Um homem subvalorizado e uma legião de derrotados

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 29/11/2021)

Daniel Oliveira

A vitória de Rio é uma derrota da barragem mediática que lhe foi feita por quem nunca o aceitou ou compreendeu. Do aparelho, que apoiou Rangel. E do passado que se recusa a sair do palco, sobretudo Passos e Cavaco. Agora, a dramatização para o voto útil em Costa, que resultaria com Rangel, é mais difícil com Rio. E o centro não está no papo.


Rui Rio é errático. Parece que tudo nele é pouco pensado. Não sei se a confusão é planeada, se é espontânea, mas a verdade é que resiste. E resiste. E resiste. A sua vitória interna é apenas mérito seu. E é uma derrota estrondosa de alguns poderes.

Rui Rio venceu, antes de tudo, em contraciclo com a esmagadora maioria do poder mediático. Não me recordo de muitos líderes que, sem ser por um qualquer preconceito ideológico ou linha vermelha imposta pela defesa de valores democráticos fundamentais, tenham lidado com uma barragem que ultrapassou tudo o que é aceitável. Já o escrevi: Rui Rio tem fortes responsabilidades da má vontade dos jornalistas. Teve-as como autarca, continua a tê-las como líder do PSD. Mas isso não legitima o que lhe é feito.

Esta vitória interna não derrota colunistas, porque a validade da opinião não é sufragada por votos e ainda menos por eleições internas. Também não derrota um jornalismo com viés, porque esse se derrota à partida. Apenas exibe a ilusão da influência da comunicação social no fenómeno político. E a sua incapacidade de aceitar qualquer coisa que seja diferente. Há poucas coisas mais conservadoras do que o olhar do jornalismo.

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O mundo mediático nunca compreendeu Rui Rio. A sua linguagem pouco padronizada, a sua sinceridade desarmante, o seu autoritarismo ultrapassado, a decisão aparentemente absurda de não fazer campanha interna enquanto a fazia de uma forma bem mais profissional, o estilo anacrónico de não reagir a polémicas diárias enquanto dá respostas no Twitter. A comunicação social não compreende como pode um líder assumir a possibilidade de ser derrotado e dizer o que vai fazer e acha que o que funciona é falar de uma maioria absoluta que todos, incluindo o próprio Rangel, sabem ser impossível. E não percebeu o que até os militantes do PSD já perceberam: que o passismo é um passado de que a maioria dos portugueses não guarda saudades. Nada em Rui Rio cabe nos padrões de um vitorioso. E mesmo assim não o conseguem derrotar.

Rui Rio venceu o aparelho. Não me recordo de um caso em que essa vitória tenha sido mais clara, ainda mais com um limite bastante restrito de eleitores. Ou talvez, à última da hora, o aparelho se tenha dividido. Alguém que conheça melhor o partido conseguirá explicar como foi isto foi possível.

E voltou a derrotar as figuras do passado que se recusam a sair do palco. Sobretudo Passos Coelho e Cavaco Silva. O último, de forma direta e quase sempre sem o decoro que se esperaria de um antigo Presidente da República. A intervenção de Passos foi sempre mais discreta e por interpostas pessoas. Nunca conformados com a maioria de esquerda de 2015, os passistas esperam há anos que o povo se mostre agradecido pelo tempo em que se foi para além da troika. E desde que Rui Rio venceu que deixaram claro que o consideram um líder ilegítimo, em contraciclo com a radicalização ideológica que defendem.

No sábado, apesar do apoio descarado da comunicação social, os passistas foram mais uma vez humilhados. Porque o seu maior objetivo não era tirar os socialistas do poder, era recuperar a liderança da direita que só lhes caiu no colo, no fim do socratismo, por um acidente histórico.

Depois, há aquele para quem este resultado não foi uma boa notícia: António Costa. A estratégia de dramatização para o voto útil que resultaria com Rangel e a sua tropa é mais difícil com Rui Rio. E o centro já não está no papo. Como já mostrou várias vezes, não é boa ideia subestimar Rui Rio.

Todos os defeitos podem ser apontados a Rio e a forma leviana como geriu o acordo dos Açores com a extrema-direita fez-me perder qualquer bonomia em relação à falta de rumo como dirige o partido. O que me faz pensar que não geriria de forma muito diferente o país. Mas, convenhamos, a sua resiliência, maldita palavra que está na moda, é caso de estudo. E uma qualidade política que dificilmente pode ser desprezada pela direita ou ignorada pela esquerda.


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Um pensamento sobre “Um homem subvalorizado e uma legião de derrotados

  1. Quais jornalistas? R. Rio para lá de ter vencido o execrável Rangel deu uma grande
    banhada nos avençados com a carteira de jornalista que, são especialistas em fazer
    fretes a quem lhes paga generosamente!
    Sobre os ditos “colunistas” nem merece a pena falar, com raras excepções, são me-
    ros estipêndiados como dizia o saudoso B. Bastos mais, sem coluna vertebral, nem
    se percebe como são mantidos a mamar as avenças!!!

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