Carta aberta às televisões generalistas nacionais

´(Vários signatários, in Público, 23/02/2021)

Como cidadãos, exigimos uma informação que respeite princípios éticos, sobriedade e contenção. E, sobretudo, que respeite a democracia.


Sabemos que há uma pandemia – e que o SARS-CoV-2, em vez de se deixar ficar a dizimar pessoas no chamado Terceiro Mundo, resolveu ser mais igualitário e fazer pesadas baixas em países menos habituados a essas crises sanitárias.

Sabemos que não há poções mágicas – as vacinas não se fazem à velocidade desejada e as farmacêuticas são poderosas entidades mercantis.

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Sabemos que, mesmo cumprindo os cuidados tantas vezes repetidos – distância física, máscara a tapar boca e nariz, lavagem insistente das mãos, confinamento máximo –, qualquer um de nós, ou um dos nossos familiares e amigos, pode ser vítima da doença e que isso causa medo a todos, incluindo a jornalistas, fazedores de opinião e responsáveis de órgãos de informação.

Sabemos também que os média estão em crise, que sofrem a ameaça das redes sociais, a competição por audiências, as redações desfalcadas, os ritmos de trabalho acelerados impostos aos que nelas restam, a precariedade laboral de muitos jornalistas.

Mas mesmo sabendo tudo isto, assinalamos a excessiva duração dos telejornais, contraproducente em termos informativos. Não aceitamos o tom agressivo, quase inquisitorial, usado em algumas entrevistas, condicionando o pensamento e a respostas dos entrevistados. Não aceitamos a obsessão opinativa, destinada a condicionar a receção da notícia, em detrimento de uma saudável preocupação pedagógica de informar. E não podemos admitir o estilo acusatório com que vários jornalistas se insurgem contra governantes, cientistas e até o infatigável pessoal de saúde por, alegadamente, não terem sabido prever o imprevisível – doenças desconhecidas, mutações virais – nem antever medidas definitivas, soluções que nos permitissem, a nós, felizes desconhecedores das agruras do método científico, sair à rua sem máscara e sem medo, perspetivar o futuro.

Mesmo sabendo a importância da informação sobre a pandemia, não podemos aceitar o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS, as pseudonotícias (que só contribuem para lançar o pânico) sobre o “caos” nos hospitais, a “catástrofe”, a “rutura” sempre anunciada, com a hipotética “escolha entre quem vive e quem morre”, a sistemática invasão dos espaços hospitalares, incluindo enfermarias, a falta de respeito pela privacidade dos doentes, a ladainha dos números de infetados e mortos que acaba por os banalizar, o tempo de antena dado a falsos especialistas, as entrevistas feitas a pessoas que nada sabem do assunto, as imagens, repetidas até à náusea, de agulhas a serem espetadas em braços, ventiladores, filas de ambulâncias, médicos, enfermeiros e auxiliares em corredores e salas de hospitais. Para não falar das mesmas imagens repetidas constantemente ao longo dos telejornais do mesmo dia ou até de vários dias, ou da omnipresença de representantes das mesmas corporações profissionais, mais interessados em promoção pessoal do que em pedagogia da pandemia.

Enfim, sabemos que há uma pandemia causada pelo SARS-CoV-2, mas também sabemos que há uma diferença entre informação, especulação e espetáculo. E entre bom e mau jornalismo.

Consideramos inaceitável a agenda política dos diversos canais televisivos generalistas, sobretudo no Serviço Público de Televisão.

Como cidadãs e cidadãos, exigimos uma informação que respeite princípios éticos, sobriedade e contenção. E, sobretudo, que respeite a democracia.


Subscritores

Abílio Hernandez, Professor universitário; Alberto Melo, Dirigente associativo; Alfredo Caldeira, Jurista; Alice Vieira, Escritora; Ana Benavente, Professora universitária; Ana Maria Pereirinha, Tradutora; António Rodrigues, Médico; António Teodoro, Professor universitário; Avelino Rodrigues, Jornalista; Bárbara Bulhosa, Editora; Diana Andringa, Jornalista; Eduardo Paz Ferreira, Professor universitário; Elísio Estanque, Professor universitário; Fernando Mora Ramos, Encenador; Graça Aníbal, Professora; Graça Castanheira, Realizadora; Helder Mateus da Costa, Encenador; Helena Cabeçadas, Antropóloga; Helena Pato, Professora; Isabel do Carmo, Médica; J.-M. Nobre-Correia, Professor universitário; Jorge Silva Melo, Encenador; José Rebelo, Professor universitário; José Reis, Professor universitário; José Vítor Malheiros, Consultor de Comunicação de Ciência; Luís Farinha, Investigador; Luís Januário, Médico; Manuel Carvalho da Silva, Sociólogo; Manuela Vieira da Silva, Médica; Maria do Rosário Gama, Professora; Maria Emília Brederode Santos, Pedagoga; Maria Manuel Viana, Escritora; Maria Teresa Horta, Escritora; Mário de Carvalho, Escritor; Paula Coutinho, Médica intensivista; Pedro Campiche, Artista multidisciplinar; Rita Rato, Directora do Museu do Aljube; Rui Bebiano, Professor universitário; Rui Pato, Médico; São José Lapa, Actriz; Tiago Rodrigues, Encenador; Vasco Lourenço, Capitão de Abril

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

21 pensamentos sobre “Carta aberta às televisões generalistas nacionais

  1. Nunca tantas “personalidades”, em momentos diversos e por formas/cartas/posts/comunicados diversas, defenderam o caminho do Grande Líder que permitirá a todos ver as vantagens do pensamento único….

