, mas ideológica. Além disso, o Presidente Volodymyr Zelensky é o primeiro chefe de guerra na história a expressar-se várias vezes por dia. Ele passa muito mais tempo a falar do que a comandar o seu Exército. Ele redige as suas intervenções à volta de referências históricas. Nós reagimos às memórias que ele evoca e ignoramos o que não compreendemos. Para os Ingleses, fala como Winston Churchill e eles aplaudem-no; Para os franceses, ele lembra Charles De Gaulle, eles aplaudem-no; etc. Para todos, conclui com « Glória à Ucrânia! » e não compreendem a alusão que acham bonita.

Os que conhecem a história da Ucrânia reconhecem o grito de guerra dos banderistas. O que eles gritavam ao massacrar 1,6 milhões dos seus concidadãos, entre os quais pelo menos 1 milhão de judeus. Mas como é que um Ucraniano poderá apelar para o massacre de outros Ucranianos e um judeu para o massacre de judeus ?

A nossa inocência torna-nos surdos e cegos.

Pela primeira vez num conflito, uma das partes censurou os média inimigos antes mesmo da guerra começar. A RT e o Sputnik foram fechados na União Europeia porque teriam podido contestar aquilo que se ia seguir. Depois dos média russos, média da oposição começam a ser censurados. O sítio da Rede Voltaire, Voltairenet.org, é censurado na Polónia desde há um mês por decisão do Conselho de Segurança Nacional.

 A guerra já não se limita ao campo de batalha. Torna-se indispensável conquistar os espectadores. Durante a guerra do Afeganistão, o Presidente norte-americano, George W. Bush, e o Primeiro-Ministro britânico, Tony Blair, pensaram destruir o canal de televisão por satélite Al-Jazeera. Ele não tinha qualquer impacto sobre os beligerantes, mas fazia pensar os espectadores do mundo árabe.

É de notar que após a guerra de 2003 no Iraque, pesquisadores franceses idealizaram que a guerra militar se transformaria em guerra cognitiva. Se o absurdo das armas de destruição em massa de Saddam Hussein não durou mais do que alguns meses, a maneira como os Estados Unidos e o Reino Unido conseguiram fazer com que todos aceitassem isso foi perfeita. Em última análise, a OTAN acabou por acrescentar aos seus cinco habituais domínios de intervenção (ar, terra, mar, espaço e cibernética), um sexto : o cérebro humano. Se a Aliança evita actualmente enfrentar a Rússia nos quatro primeiros, ela está já em guerra nos dois últimos domínios.

À medida que os domínios de intervenção se alargam, a noção de beligerante apaga-se. Já não são os homens que se confrontam, mas os sistemas de pensamento. A guerra, portanto, globaliza-se. Durante a guerra na Síria, mais de sessenta Estados, que não tinham nenhuma relação com esse conflito, enviaram armas para lá e hoje em dia, uma vintena de Estados envia-as para a Ucrânia. Como em directo não conseguimos interpretar os acontecimentos, antes os percebemos com olhos do velho mundo, acreditámos que as armas ocidentais eram utilizadas pela Oposição democrática síria enquanto elas iam parar aos jiadistas e agora estamos persuadidos que elas vão para o Exército ucraniano e não para os banderistas.

Ou seja, o inferno está cheio de boas intenções.

Original aqui


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

7 pensamentos sobre “O significado da guerra no século XXI

  1. E com boas intenções,a situação de caos organizado, “arranja” bem os Mercados, e permite, com certos decisores dos Estados, afogar o peixe. O cidadão médio já não compreende nada. É a finalidade, impor o N.O.M. Actualmente, existem duas posições: ou a conflagração generalizada, que permitiria aos poderosos recuperarem, após o caos da guerra, ou a razão prevalece, e aqueles que podem influenciar, para obter a paz, agir, amordaçando os profissionais, mas permanecendo no abrigo, usando um casaco de chefe de guerra, e rolando os olhos, para tentar impressionar alguns fracos, de compreensão. Em qualquer caso, após a escalada de demasiado, não haverá mais vencedor!

