O SNS ao vivo e a cores e o regresso da Estátua

(Por Estátua de Sal, 14/11/2021)

Provavelmente os leitores mais atentos da Estátua de Sal já lhe teriam notado a ausência e o silêncio de alguns a dias, quase mesmo uma semana. Causas? Uma colecistite aguda – infeção na vesícula -, manifestou-se no último dia 7 através de dores e febres altas, o que originou o internamento no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, do qual a Estátua só saiu ontem pelas 16 horas.

Ora, superado o quadro clínico disfuncional e os padecimentos associados, resta-me analisar o comportamento dos vários atores que concorreram para tal superação e a resposta global do SNS.

Do ponto de vista dos tempos de resposta da urgência – e não sendo o meu caso considerado grave ou crítico -, os tempos nunca excederam os 40 minutos, exceção feita ao tempo de espera por uma TAC: 3h e 20m entre a prescrição e a realização. Mas, após a saída do relatório da TAC e de ser tomada a decorrente decisão de internamento, este veio a concretizar-se sem grandes delongas. O que prova que a insuficiência de equipamentos pode ser uma das causas limitadoras da resposta eficaz e em tempo do SNS, sobretudo em casos críticos onde a presteza da resposta terapêutica é fator decisivo.

Depois de passar uma semana inserido nas rotinas hospitalares, vários dias só a soro e chá, dependente dos profissionais de saúde para “manter o corpo vivo”, satisfazendo-lhe as quotidianas necessidades, só posso elogiar e agradecer o desempenho daqueles profissionais. Enfermeiros, enfermeiras e auxiliares são a coluna vertebral dos hospitais e a eles se deve a aplicação das terapias gizadas pelo setor médico e a monitorização constante do bem-estar dos doentes. Ora, encontrei pessoal a cumprir as suas tarefas com brio e dedicação, não se escudando por detrás do anonimato funcional, mas sim criando uma relação de empatia pessoal com o doente. Inexcedíveis, nesse campo. E, admitindo que este espírito não é monopólio deste hospital em particular mas que se acha relativamente bem representado em todo o SNS, talvez tenha sido essa a causa mais importante de o SNS não ter soçobrado nos tempos mais críticos da pandemia Covid-19.  

É por isso também que a valorização dos recursos humanos do SNS é mais que urgente: melhorar-lhes as condições de trabalho e de remuneração, como se depreende do anterior parágrafo, é um ato da mais elementar justiça.  E foi exigindo essa Justiça que a adesão à greve da Função Pública da última sexta-feira, dia 12/11/2021, teve enorme adesão entre o pessoal de enfermagem e auxiliares do Hospital Pedro Hispano.

Dormitava eu, pelas 9h da manhã do dia 12. A enfermeira de serviço tocou-me ao de leve no ombro. Acordei, olhei-a e ela foi dizendo:

– Olhe, estamos em greve. Só vamos cumprir os serviços mínimos. Onde costumam estar sete pessoas só vão estar três. A enfermeira de fisioterapia que costuma vir ajudá-lo a levantar, hoje não vem porque tal não faz parte dos serviços mínimos. Sim, eu sei que isto vai ser difícil e complicado para vocês, mas tem que ser.

De facto, por vezes “o que tem que ser” tem mesmo muita força. Mas era um “tem que ser”, que era também um pedido de desculpas: entre uma luta e uma causa justas e as suas consequências – que vão cair sobre quem não merece nem quereríamos prejudicar-, não se afigura fácil decidir. Fiz uma breve pausa e foi a minha vez de responder:

– Não me conheces, para além do que consta da ficha clínica: ideias, posicionamento ideológico, prática política. Esclareço-te então, e em síntese: sempre fui um homem “de esquerda”. Logo, sempre fui e serei solidário com as lutas dos trabalhadores em greve, e neste caso também o sou com a tua luta, e estou disposto a sofrer na pele o desconforto que tal me irá causar e do qual me vieste avisar. Agradeço-te por o teres feito porque assim já não vai custar tanto, pois é em nome de uma causa que reputo de justa. Ela nada respondeu, virou-se lesta num impulso brusco e desandou. Sobre a face direita rolara rebelde uma furtiva lágrima.

Pelas dez da manhã, surgiu a visita dos médicos e mais uma consequência da greve:

– Se os indicadores dos últimos dias continuarem com a mesma tendência tem hoje alta. Mas, como há greve e não se estão a fazer análises clínicas não urgentes, não podemos aferir. Logo, só pode sair amanhã.

Foi um autêntico balde de água fria. Todos os doentes anseiam ficar bons para saírem dos hospitais. Estar já, quase de certeza, bom e ter que ficar mais um dia é uma espécie de tortura requintada. Mas lá me auto confortei: sempre, sempre ao lado do Povo, tudo em nome de uma boa causa…

Estátua de Sal, 14/11/2021


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

12 pensamentos sobre “O SNS ao vivo e a cores e o regresso da Estátua

  1. Aplaudo este texto do Estátua de Sal. É o relato da experiência vivida pelo autor como paciente num hospital do SNS e que, por isso mesmo, só nos pode oferecer rigorosa objectividade na avaliação dos cuidados que lhe foram prestados. E como se trata de um cidadão de comprovada honestidade intelectual e vincado espírito de cidadania, comprometido com as causas do bem público, os juízos que aqui expõe constituem um valioso contributo para que formemos uma opinião séria e correcta sobre o SNS e os seus servidores.

  2. Estive internado no Hospital do Barreiro/Montijo em Abril passado e a sua história, ressalvando o facto de nesse período não haver greves, é semelhante em todos os pormenores Saúde para a Estátua de Sal é o que lhe desejo.

  3. Um meu familiar idoso, muito próximo, ficou internado em finais de Fevereiro deste ano, no Hospital Fernando Fonseca (vulgo Amadora Sintra). Não foi no pico da pandemia mas foi no pico do cansaço, só pode ter sido isso, porque a experiência variou entre o cruel e o surreal. E entre a falta de meios e o cansaço de todos os profissionais, houve algumas pequenas consolações no esforço com que uns colmatam as falhas do sistema e o burn out dos colegas (e a crueldade de algumas pessoas que maltratam os velhos e indefesos, que também os há lá misturados com os profissionais). Mas ainda que não tenha sido uma boa experiência, felizmente tudo acabou bem e o meu familiar recuperou, tendo eu a certeza de que foi graças aos profissionais que cuidaram dele. Por isso, as melhoras à Estátua de Sal e vivas ao SNS.

Leave a Reply to Guida AlmeidaCancel reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.