Portugal, um Estado policial desarmado

(Luís Alves Fraga, in Facebook, 04/05/2021)

Há quem defina a ditadura portuguesa (entre 1926 e 1974, ainda que com características marcadamente fascistas só de 1933 em diante) como tendo sido um estado policial. Confesso, não tenho elementos ‒ nem vou agora fazer pesquisa ‒ sobre os efectivos das forças de segurança interna existentes, pelo menos, nos últimos anos desse período negro da nossa História. Contudo, quase posso garantir, eram inferiores aos actuais.

Olhando para trás, no tempo, sei que se dizia que as Forças Armadas eram o pilar de apoio do fascismo nacional. Isso não corresponde à verdade efectiva dos factos!

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Realmente, o que acontecia é que se fazia crer que as Forças Armadas estariam prontas a exercer repressão contra qualquer tentativa de derrube da ditadura. Ora, as Forças Armadas vão do general ao soldado e não tivemos, para além da tentativa de derrube da ditadura em Fevereiro de 1927, nenhuma situação capaz de demonstrar a veracidade do que constava. Antes pelo contrário, pois as Forças Armadas, ou parte delas, conspiraram várias vezes para derrubar o regime (recorde-se o golpe da Madeira e Guiné, em 1931, a revolta dos marinheiros, em 1936, o golpe da Sé, em 1959, o assalto ao quartel de infantaria de Beja, 1961, para além de outras conspirações abortadas). As Forças Armadas não eram uma força de segurança da ditadura e provaram-no bem em 1974. Mas as polícias ‒ as diferentes forças policiais, nas quais incluo a GNR ‒ essas sim, garantiam o medo da revolta contra o fascismo. Esse medo ia desde o receio da acção da Guarda Fiscal, da PSP, da PIDE/DGS até à simples Brigada de Trânsito (um coio de corruptos).

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, as Forças Armadas, se tinham alguma mácula no seu passado ‒ e não tinham! ‒ redimiram-se para sempre, pois foi pela sua mão que tivemos a liberdade e a democracia. Foi uma revolução sem tiros, nem mortos feitos pelas tropa. Foi uma coisa linda! O mundo inteiro aplaudiu.

Estas Forças Armadas, as de Portugal, deviam ser acarinhadas, pelo exemplo que deram, pois, ao contrário de serem politicamente conservadoras, foram progressistas (em certos momentos, até em excesso, convenhamos).

Estas Forças Armadas deviam ser acarinhadas pela classe política, que ascendeu à possibilidade de governar o país segundo os ideários e programas de cada partido… Mas não foram!

Tudo se conjugou, entre os partidos que governaram Portugal ‒ do PS ao CDS, passando pelo PSD ‒, para quebrar qualquer força que as Forças Armadas tivessem, tal como se fossem inimigas do novo regime, tal como se fossem uma inutilidade pública, tal como se sobre o país não pudessem impender riscos externos, tal como se não tivéssemos interesses nacionais a defender. Foram-se dando golpes sobre golpes nas Forças Armadas, quer reduzindo-lhes os orçamentos, quer acabando com o serviço militar obrigatório, quer deixando que a obsolescência do material as colocasse num patamar quase ridículo no concerto militar das nações do mundo, quer dificultando a aquisição de sistemas de armas modernos, quer diminuindo os vencimentos dos militares até um ponto que os coloca muito distantes do lugar social e económico que deveria ser o seu em função do que fazem e do que estão dispostos a fazer pela Pátria.

A classe política governante despreza e tem medo das Forças Armadas do país. Todavia, não tem medo, nem despreza as forças de segurança!

Sim, sim, foi isso que escrevi. Não tem medo das forças de segurança nem as despreza, pelo contrário, fez de Portugal um Estado policial.

Duvidam? Então acompanhem-me na análise dos números.

Em Dezembro de 2020, Portugal tinha nas Forças Armadas 26.220 militares (em 2011 eram 34.514), ou seja, para estabelecermos uma medida de comparação, 1.093 militares por cada 100 Km de fronteira marítima e terrestre do país (estou a contar Exército, Marinha e Força Aérea).