    Os nossos líderes estão a jogar à roleta russa mas com uma arma apontada às nossas cabeças!

    Torna-se mais evidente que os EUA tornaram a guerra na Ucrânia inevitável. Não têm qualquer desejo de acabar com isto, são eles que puxam os cordelinhos das marionetas em Bruxelas e Kiev: o destino da Ucrânia e do seu povo não conta para nada. É uma guerra de civilização, o confronto de dois blocos opostos, um dos quais é semelhante ao Anticristo. Neste ponto, pode-se temer que tudo seja possível, especialmente porque aquele que está no papel do Anticristo está vestido de anjo ao demonizar o adversário, e isto funciona maravilhosamente nos meios de comunicação social.

    Não vai demorar muito até que a humanidade compreenda as verdadeiras razões para esta situação, mas será muito tarde para voltar atrás. Pessoalmente, estou extremamente chocado com o discurso guerreiro dos nossos belos e inteligentes altifalantes nos aparelhos de televisão. Compreendem que não partilho a sua abordagem, mas acima de tudo continuo excessivamente revoltado , enquanto tentam convencer que a única saída é lutar, conhecem a angústia de todas aquelas mães que carregaram ou carregarão no seu ventre uma criança que terá de ser oferecida às armas, para que os nossos zelosos jornalistas ou outros ensaístas continuem a viver nos seus sonhos e confortos obscenos?

    A China foi subjugada pelos britânicos e franceses pela razão de vender “ópio”.
    A China é uma nação multi-milenar! Tem uma longa memória.
    As nossas economias vivem de dia para dia, e para alguns produtos até ao milissegundo.
    Aqueles que vivem no nosso sistema são +/- 2 mil milhões de pessoas.
    Aqueles que vivem ao nosso lado e querem atingir o nosso nível de vida são 6 mil milhões!
    De um ponto de vista económico, o crescimento é potencialmente muito maior onde existem os maiores números.

    E tudo isto é anunciado com antecedência e de forma sádica e perversa pelos Mestres do Mundo que já organizaram e planearam TUDO com antecedência….
    Quando vos dizemos que TUDO já está premeditado nos bastidores….!!!
    As nossas Vidas são mais valiosas e muito mais importantes do que as destes Notórios Ultra Criminosos escondidos nas sombras dos bastidores…!!

    Poderá o lado não-ocidental, de momento representado por Putin nesta guerra militar, parar nos seus objectivos iniciais enquanto os EUA e a Europa rearmam a Europa de Leste para o ponto de saturação e declaram febrilmente guerra económica e financeira a todos os seus aliados. A crise vai agora para além do destino da UCRÂNIA. Zé Pesnki não será autorizado a ajoelhar-se. Putin irá elevar o “limiar da dor” e depois lentamente estendê-lo aos vizinhos armados até aos dentes. O Ocidente vai apodrecer de pé. A Rússia sempre brincou com o tempo e com o frio. O Inverno ocidental será longo.

    Teremos no próximo ano combustiveis a quase 5 euros o litro,porém prometem-nos crescimento economico..

    A falta de conhecimento histórico dos nossos oligarcas é assustadora.

    A menos que o objectivo dos Estados Unidos seja destruir a Europa e Portugal, caso em que tudo se torna claro.

    Há séculos que somos usados como forragem de canhão, servimos para encher os seus bolsos e agora que a robótica está aqui, já não hesitarão em sacrificar-nos porque já não valemos nada… Em suma, a esperança faz-nos viver…

    Os países chamados BRICS irão unificar-se economicamente. Os EUA e a Europa Ocidental entrarão em colapso “economicamente”, prevejo guerras civis aqui e ali, desemprego, fome, mortes, roubos, etc…

    Gostaria de especificar que não estamos no mundo do despreocupado e que somos espectadores da ordo ab caos… No momento em que estamos a mergulhar no caos, a ordem que dele resultará será a grande reposição ou os pobres que não terão vida privada, nem propriedade, um escravo 2. 0 .

