A campanha vai apenas discutir temas esdrúxulos e bizantinices?

(São José Almeida, in Público, 08/01/2022)

Como não poderá deixar de ser, com a pandemia de covid-19 a atingir o pico de contaminações, previsto para o mês de Janeiro, a campanha eleitoral para as legislativas antecipadas será condicionada. Embora por lei nada possa impedir a acção política, o bom senso parece ir imperar e a maioria dos partidos parlamentares já anunciou que irá organizar iniciativas de campanha que respeitem as regras aprovadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) para os eventos em geral.

O primeiro partido a anunciá-lo foi o PS, através de declarações do director de campanha, Duarte Cordeiro, ao PÚBLICO, na segunda-feira. Mas logo nesse dia, PSD, BE e PCP assumiram que irão também respeitar as regras da DGS. As iniciativas obedecerão assim ao distanciamento entre pessoas, ao uso de máscara, até à testagem. E não deverá haver, na maioria das campanhas, os tradicionais almoços e jantares, nem as chamadas “arruadas”, manifestações de apoio aos candidatos e aos líderes.

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Com a campanha condicionada pela pandemia, os frente-a-frente televisivos, que estão a decorrer durante a pré-campanha, ganham uma relevância grande, como momentos em que os líderes devem procurar fazer passar para os eleitores a mensagem e as propostas dos partidos. Só que, por razões que nada têm que ver com a pandemia, mas com a atitude de alguns dos próprios líderes, não tem sido bem isso a que se tem assistido.

O PS optou por uma estratégia de campanha que aposta na bipolarização entre si e o PSD, centrando o debate e o discurso eleitoral em torno do perfil dos líderes, como Duarte Cordeiro, director da campanha dos socialistas, explicou ao PÚBLICO. Uma opção que empobrece o debate de ideias, de propostas, de soluções e de projectos para o país. Mais. Os dois principais partidos demoram em divulgar os seus programas eleitorais.

O líder do PS, António Costa, fez na segunda-feira uma apresentação pública de algumas das ideias que o seu programa eleitoral inclui. Mas o documento só nesta sexta-feira foi divulgado. No mesmo dia, aliás, em que o PSD apresentou as suas propostas eleitorais. Ora, sem ideias, não pode haver, de facto, debate. E a política fica entregue a irrelevâncias, passando a ser condicionada pela demagogia populista.

Repetindo uma técnica discursiva que se pode considerar de terrorismo verbal e que usa desde o início da sua liderança, o presidente do Chega não só trata de torpedear com bocas da geral os seus interlocutores quando estes falam, como faz pior. Conduz o debate para os temas marginais que elegeu como as suas supostas causas, para os defender de forma demagógica e redutora. E, assim, ocupar espaço de antena e criar uma campanha eleitoral paralela, na qual os reais problemas do país não se discutem.

Até agora tem conseguido o seu objectivo. Condicionou os debates com a líder do BE, Catarina Martins, e com o líder do PSD, Rui Rio. Apenas o secretário-geral do PS, António Costa, e, sobretudo, o líder fundador do Livre e cabeça de lista deste partido no círculo eleitoral de Lisboa, Rui Tavares, conseguiram colocar André Ventura no lugar e anular o seu terrorismo verbal.

O sucesso de André Ventura tem sido tal que até conseguiu condicionar o debate entre Rui Rio e Catarina Martins, que foi ocupado durante os primeiros minutos a discutir o esdrúxulo tema da prisão perpétua. Admito que Rui Rio se empenhou em perder tempo com tal bizantinice para demonstrar que afinal o que André Ventura dizia que defendia não era bem aquilo que de facto defende, mas uma versão “mitigada”, procurando assim descredibilizar o líder do Chega. Mas terá tido esta opção algum interesse útil para o PSD?

Mais inusitado ainda foi ver o líder do PS, António Costa, a gravar um vídeo, na terça-feira, para reagir ao debate entre André Ventura e Rui Rio, atacando o líder do PSD e acusando-o de ceder ao populismo e de resvalar na defesa dos princípios do humanismo. Uma tentativa de colagem do líder do PSD ao do Chega que repetiu no frente-a-frente com André Ventura, ainda que tenha conseguido barrar algum do seu terrorismo verbal, criando uma espécie de palavra de ordem: “Comigo não passa.”

Falta ainda uma semana de vários frente-a-frente, bem como os debates dos partidos com eleição parlamentar nas televisões e nas rádios. E, claro, o período de campanha. Há, assim, tempo para alimentarmos a esperança de virmos a ter uma real, válida e útil discussão sobre as propostas e os projectos que os partidos têm para o país. E desejarmos que não se passarão quase quatro semanas a discutir temas esdrúxulos e bizantinices e que apenas beneficiam o populismo e a demagogia.


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