No mesmo mês do ano passado, só de GNR havia 21.687 militares e de PSP 19.966 agentes, mais 1.604 da Polícia Municipal. Ao todo são 43.257 (quarenta e três mil duzentos e cinquenta e sete)! Quer dizer, há cerca de meio agente da segurança interna por cada cem portugueses ou um agente da autoridade sob o comando do ministro da Administração Interna por cada 200 portugueses!

Se isto não é um Estado policial, não sei que diga sobre o que é ser um Estado policial.

Olhado assim, na crueza dos números, os diversos governos de Portugal mostram que têm medo das Forças Armadas e, mais ainda, da população em geral. E esta afirmação confirma-se, também por números, através do que se paga, em média, aos elementos das forças de segurança interna e aos militares. Vejamos.

Um soldado ou cabo da GNR ganha por mês 1.677 euros, um agente da PSP ganha 1.897 e uma praça das Forças Armadas 1.170 euros (estou a falar de valores médios).

Será preciso mais para se perceber a política dos nossos governantes? Eles preferem “desarmar” Portugal perante a ameaça externa e “armar” a segurança interna. E, como é vulgar dizer-se, das duas uma: ou querem estar seguros com as policias ou todos nós somos uma cambada de marginais, no entender da classe política dominante.

De qualquer forma, isto é uma tristeza e, julgo, o país devia ser informado sobre estes números para se poderem tirar conclusões quanto à política de defesa nacional prosseguida de há muitos anos até hoje.

Eu já fiz a minha parte… Agora, outros que façam a deles.


9 pensamentos sobre “Portugal, um Estado policial desarmado

  1. O post levanta várias questões que merecem ser comentadas. Comecemos pelo apoio, ou não, dado pelo Exército ou, se quizerem, pelas Forças Armadas, ao chamado Estado Novo.Salazar uma vez disse que aquilo que realmente gostaria de ser era Primeiro-Ministro de um monarca absoluto. Aponta-se, e bem, que o papel foi desempenhado pelas Forças Armadas, cujo poder tutelar garantia a estabilidade do regime. Oscar Carmona, (Exército), Francisco Craveiro Lopes, (Força Aerea) e Américo Tomás (Marinha), dividiram entre si, de 1926 a 1974, o cargo de Presidente da Républica Portuguesa. Sinal mais forte de apoio estável à “situação” não é possível. É verdade que durante o regime houve algumas tentativas patéticas de rebelião que nunca ameaçaram sériamente Salazar e que foram rápidamente dominadas.

    A invasão de Goa constitui, isso sim, o primeiro verdadeiro golpe no regime, quando o Brigadeiro Vassalo e Silva recusou cumprir a ordem de Salazar para cometer um suıcídio colectivo, dele e dos 2.000 homens sob o seu comando, ao resistir a uma força 10 vezes superior apoiada pela aviação e blindados. Mais tarde ele seria julgado e condenado ao opróbio por um Tribunal Militar.Havia que encontrar um bode expiatório para a debacle, só que aviltando Vassalo e Silva o fizeram também indirectamente ao Exército, coisa que pesou nas consciencias dos Capitães, os unicos a conhecer a realidade das frentes de combate, sobretudo na Guiné e Moçambique, onde a capacidade de resistencia a um inimigo cada vez melhor organizado e armado estava perto do fim.

    Falemos agora de soldados, policias e politicos : Acredita verdadeiramente o autor que o Português comum, se lhe for dado a escolher entre a compra de um par de fragatas para Marinha, ou de aviões para a Força Aerea, ou ter mais policias que garantam que não lhe roubam a carteira ou lhe assaltam o galinheiro, não escolheria a segunda opção?
    Imaginemos por um segundo que, por milagre, ao volante da Nação está um politico que condoído com o estado calamitoso das Forças Armadas, (E actualmente é necessário um grande esforço de imaginação para acreditar que elas simplesmente existem), decide no orçamento de Estado aumentar a percentagem do PIB que lhes é destinado, e o que lhe aconteceria se a criminalidade disparasse e a população em pânico se trancasse em casa com medo de saír à rua? Vai falar-lhes no ultra moderno sistema de misseis instalado nas novas fragatas?