    Não é uma guerra entre os EUA e o resto do mundo, mas uma guerra entre os globalistas americanos e anglo-saxónicos e os seus capangas em todo o mundo.

    Provérbio sérvio –

    Durante as guerras, os políticos dão munições, os ricos dão comida e os pobres dão os seus filhos.
    Quando a guerra termina, os políticos recolhem os restos de munições, os ricos cultivam mais alimentos e os pobres procuram os túmulos dos seus filhos.

    Mais dinheiro, mais poder
    São as pessoas sedentas destes males que conduzem o seu povo a guerras, fomes e desordens migratórias.
    Quando a incerteza paira, os especuladores entram em jogo apostando em matérias-primas e recursos naturais, gás, petróleo, etc., é dinheiro fácil.

    O mesmo acontece com os alimentos, que estão sujeitos a especulação por parte dos comerciantes, criando desordem mundial com guerras de preços, capitalismo que conduz à fome, crises humanitárias, violência, guerras, destruição e migração.
    Tudo por causa deste dinheiro podre que é o próprio diabo.
    Creio que o mundo tem sido levado à loucura por estes loucos que são os líderes que nos governam.
    Esta é a maior catástrofe natural de grande magnitude !

  2. Não sou jornalista, nem pouco mais ou menos.

    Contudo, tendo em conta o que escreveu, se me permitir, deixo uma contribuição com alguns factos e fatores a ter em consideração para o futuro próximo.

    Em primeiro lugar, sobre a questão do poderio de Washington e a sua influência assoberbante sobre os atuais líderes políticos europeus: o Império está a morrer e todos sabemos o que acontece quando as pessoas ficam desesperadas e o seu poder desvanece-se à sua frente – agarram-no cada vez com mais força.

    Vejamos um artigo que saiu na RT ontem (sim, sim, propaganda russa, já sei, ouçam lá) e que menciona que os Estados Unidos estão a procurar que os seus tribunais possam acusar e julgar estrangeiros sobre “suspeitas de crimes de guerra”! Imagine-se! Já não lhes basta que não reconheçam o Tribunal Penal Internacional, como ainda têm o chamado “Hague Invasion Act” (Americanos e o seus atos…), que implica que eles possam ultrapassar Haia e julgar americanos acusados de crimes de guerra domesticamente, insurgindo-se contra a jurisdição do Tribunal, e agora querem julgar estrangeiros na base de “SUSPEITAS” de crimes de guerra.
    Boa. Precavenham-se, não matem moscas este verão.

    Mais, em duas ocasiões, já puxaram dos galões e prenderam cidadãos estrangeiros sob o pretexto de estes estarem a violar leis americanas – que na verdade são violadas por uma súcia de indíviduos lá dentro, mas ninguém liga porque esses metem-lhes dinheiro no bolso e pagam os Porsches e os Chevrolets de vidros fumados, portanto não convém interferir com esses.
    Frédéric Pieruci (francês), foi acusado de práticas de corrupção na Indonésia, preso no JFK, julgado no Connecticut e só foi libertado porque a empresa para a qual trabalhava (Alstom) foi adquirida pela General Electric (já repararam no marketing? Mudam de Motors para Electric, porque os motores já não são ecológicos. O Noam Chomsky deve rebolar de alegria com estas técnicas de propaganda!) pela módica quantia de 772 milhões de Dólares.
    Outro caso foi igualmente peculiar: Meng Wanzhou (filha do fundador da Huawei e atual CEO) foi presa no aeroporto de Vancouver por autoridades canadianas (por ordem dos americanos) e foi confinada à sua casa no Canadá até que a libertassem (desconheço as condições que permitiram isto…). É a lei da força bruta e do “põe e dispõe”. Nada de novo.

