Os cinco erros da direita sobre o crescimento económico em Portugal

(Ricardo Paes Mamede, 25/01/2022)

Os partidos de direita apresentam-se a estas eleições com um discurso simples sobre a economia portuguesa. Afirmam que Portugal tem tido um crescimento medíocre comparado com os países do Leste europeu, que eram pobres e hoje são mais ricos que nós. E que essa diferença se deve às políticas adoptadas: liberais naqueles países, “socialistas” aqui. Logo, segundo a direita, é preciso liberalizar, privatizar e desregulamentar para Portugal crescer.

Este discurso é simples e eficaz. É também errado, por cinco razões.

1. O desempenho das economias de Leste é menos diferente do português do que parece

As economias não crescem sempre ao mesmo ritmo – há momentos em que aceleram, outros em que abrandam. Nas economias menos avançadas, as acelerações devem-se quase sempre a factores externos e nem sempre são virtuosas.

Na UE, todos os novos Estados membros passaram por um período de rápido crescimento económico nos anos que se seguiram à integração. Tal deve-se a três motivos principais: a abundância de fundos de coesão, a liberalização dos movimentos financeiros internacionais e os fluxos de investimento estrangeiro (que exploram as novas oportunidades de investimento e de produção a baixos custos).

Isto aconteceu também a Portugal na década e meia que se seguiu à entrada na então CEE, em 1986. A este nível, Portugal não compara nada mal com os oito países da Europa de Leste que aderiram à UE em 2004: destes, só a Polónia teve uma taxa anual de crescimento superior à portuguesa nos 15 anos posteriores à integração europeia (ver gráfico).

O problema vem depois – e não é por acaso. À medida que os rendimentos médios aumentam, o montante de fundos europeus diminui e as vantagens competitivas associadas aos baixos custos também. Os fluxos de financiamento externo invertem-se, então: se no início o capital entra para emprestar a juros baixos e investir em diferentes actividades, na fase seguinte o capital sai sob a forma de lucros, juros e amortização dos empréstimos entretanto contraídos. Quem julga que os elevados ritmos de crescimento dos países de Leste se vão manter ad eaternum enquanto a economia portuguesa estagna não presta muita atenção à história do crescimento económico.

2. Os países de Leste tinham condições para crescer que nada têm que ver com “medidas liberais”

A direita defende que o rápido crescimento dos países do Leste europeu se deve a políticas liberais, em particular impostos baixos e um Estado de dimensões reduzida. Qualquer explicação para o crescimento económico que se baseia num único factor é de desconfiar – se assim fosse, os economistas não andavam há 250 anos a tentar compreender o fenómeno. Neste caso concreto, a explicação apresentada esquece alguns dos elementos essenciais.

A ideia de que os países de Leste tinham menos condições do que Portugal para crescer é simplesmente errada. Se há coisa que se sabe sobre o crescimento económico é que este tende a beneficiar muito das qualificações das pessoas – e os países de Leste têm desde há muitas décadas os níveis mais elevados de educação entre as nações europeias.

Outro facto bem conhecido dos processos de crescimento diz respeito à importância do perfil de especialização dos países. E, ao contrário do que muitos sugerem, as economias que mais têm crescido no Leste europeu não eram pouco desenvolvidas: uma década antes de aderirem à UE (ou seja, quando ainda estavam na transição para o capitalismo), países como a Estónia, a Eslovénia, a República Checa, a Eslováquia e a Polónia tinham já um perfil de exportação mais sofisticado do que o de Portugal (ver gráfico construído a partir daqui).

Índice de complexidade económica das exportações de cada país

Às vantagens na educação e ao perfil de especialização, alguns países do Leste somam a proximidade histórica e geográfica a economias muito mais avançadas, de cuja força tendem a beneficiar. Os casos mais óbvios são a República Checa (que se tornou uma extensão da indústria transformadora alemã) e a Estónia (que se tornou um prolongamento da economia finlandesa).

Ignorar todos estes factores – o impacto da integração europeia, os níveis de educação e de sofisticação tecnológica de partida, ou a proximidade a economias mais avançadas – para insistir na tese da abordagem liberal como factor de sucesso económico, só pode ser resultado de ignorância ou má fé.

3. A estagnação económica em Portugal nada tem a ver com a “falta de liberalismo”

Falar em falta de liberalismo em Portugal como estando na origem da estagnação económica é um contrassenso. A “agenda liberal” tem estado bem presente nas políticas seguidas por sucessivos governos ao longo das últimas décadas. Nos últimos 30 anos:

  • privatizou-se quase tudo o que havia para privatizar em Portugal: empresas industriais, bancos, seguradoras, empresas de transportes e de energia, até o tratamento de resíduos;
  • liberalizou-se o sistema financeiro e a circulação de capitais;
  • desregulamentaram-se por três vezes as leis do trabalho, facilitando os despedimentos, os horários flexíveis e os contratos atípicos;
  • abriram-se as portas aos privados na saúde e na educação;
  • abdicou-se de uma moeda própria, deixando o financiamento do Estado nas mãos de especuladores privados internacionais.

Neste contexto, dizer que o mau desempenho da economia portuguesa nas últimas décadas se deve a falta de “liberdade económica” e ao excesso de intervenção do Estado, faz mesmo muito pouco sentido.
Para além disso, ignora aspectos cruciais para perceber a estagnação da economia portuguesa, como sejam:

  • o processo de endividamento privado, decorrente da liberalização financeira e dos erros de supervisão bancária;
  • os choques competitivos associados à entrada da China na OMC e o ao alargamento a Leste;
  • a forte apreciação do euro face ao dólar até 2008; ou
  • a forma desastrosa como as lideranças europeias lidaram com a crise da zona euro entre 2010 e 2012. 

