Moedas não consegue derrotar aquele que quer demitir?

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 07/07/2021)

Daniel Oliveira

Seria de esperar que a oposição quisesse que Medina se recandidatasse. A exigência da não recandidatura de Medina, a três meses das eleições e no momento em que ele aparece mais fragilizado e poderia mais facilmente ser derrotado nas urnas, é uma confissão de fraqueza. Quem a faz, reconhece-se incompetente para ser protagonista da responsabilização política do presidente da Câmara.


O chamado “russiagate” continua nos jornais. E continuará. Não é por acaso, aliás, que ganhou novo fôlego no dia em que o presidente da Câmara de Lisboa apresentou a sua recandidatura. Quando alguns comentadores sublinham a existência de muitos escândalos neste momento, atribuindo-o à fragilidade do governo (o desgaste é evidente), estão a ser sonsos. Há muitos casos porque estamos em vésperas de eleições. É assim em todos os ciclos políticos. Neste caso, Fernando Medina é o principal alvo porque é o principal ativo do PS: é dele que depende uma vitória clara nas autárquicas. E porque, claro, se pôs a jeito.

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Seja qual for o ponto de vista, Fernando Medina tem uma responsabilidade política no que aconteceu. Havendo uma responsabilidade política, mas não direta ou criminal, só ela pode ser avaliada. Só o esclarecimento final dos pormenores podem dar a dimensão dessa responsabilidade. Confesso, no entanto, que fiquei um pouco espantado ao ver deputados da Assembleia da República a exigir a demissão do presidente da Câmara de Lisboa, a propor procedimentos à autarquia para averiguar a responsabilidade política do presidente, a ter o autarca numa comissão (que não é de inquérito) e a querem que o funcionário lá fosse, usurpando funções da Assembleia Municipal e dos vereadores da. Imaginem que os presidentes das câmaras de Faro, do Porto ou de Braga iam a Lisboa, ao Parlamento, e os deputados se atreviam a exigir demissões e a substituirem-se às funções de vereadores e deputados municipais. Lisboa não é menos autónoma do poder central do que qualquer outro concelho.

Compreende-se porque se transferiu a oposição a Fernando Medina dos Paços do Concelho para os Passos Perdidos. Porque quem tem esse papel em Lisboa não o consegue fazer. E porque a candidatura que juntou boa parte da direita não se tem conseguido afirmar. Com a certeza que os resultados no Porto serão uma derrota para todos os partidos (menos para o CDS, que se tornou “pendura” profissional), a vitória ou derrota nas autárquicas vai passar muito pelos resultados de Lisboa, para além do balanço nacional. E Carlos Moedas tem mostrado muito pouco talento para essa tarefa.

Se a ignorância de Medina face ao que se passava nos serviços se confirmar, a sua maior responsabilidade política é a desorganização e descoordenação. O problema de Carlos Moedas para ser eficaz na oposição é ter, por exemplo, duas campanhas no terreno – uma “positiva” e outra “negativa” – porque, segundo a sua candidatura, não conseguiram impedir o PSD local de fazer o que queria. Alguém que não consegue mandar na sua própria campanha conseguiria mandar numa estrutura das dimensões da Câmara Municipal de Lisboa? Teria dado por este procedimento? Teria agido? Moedas é mais firme que Medina? Acho que, intuitivamente, todos conhecemos as respostas a estas perguntas.

A comparação com a demissão Jorge Coelho por causa da queda da ponte Entre-os-Rios (onde, é bom recordar, morreram 59 pessoas) não faz grande sentido. Os ministros não são eleitos. Como tal, não é perante os eleitores que respondem. É perante primeiro-ministro. E ele responde perante o parlamento. O Presidente da Câmara é eleito – é, seja qual for a maioria existente, o primeiro da lista mais votada. Em caso de crime, responde perante os tribunais. Em caso de responsabilidade política, só pode responder perante os que o elegeram. Isso não os torna inamovíveis. Mas torna as consequências das suas demissões diferentes das de um ministro.

Uma demissão a três meses das eleições não tem qualquer significado. Se estivéssemos a meio do mandato até se poderia exigir, perante um acontecimento grave, uma clarificação política. Agora não se está a exigir nada de concreto. A não ser, claro, que a demissão implicasse a sua não recandidatura. A perda de mandato e interdição de candidatura está estipulada na lei e só pode ser decidida por um tribunal. Isso não está, nem de perto, aqui em causa. Quem exige que Medina não se recandidate por causa deste caso apenas quer tirar aos eleitores o poder democrático de avaliar as suas responsabilidades políticas. E essas, ao contrário das criminais, só eles podem avaliar.

Perante este caso, seria de esperar que a oposição quisesse, pelo contrário, que Fernando Medina se recandidatasse. Se o caso tem a gravidade política que justifica o seu afastamento, ele vai a votos fragilizado, o que facilita a vida aos candidatos da oposição. Nada pode ser mais claro na responsabilização política do que uma derrota eleitoral. Porque não fazem esta análise? Porque a única candidatura que o poderia vencer – a que junta o PSD, o CDS e mais uns pequenos partidos – sabe que tem baixíssimas probabilidades de sucesso. A exigência da não recandidatura de Medina, a três meses das eleições e no momento em que ele aparece mais fragilizado e poderia mais facilmente ser derrotado nas urnas, é uma confissão de fraqueza. Quem a faz, reconhece-se incompetente para ser protagonista da responsabilização política do presidente da Câmara.

Este caso, conjugado com outras fragilidades do mandato de Fernando Medina que considero estruturalmente mais relevantes, seria mais do que suficiente para ele temer a sua reeleição. Por agora, não o teme. E o PSD sabe que ele tem razão para não o temer. Porque o próprio PSD não consegue apresentar uma candidatura que leve os eleitores a mudar o seu voto e com isso responsabilizar politicamente Medina por este ou outros falhanços. E tentam na secretaria o que julgam que falhará nas urnas.

Ou então, sabem que a demissão de Medina seria um absurdo e apenas querem manter o tema na agenda para o desgastar. É legitimo, mas já tem pouco a ver com os valores que estão em debate neste caso. Se tivesse, a exigência de demissão teria de incluir António Costa, que também foi presidente da Câmara de Lisboa quando estes procedimentos aconteciam. Só que as próximas eleições não são legislativas, são autárquicas.


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2 pensamentos sobre “Moedas não consegue derrotar aquele que quer demitir?

  1. penso que Medina tem condições e clima para . O seu pecado, penso como votante e residente, tem falhado da gestão urbana e na habitação que quanto a mim são pontos fundamentais

  2. A vantagem de Medina é que tudo o que ele fez de péssimo Moedas provavelmente faria muito pior.

    Aliás que aconteceu no caso do russiagate não tem nada a ver com política – o Medina nem deve ter sabido de nada antes – isto passou-se a nível das chefias burocráticas intermédias e é antes de mais exemplificativo da mentalidade de capacho do povo português.

    Uma embaixada evoca na imaginação do povo tuga um palacete, muita gente importante, muitas gravatas e um senhor doutor que é embaixador.

    Logo o tuga típico põe-se logo de rabo para o ar, abanando-o violentamente para atrair a atenção do senhor doutor que é embaixador.

    Chefes de serviço que subiram a lamber botas e sabe-se lá que mais são activados pelo conceito pavloviano de lamber o que lhes apareça à frente e enviaram logo as informações todas assim como teriam enviado as cuecas das próprias mulheres para o senhor doutor que é embaixador cheirar.

    A maior parte deles, seja qual for o partido, teria feito o mesmo. É uma questão de instinto de capacho.

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