    Uma segunda notícia refere-se às possibilidades de Boris Johnson ser reeleito. O artigo revela dados estatísticos retirados de sondagens que revelam que os eleitores britânicos estão mais inclinados a votar no Partido Trabalhista (40%) do que no Conservador (34%) devido à inflação que subiu até aos inéditos 9% no país. Os ingleses já estão a sentir as alterações ao seu estilo de vida em muitas áreas (não tomam as refeições fora, vestem mais camadas de roupa para não ligar o aquecimento, cancelaram ginásios e subscrições, etc…) e estamos a 3 meses de guerra. A continuar assim, o fim do ano afigura-se indecifrável.

    Em segundo lugar: a Rússia, ao contrário do que parece ser dito, tem possibilidade de esganar o ocidente e, mais concretamente, a Europa. Mas não o faz. Antecipam – até este momento, creio eu – um lucro equivalente a 100 mil milhões de dólares com a venda do seu gás (um incremento substancial em relação ao ano anterior, pelos vistos) devido a uma subida generalizada dos preços de combustíveis e energia graças ao conflito.

    Li igualmente uma notícia que indicava que a Rússia, juntamente com a Índia e um terceiro país de que não me recordo, tem reservas de cereais – principalmente de trigo, mas incluindo-se cevada e outros – que atingiram um máximo histórico! Infelizmente, para este ano, tanto a Rússia como a própria Ucrânia (depois não venham dizer que são só os países maus que fazem isto), a Índia e a China colocaram proibições nas suas exportações destes bens materiais e produtos para proteger as suas economias em face de um mercado que se encontra de momento muito instável com uma subida generalizada dos preços, etc… Portanto, não há venda de cereais para ninguém. Não se preocupem, a França e a Alemanha têm as suas reservas e este ano a Europa não deverá sofrer demasiado.
    Contudo, já há fomes a assolarem a África Ocidental.

    Mas onde quero chegar com tudo isto é aqui: não creio que Putin esteja pronto para cortar totalmente as relações com a Europa (ou com qualquer outro país, já agora), por mais que esta se comporte como um servo obediente do Big Business Yankee (representado no máximo pontífice da figura de Macron e de Ursula von der Leyen e as suas famigeradas mensagens em que arranjou uma bela sinecura com o CEO da Pfizer).

    Creio até exatamente o contrário: Putin fará tudo para separar a Europa dos Americanos.

    Vejamos: Putin não é irascível. Ele próprio admite em entrevista – ou por outra, conversa, já que os nossos patrícios plumitivos não gostam de admitir que o homem faz um trabalho mais isento do que eles – com Oliver Stone que os seus homólogos não planeiam as coisas a longo prazo.

    Considere-se o facto de um ex-embaixador americano na Rússia (Michael Mcfaul) afirmar num debate com dois intelectuais (entre eles, John Mearsheimer, que já aqui figurou na Estátua) que o pedido de adesão da Ucrânia à NATO, que tinha sido amplamente discutido no meio de imprecações e rogos de Zelesnky desde junho, ou até antes, do ano anterior, ter sido uma “mentira”:

    – «Em 2021, reiterámos que a Ucrânia ia aderir à NATO. Dissemos isso repetidamente, uma e outra vez. Vocês acreditaram mesmo nisso?»

    – «Então os nossos diplomatas mentiram?»

    – «Sim! Vá lá, pessoal, este é que é o mundo real!» (risos da audiência)

    – «Os nossos diplomatas mentem a toda a hora, mas os russos devem confiar neles quando lhes são oferecidas garantias?» (aplausos da audiência)

    É esta a diplomacia norte-americana. E este indíviduo esteve na Rússia no tempo de Obama. Diz muita coisa.

