Se Costa e Rio têm solução para um impasse a quem interessou esta crise?

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 17/11/2021)

Daniel Oliveira

Costa e Rio não afastam viabilizar um governo do opositor em circunstâncias semelhantes à atual. Se depois de 30 de janeiro há solução para as mesmas circunstâncias com os mesmos protagonistas e eles até o dizem, porque não tentaram sequer negociar, para impedir a crise? Porque as eleições interessavam a alguém.


Grande parte das análises a esta crise já estavam feitas antes da própria crise. Só esperavam o momento certo para desabrochar. Por isso, poucos ligaram a uma coincidência extraordinária: António Costa e Rui Rio, atuais líderes do PS e do PSD, não afastam a possibilidade de viabilizar um governo do opositor em circunstâncias semelhantes a esta. Rio di-lo expressamente, Costa insinua-o de forma quase explícita. Ou, pelo menos, ao contrário de Costa em 2020 e Rangel agora, não defendem que isso está interdito aos seus partidos.

A narrativa da inevitabilidade da crise, pondo toda a responsabilidade por ela em dois partidos mais pequenos que desde 2019 não têm qualquer compromisso com o Partido Socialista (por escolha do próprio António Costa), foi alimentada pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República. E fez um caminho tão sólido que ninguém se perguntou: se em iguais circunstâncias os atuais líderes dos dois principais partidos estão disponíveis para impedir um impasse, porque não o fizeram agora? O que de tão importante os impedia de nos levar a umas eleições que ambos consideram nocivas para o país?

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A única diferença parece ser tão fútil como esta: António Costa tinha dito, em 2020, que não podia governar com o apoio do PSD. Ninguém o exigiu, o PSD não se pôs de fora, o BE e o PCP não tinham qualquer acordo com o PS que o impedisse. Costa disse-o porque quis dizê-lo. Porque, para fazer o cerco aos dois partidos à sua esquerda, lhe interessava dizê-lo. O PSD agradeceu, claro. Tirou todo o peso de cima dele. A partir de 2022 já pode? Porquê? Costa disse que não tinha mandato para tal. O PSD até podia não ter mandato para apoiar o PS. No limite, e com esforço, o BE e o PCP podiam não ter mandato para deixar de apoiar o PS. Mas esses eram mandatos desses partidos, não do PS. Costa não está ou deixa de estar mandatado para determinar o apoio de terceiros.

Não havendo acordos formais à esquerda (acabaram em 2019), o que Costa nos diz é que o seu mandato era ser apoiado pelo BE e pelo PCP, e que não tinha sido mandatado para ver o seu Orçamento viabilizado pelo PSD. Respeitar o mandato recebido dos eleitores correspondia, para Costa, a impor que os outros o continuassem a apoiar, não era ele próprio assumir compromissos com esses partidos. Ou seja, o seu mandato correspondia a deveres dos outros, não a seus. Imagino que essa foi a conveniente conclusão que tirou do reforço do resultado do PS, em 2019.

Além de absurdo, o argumento é falso. Se a questão era Costa estar mandatado para repetir a “geringonça”, violou esse mandato quando recusou um acordo de legislatura, porque esse foi um elemento central dos quatro anos anteriores. O mandato da “geringonça” nunca foi, nem nesses quatro anos, viabilizar orçamentos. Foi um conjunto de compromissos comuns. E se o mandato o impedia de negociar com o PSD (e obviamente não impedia), também o violou várias vezes nesta legislatura. Até para travar propostas do BE e do PCP.

O que fica claro é que António Costa e Rui Rio tinham, neste momento, todas as condições para impedir uma crise, já que se comprometem a, com as mesmíssimas condições e lideranças, impedir um impasse destes depois de 30 de janeiro. Se há solução para estas circunstâncias com os mesmos protagonistas e eles até o dizem, porque não foi tentada, pelo menos negociada, para impedir esta crise? Só pode haver uma resposta: a crise e as eleições agora interessavam a alguém. Basta olhar para as sondagens para perceber a quem seguramente não interessavam e a quem podiam interessar. Se seguirem esse rasto, a propaganda fica mais difícil de fazer. Costa e Rio explicam quando falam de cenários futuros que a crise presente tinha solução.