    • Caro soixante.

      A esquerda está-se bem a cagar para o povo.

      Se houvesse um surto de criminalidade e o povo tivesse medo de andar na rua, a esquerda fazia o que sempre faz nesses casos – chamava fascista ao povo.

    • Caro orlando.

      Essas estatísticas não levam em consideração uma série de factores.

      -Grande parte dos nossos policias estão retidos em tarefas puramente administrativas.

      -Em certos países, como o UK existe o recurso em massa a câmaras de vigilância dos lugares públicos, o que permite enorme poupança de efectivos.

      -Em outros existe utilização das empresas de segurança privada como auxiliares da policia, às vezes até com funcionários armados – como na nossa vizinha Espanha. Por cá esses funcionários privados não têm qualquer autoridade nem armamento.

      • Caro pedro o seu argumento não cola. A relação entre população e as forças de segurança pública é o que é. Se tem tarefas administrativas penso que é comun a todas as forças de segutança, Empresas privadas de segurança não entram neste cenário e cá no burgo tem um número considerado de elementos.

        • Bem, se escolhe ignorar todas as outras variáveis de um problema complexo, é uma opção, mas duvido que alguma chegue a perceber o que realmenre se passa.

          Quanto a empresas de segurança eu não disse k exitem poucas por cá, disse que os seus profissionais são completamente desautorizados e não consegue preencher cabalmente as suas funções auxiliares da policia. O k não é o caso de ougros paises.

          Também mencionei a video vigilância em massa de locais publicos que existe noutros países e o uso de empresas externas que tratam da parte admnistrativa, o que não acontece em Lortugal. Mas pronto.

  2. Luís Fraga:
    Qual é a ameaça (militar) externa a Portugal que lhe permite fazer a afirmação como a de “eles preferem desarmar Portugal perante a ameaça externa”.
    Claro que após o 25 de Abril de 1974, e encerrado o conflito colonial, os estrategas militares se dispuseram a elaborar o chamado “conceito estratégico de defesa nacional” que nos tenta fazer crer que a independência nacional, o primado do interesse nacional, a defesa dos princípios da democracia portuguesa, bem como os objectivos da política de segurança e defesa nacional se fazem no que designaram de “fronteiras externas longínquas” (Afeganistão, República Centro-Africana, Mali, Somália, etc.), no âmbito da qual se prevê que só em 2021, o Estado português vai enviar mais de 1.700 militares para missões militares no estrangeiro.
    Claro que este conceito estratégico de defesa nacional foi o sofisma encontrado para que as nossas Forças Armadas tenham hoje mais oficiais generais (dos que existiam nas três frentes da guerra colonial) e da continuação da aquisição de meios militares (navios, aeronaves e veículos) e do acréscimo de privilégios (remunerações e outras regalias) que advêm de tais missões.
    Nota: Se hoje, a Espanha quisesse anexar Portugal e pôr em causa a nossa independência, a exemplo do grande projecto de Franco para invadir Portugal delineado em plena II Guerra Mundial (1940) – documento descoberto pelo historiador espanhol Manuel Ros Agudo – quanto tempo demoraria o nosso exército a responder à invasão espanhola. Tenho quase a certeza de que seria bem menos do que aquele que o Alto Estado-Maior espanhol então calculou (72 horas para tomar Lisboa) a pedido de Franco.

  3. As funções das forças armadas são essencialmente a defesa externa.

    Num tempo em que a nossa segurança externa não está ameaçada e sendo nós um país pobre, é natural que se dê prioridade aos serviços públicos mais urgentes.

    As funções da policia requerem um funcionamento em pleno em todas as circunstâncias.

    Ao contrário das forças armadas, que são normalmente aumentadas em caso de ameaça externa grave.

    E atendendo à nossa baixa criminalidade parece que o investimento na policia resulta.

    Quanto à treta da esquerda de falar como se a policia fosse um problema e único responsável pelos problemas de violência, apresentando os criminosos como heróis, é simplesmente um nojo.

    Sendo um nojo a dobrar, quando sabemos que todos os regimes comunistas são estados policiais.

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