    Portanto, Putin arquiteta e planeia antecipadamente. Tem uma visão ampla dos acontecimentos porque não está com o olhar vidrado com cifõres. A frieza e o calculismo político estão embebidos na sua personalidade e formação geral. Veja-se durante quanto tempo ele procurou relacionar-se com os Estados Unidos, propondo tratados, cimeiras, cooperações em questões envolvendo o terrorismo no Afeganistão, Síria, etc…

    Estamos a falar de um homem que honra compromissos, patente, aliás, no facto de permitir que, neste momento, as empresas ocidentais comprem o gás russo através de um sistema de pagamento em rublos, especificamente concebido para a conjuntura atual das sanções.
    Se ele quisesse a Europa morta, nem se dava ao trabalho!

    Este homem não está preparado para isso, pois reconhece que, a longo prazo, isso seria mais danoso para a Rússia do que o contrário. Algo leva-me a estabelecer um paralelo com a Primeira Guerra Mundial/Tratado de Versalhes e a forma como houve quem reconhecesse que não valia de nada humilhar a Alemanha à época. Putin deve ter estas ideias no fundo do crânio, embora nada disto se manifeste neste termos. O objetivo dele foi claro: resolver o problema do Donbass e mais nada.

    Efetivamente, este homem, nos últimos 20 anos da sua carreira, diz praticamente as mesmas coisas: ordem e mundo multipolares com transações económicas, culturais, sociais sempre obedecendo aos preceitos ditados pelo Direito Internacional.

    Todo este tempo a Gazprom disse que honraria todas as suas obrigações contratuais vigentes. Isto não é uma coincidência ou um acaso.

    E o facto é que, além de uma retórica altissonante e beligerante, as nações Europeias (algumas, outras são orgulhosas e vão arrepender-se) encolhem o rabo e compram o gás russo através das contas abertas em bancos na Rússia sem que haja grandes alaridos acerca disso na imprensa. Toda a gente sabe que não se pode largar o gás russo. Depois podem voltar aos vitupérios e pregões contra o homem, acusá-lo de bruxaria e tudo o mais, mas estão a proceder desta forma.
    Afinal de contas, é esta a diplomacia contemporânea: insultamos-te na cara e negociamos contigo pelas traseiras. Mas isto poderá virar-se contra o feiticeiro, nomeadamente: US of A.

    Considere-se Olaf Scholz e um telefonema angustiante (para ele) no qual Putin o tranquilizou de que a Rússia não deixaria de fornecer gás à Alemanha. Pense-se na Polónia, que se recusa a comprar o gás à Rússia, mas vai comprá-lo por intermédio da Alemanha. As coisas movimentam-se numa direção. Mas depois voltam para trás. (E esta metáfora, hein?)
    Ou ainda a atitude de Scholz, recusando-se a visitar Kiev após uma atitude indecorosa de um diplomata ucraniano (embaixador? Não sei) que mandou umas quantas diatribes sobre a Alemanha e o seus partidos. Mesmo que uma pessoa considere a dependência na qual nos encontramos dos nossos amigos além-mar, a Rússia faz parte da Europa e tem ligação por terra com ela. Isto não é secundário. Com os Estados Unidos, isto não acontece, apesar da ubiquidade e prepotência com que nos miram do lado de lá e até no nosso meio com as suas bases militares.

    Estou otimista.
    Não obstante, vejo dois perigos. Mas uma solução para ambos – talvez mais para um do que para o outro. Os perigos são Zelensky (e um seu recente excesso de confiança) e von der Leyen.

    Foi ordenado, há coisa de duas semanas atrás, que a circulação de gás russo fosse interrompido numa junção do gasoduto que passa pela Ucrânia no Nordeste do país (não me lembro exatamente onde, mas acho que foi perto de Belgorod ou de Kursk).