Se era evitável e aconteceu, é porque é útil a alguém. E não é difícil perceber a quem. Talvez Rio tivesse pressa para não ser apeado. Talvez Costa tivesse pressa para secar a sua esquerda e tentar a maioria absoluta. Isto já são conjeturas. Que a solução existia, é um facto que os dois não negam quando nos falam do futuro.


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3 pensamentos sobre “Se Costa e Rio têm solução para um impasse a quem interessou esta crise?

  1. Tenho dificuldade em me recordar de um texto (à esquerda) tão demagógico quanto este. Daniel Oliveira continua o seu trabalho de tentar apagar a responsabilidade do Bloco de Esquerda e Partido Comunista nesta crise. Haverá, naturalmente responsabilidades repartidas também pelo governo, mas pretender insistir na tese implícita de que o governo forçou uma crise para retirar dividendos eleitorais é simplesmente demagógico e falso. Como jornalista (?), Daniel Oliveira deveria saber que o estado de espírito e as perspectivas eleitorais, no PS e no interior do governo, nos dias seguintes ao chumbo do orçamento eram muito pessimistas. Terão mudado depois com a divulgação das sondagens, mas no imediato ninguém no governo apostava que obteria ganhos eleitorais. De facto, ninguém no governo queria eleições, e o Daniel Oliveira sabe-o.
    Já agora, não é de todo a minha opção, mas é evidente que, se for necessário para garantir a estabilidade governativa do país, qualquer partido de poder responsável (o que não inclui claramente o Bloco de Esquerda) tem de estar aberto a todos os apoios potenciais, incluindo o PSD. Não que eu o deseje, mas o país tem de ser governado. Ou preferem pura e simplesmente entregar o poder à direita?

  2. (…) demagógico é este esconde, esconde de A. Costa, e esta resenha de Isabel M. a “dizer-nos” implicitamente que ou o PS no Governo, ou o caos. Que ego politico !!!
    Basta puxar pela memória e constatar o que o PS tem feito, á legislação laboral, desde M. Soares, e nos sucessivos governos que liderou para se perceber, no mínimo, como ficam os trabalhadores se a estratégia de Costa vingar e o PS tiver a maioria absoluta: mais precariedade, continuação da caducidade, manutenção dos mesmos dias de compensação despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, a falta de creches, gratuitas, um SNS sem investimento à espera do estatuto, lá para Maio, mantendo as condições de sangria de médicos, e outros técnicos da saúde para o privado. Com, o provável o regresso das PPP na saúde …

    A ética da responsabilidade a que Isabel M aqui faz aqui apelo corresponde, por um lado, à submissão incondicional ao ditames da comissão europeia, por outro lado à ideia de que o PCP e BE deveriam ter apoiado este OE, “abdicando” dos seus pressupostos políticos na negociação do mesmo. Ou seja; o que Isabel M. defende em nome desta ética, seria um apoio incondicional a este OE que, sem dúvida, abriria um precedente, para a “domesticação” e a prazo “conversão” destas forças à esquerda do PS em muletas de apoio parlamentar a todos os OE’s desta legislatura. A. Costa sabia que não poderia reduzir a folclore, a participação da esquerda- sobretudo do PCP- neste OE. Mas, esta impossibilidade, era um argumento da sua estratégia, depois do bitaite de Marcelo, para forçar eleições antecipadas e pedir maioria absoluta. Quem assistiu á entrevista na RTP ficou se dúvidas quanto a este objectivo. Costa tem uma dificuldade enorme em cooperar politicamente pelo seu inato autoritarismo, puxem pela memória e lembrem-se quando era Min. Adm. Interna, ou como chegou a secretário geral do PS. Não é fácil a um político tão cínico como A. Costa que defendeu na oposição o fim das politicas da Troika e depois continua a mantê-las e a justifica-las no governo, mantendo a precariedade de milhares trabalhadores. Afirmando que o seu ADN politico é de esquerda. Qual esquerda??? Sem dúvida, da direita que está mais à esquerda no parlamento.

    Para rematar espero que os portugueses não lhe deem a maioria absoluta ou vão-se arrepender.

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