Só por indigência ou desonestidade intelectual se podem ignorar todos estes factores quando se explica a evolução da economia portuguesa nas últimas décadas.


4. Baixar os impostos e esperar que chova não nos vai salvar
Dificilmente um mau diagnóstico dá origem a uma boa prescrição. Quem tem uma má explicação para a estagnação da economia portuguesa não terá boas soluções para a resolver.
Os partidos da direita acreditam tanto que o fraco crescimento relativo de Portugal se deve à “falta de liberdade económica” que a sua receita para o crescimento é pouco mais o que baixar os impostos, reduzir os custos de contexto e esperar que chova.
O pressuposto é de que o crescimento depende do investimento privado e que o investimento privado depende dos custos de fazer negócios – custos fiscais, laborais, administrativos e outros.
É óbvio que nenhuma economia atrai investimento se as condições de fazer negócios forem miseráveis. Mas essa não é a situação de Portugal. Em nenhum dos domínios referidos Portugal apresenta indicadores muito distintos da média europeia. O conhecimento existente não nos permite afirmar que a redução dos impostos traria mais crescimento. Quanto à redução dos salários ainda menos: o seu impacto na procura interna seria imediato, enquanto o seu efeito na competitividade da maioria dos sectores exportadores seria residual.
É possível e necessário melhorar muitos aspectos que afectam a vida das empresas: os custos da energia, alguma burocracia excessiva, a lentidão da justiça, entre outros. Mas estes problemas estão identificados há muito tempo e têm vindo a melhorar. Exija-se que melhorem ainda mais, claro, mas não se espere que venha daqui um salto qualitativo da economia portuguesa.
Os principais entraves ao crescimento económico em Portugal são, em primeiro lugar, o perfil de especialização produtiva (baseado em actividades de baixo valor acrescentado e que enfrentam fortes pressões da concorrência externa) e, em segundo lugar, o elevado endividamento externo (que leva a que uma parte importante dos rendimentos gerados todos os anos seja canalizado para o exterior).
Em quaisquer circunstâncias, seria sempre difícil ultrapassar estes obstáculos. No contexto português actual, estas dificuldades são acrescidas pelo facto de o país não dispor de instrumentos de política económica que outros usaram no passado – como a política monetária e cambial ou a política de comércio externo – estando o uso de outros instrumentos muito limitado pelas regras da UE (como a política orçamental, as empresas públicas ou as compras públicas).
Mais uma vez, só por indigência ou desonestidade intelectual se pode afirmar que todas estas dificuldades se resolvem aumentando a “liberdade económica”.


5. Se a história nos ensina alguma coisa é que é preciso mais – e não menos – intervenção pública
A direita defende a redução da presença do Estado na economia, vendo-a como um problema e não como parte da solução. Também este discurso é simplista. Na verdade, o Estado está sempre presente – como produtor, regulador, comprador ou prestador de serviços – e é sempre indispensável.
O que distingue a direita liberal é a noção de que o Estado deve manter uma distância higiénica das empresas privadas, limitando-se a regulá-las de forma a promover a concorrência (ou simulá-la, quando ela não pode existir). Mas a história do desenvolvimento económico mostra-nos que a mudança estrutural e o reforço das capacidades produtivas dos países exigiram sempre um Estado muito mais interventivo, contribuindo activamente para a acumulação de conhecimentos e competências, e apoiando de forma estratégica sectores que se revelavam em cada contexto mais promissores. Isto aconteceu em países com regimes políticos muito distintos, em circunstâncias históricas diversas. É esta a história da Inglaterra da dinastia Tudor, dos EUA desde a independência até hoje, da Alemanha, da Coreia do Sul, do Taiwan, da China e de tantos outros.


O problema de Portugal hoje não é Estado a mais nem Estado a menos. O problema é ninguém parecer saber muito bem o que fazer com o Estado e como – e aqui o problema não é só da direita. Mas isso fica para outra ocasião.


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6 pensamentos sobre “Os cinco erros da direita sobre o crescimento económico em Portugal

  1. Dá gosto ler e ouvir pessoas assim…em contraditório com os “chavões” de décadas dos maus dirigentes desta merda de país!

  2. Porque será que os paises de leste que já tinham (ou pelo menos se dizia que tinham) elevada formação e em que todos os meios de produção eram estatais não passaram de paises miseráveis à beira da inanição, decrepitos e obsoletos?
    Pelas premissas do RPM deveriam ser extremamente desenvolvidos. Mas não eram mas agora estão no caminho do progresso.
    E já agora como é que explica o senhor RPM que a Irlanda que ainda era ainda mais atrasada que Portugal e com igual nivel de formação se tornasse num dos paises maus prósperos da UE?
    Eu dou uma ajudinha. Que tal pormos a hipotse de a taxa de IRC na Irlanda ser inferior ou igual a 15%?
    Como seria simples desenvolver um país se tal acontece-se por obra e graça de aumentar os salários por decreto, mas infelizmente isso só dá inflação. É so olhar para o paraíso venuzuelano.
    Já agora, a batota da desvalorização da moeda própria, também não leva a lado nenhum, a não ser mais inflação e por tal facto ao esbulho dos mais desfavorecidos.

  3. Cogito: talvez porque a Irlanda, para além da boa ligação com os EUA, teve fortes políticas estatais – que tiveram início nos anos 50 – ao nível da inovação e i&d. Mas pronto, leve lá a bicicleta (de preferência tenha um acidente e seja esborrachado por um camião, what the fuck do I care?)

  4. Que tal considerarmos os 15% da Irlanda como puro dumping fiscal? O dumping é crime, certo? Se sim, então porque é que a Irlanda não é punida, tla como o devem ser a Hungria e Polónia por “dumping” democrático?

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