    Vejo duas possibilidades para que isto tenha acontecido: ou foi-lhe diretamente ordenado de Washington, para forçar a mão dos Europeus a virarem-se definitivamente para o gás americano, ou – hipótese mais engraçada – Zelensky, no meio das loas que tem recebido na sua tour de Parlamentos, viu uma inflação do seu orgulho-próprio e guardou nas suas mãos a tomada de tal decisão, acusando os russos de terem reunidos tropas em torno da junção e impedindo os técnicos ucranianos de desempenhar as suas funções.
    Gazprom desmentiu-o no mesmo dia. De momento, não sei qual a situação do gás para além de ter sido interrompida a circulação para a Finlândia e para a Suécia no meio desta loucura da adesão.

    Por outro lado, von der Leyen assume-se como um grande perigo para impedir uma “união” entre Rússia e Europa, uma vez que ela não é líder de nenhum país e não tem de se reportar a populações absolutamente nenhumas – não vale a pena falar de Charles Michel, não me parece que entre na questão de qualquer forma a não ser para dar meia dúzia de guinchos em nome da Liberdade e do Parlamento Europeu, que não me parece que se tenha manifestado uma única vez acerca de toda esta questão (estou enganado? Não sei mesmo, corrijam-me, por favor). Isso diz muito acerca do nível a que reduziram esta instituição…

    Von der Leyen encaminha as coisas para onde quiser. Juntamente com Macron, protegerão os grandes interesses capitalistas a todo o custo. Um está aliado aos Democratas-Cristãos e o outro vem do mundo financeiro. Tudo dito.

    Mas aqui há algo que conduziu todo este conflito desde início e que, cheira-me, ninguém tem discutido de propósito: Nord Stream 2.

    Efetivamente, a construção acabou no último trimestre do ano de 2021. E foi dito na altura que, por se ultrapassar a Ucrânia e conduzir o gás russo diretamente para a Alemanha, seria o mesmo que “dividir a Europa”. Recorde-se toda a oposição feita a este gasoduto durante a presidência Trump e não só. Foi isto que nos trouxe até aqui. E pode ser isto a tirar-nos desta situação.

    Neste caso, talvez a remilitarização da Alemanha venha em boa altura. E não, não digo isto a brincar. Quem estiver a par disso, sabe que os Alemães são dominados por um sentimento de repulsa e profunda mágoa pelo que foi a Segunda Guerra Mundial. Está imbuído na sua consciência histórica, de tal modo que, a nível de costumes, parece-me que são o país mais liberal a nível de direitos dentro da Europa. Neste sentido, a sua remilitarização vem com uma consciência do perigo que isso representa. Mas mais do que o perigo, a responsabilidade. (posso estar enganado)

    Na antiga política imperial Britância (que passou para a visão mundial dos Estados Unidos) a Alemanha é aliada inevitável da Rússia. Recorde-se que o Antigo Império Alemão (Prússia) englobava a atual Polónia e o enclave de Königsberg, agora Kaliningrado (Rússia). Por isso houve um esforço de a domar depois da Segunda Guerra com a sua fração assim como um esforço de a povoar com bases militares logo a partir do desmantelamento da União Soviética. De facto, a Alemanha é o país europeu que mais bases militares americanas e da NATO tem no seu território.

    Assim sendo, talvez que o Império esteja a dar um tiro no pé ao permitir que os seus súbditos se armem. Se Olaf Scholz fosse inteligente, aproveitaria ambas as situações. Nord Stream 2 e remilitarização. Por um lado, quebrava a dependência do gás que tem de passar pela Ucrânia e passaria a ser a nação encarregada de fornecer o gás natural (como intermediária) ao resto dos países europeus como o faz agora com a Polónia (que se está a queixar dos lucros que a Noruega anda a embolsar com a venda de gás); por outro lado, estaria numa posição mais robusta para se livrar da influência militar americana que assola o seu território.

    No fundo, a Europa quer a independência americana, mas nem o percebe.

    Todavia, há aqui outra questão: nada disto importa se não houver uma “deserção” em massa da NATO. E esta cheira-me que está em andamento num certo sentido.

    A Turquia impôs as suas condições: quer os terroristas curdos, o fim das sanções à compra de sistemas de mísseis russos e quer F-35’s americanos. Mas Finlândia e Suécia aceitarão o que se pede? Por um lado, podem, ao abrigo da vontade dos Americanos, extraditar os ditos terroristas para serem julgados por “Suspeitas de crimes de guerra” nos EUA. Mas será que tal vai acontecer? Se acontecer, ninguém ouvirá falar disso, porque significaria o fim da imagem de credibilidade e defensores de liberdades e direitos que os EUA espalham de si mesmos (assim como das duas nações).

    Se não houver cedência às exigências de Ankara, o que é que impede Erdogan de se virar contra as tropas americanas e contra o ISIS (ou lá qual é o nome agora) que lhe guardam os campos de petróleo Sírios e de se encarregar desse negócio sozinho? O que é que o impede, aliás, de fortalecer as relações com Bashar-Al-Assad (duvido desta, é demasiado ganacioso)? Ou de se virar contra Israel?
    Ou pior: porque não reforçarem relações com a Rússia e construírem novos gasodutos que passem por território turco em direção à península Arábica, num sentido e, por outro, passando pela península Helénica, Itálica, Alpes e por aí fora…? Ou ainda pior: instituir uma circulação de gás e petróleo pelo Mar Negro? A Bulgária e a Grécia talvez agradeccessem, uma vez controlado o Mar Negro pela Rússia e Turquia. Talvez que esteja a exagerar, mas talvez não.
    Afinal de contas, a Turquia está mais para “lá” do que para “cá”. E, ultimamente, tem-se revelado como sendo muito irreverente a todos os níveis.

    Mas se as exigências de Ankara forem escutadas: adeus democracias nórdicas. Assumir-se-ão como árbitros que presidem à nomeação de indíviduos, sem bases jurídicas para tal, como não tendo valor humano de qualquer espécie ou género. E serão ostracizadas pelas democracias e populações europeias (talvez não, tem havido pior do que isso).

    Bela encrenca para o Império. Ou resolvem isto à pancada ou começa a desmantelar-se a sua liga de campeões por dentro antes sequer de estar completa.

    A questão da remilitarização, por outro lado, parece adequada para a Europa se libertar do domínio da NATO (se fosse bem aproveitado), mas extremamente perigosa.
    Recorde-se que Áustria, Polónia, Hungria e agora Ucrânia têm um ressurgimento de movimentos autoritários de extrema-direita e os seus governos representam todos essa ala. O que é que isto significa para uma Europa que vai entrar num período negro? Estaremos a entrar novamente no período dos anos 20 e 30 do século passado?

    Infelizmente, está difícil de prever o que poderá suceder daqui para a frente.

    Para concluir, já que este ficou muito longo (e provavelmente cheio de asneiras de bola de cristal), Nord Stream 2 e Alemanha representariam a chave da libertação Europeia, ironicamente. Poder-se-ia juntar uma palavra acerca de França, mas dizer o quê? Os socialistas franceses ficaram-se no século passado. E Portugal e Espanha? Que fazer deles?

    O Mediterrâneo tem algo a dizer para além dos gritos de refugiados em jaulas pagas pelos nossos impostos?

    Quem tiver algo a criticar, por favor: estou aqui para aprender e debater.
    Também cometo muitos erros.

  3. Polónia acabou de desistir dos contratos de gás russo! Juntamente com Finlândia e Bulgária. Mas vão comprá-lo da Alemanha! (Enfim…) O relógio vai andando para a Europa…

  4. As fomes assolam África Oriental e não Ocidental, como disse.

    Gralha de quem já escreveu a coisa um bocado tarde…

    E a questão da disrupção dos mercados já vinha desde antes da invasão, como dito por Anatoly Antonov (embaixador russo nos EUA), resultado das inúmeras sanções unilaterais contra a Rússia que minava a confiança nos parceiros ocidentais.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.