  2. Nota. Tanta parvoíce, porra, olhando para a generalidade de quem o assina é esta uma infeliz maneira de se chegar a velho…

    #pestegrisalha, depois queixem-se.

  3. Obrigada.
    As imagens apresentadas na abertura do noticiário de 15 de Janeiro na RTP, com comentários sobre a fome que há em Portugal, deveriam de ser analisadas e esclarecidas quanto à sua veracidade na relação com o tema.
    Assim como haver entrevistadoras que tratam membros do governo, que foram eleitos, como se fossem seus colegas que provalvelmente nem sequer fizeram qualquer prova pública, para estar nos lugares que ocupam.

  4. O texto é relevante e realça a nossa preocupação de telespectador, perante os exageros quotidianos ,onde inclusive,nem a nossa língua é respeitada

  5. E vocês são peste quê? Quem é a peste grisalha? Gente que já não pode ouvir mais comunicação televisiva que a falta de melhor está estruturada no como é que havemos de demolir qualquer directiva, avaliação e informação vinda das autoridades se saúde, essa entidade rendida ao Governo mais fraco e sem rumo que jamais existiu. Tenham vergonha!

    • Nota. MJP: se eu me lembro bem, a peste grisalha foi uma das polémicas expressões usadas durante o governo PSD/CDS para se referirem ao cada vez maior peso dos pensionistas abonados (nomeadamente os funcionários públicos) face ao aumento da esperança média de vida e a sua consequência perante osvdepauperados cofres do Estado em Portugal. Não quero entrar nessa discussão, que atirada assim de chofre era insultuosa, mas se eu fosse o JMT e estivesse num dia inspirado intitularia uma próxima crónica no jornal P.:

      “Era bom que trocássemos umas ideias sobre o que faz hoje, e aquilo que não deixa fazer, a anteriormente designada peste grisalha portuguesa (ensaio político sobre os tempos sombrios da Covid-19)”

      […]

      • Adenda. Confirmei agora na net: a expressão terá sido usada por um deputado do PSD num artigo de opinião* intitulado não sei o quê cabelos brancos, o inspirado autor terá sido um Carlos Peixoto de seu nome, e seguidamente deturpada e avacalhada na AR pelo manhoso António Costa numa resposta posterior dirigida à bancada social-democrata. Lindo! Está em linha com o que eu escreveria hoje se fosse o JMT, de resto, ao contrário dele eu pecador me confessaria iludido durante algum tempo pelo PM socialista das manhas e tangas.

        Asterisco. Um crime contra a democracia, claro!

        • Então, ó d’A Estátua, já leste? O JMT diz que o dito abaixo-assassinado do major tem parágrafos dignos de uma esferográfica Salazarista, pelo que, não sendo os seus subscritores afectos ao Estado Novo, a coisa é ou foi, pelo menos, lavrada por alguns dos falangistas do… Estado Velho!!!

          :-), que caraças.

      • O JMT, hoje, dedica uns parágrafos à pandilha que acompanha o major Vasco Lourenço na campanha “Contra o contra à democracia, marchar marchar”. Talvez a dita ande por lá, ó d’A Estátua…

        🙂

        #pestegrisalha, depois queixem-se.

        publico.pt

  6. Parabéns aos subscritores pela análise clara e verdadeira, do que se passa nas televisões, em que jornaleiros se armão em engraçadinhos, só baralhando o desprotegido POVO. Identifico-me com todo o texto e vingo-me desta escumalha, tirando-lhes o som. Utilizo outro truque, inicio a visualização das notícias, 30 ou 45 minutos depois, e passo à frente quando vêm com as repetições ou com os “treinadores de bancada” , que falam do que não percebem, só baralham a cabeça das pessoas. Que saudades de JORNALISTAS.

  7. Completamente de acordo… Com este artigo. É demais o que se está a passar com os noticiários. Me choca muinto ver espetar tantas agulhas sempre que falam de vacinas.
    L. B.

  8. Concordo plenamente com o texto. As Tvs, pública incluída, são uma vergonha – quase que faz da CM TV um canal sério – . O próximo ataque vai ser sobre o desconfinamento: vão enfatizar que está tudo muitíssimo melhor, entrevistam 3 ou quatro personagens a quem chamarão “especialistas” ( outra “profissão” inventada pelas TVs…),mais 3 ou quatro entrevistas de populares a protestar – isto transmitido e repetido a e normalmente sem contraditório e o caldo está preparado . A seguir virá a transmissão de uma qualquer manifestação com meia dúzia de gatos pingados…
    Será por este tipo de inovação que lhe chamam “industria da comunicação” ?

  9. Pelo que se vê da maioria dos comentários quase todos concordam com a NOVA CENSURA.
    Como os subscritores da carta aberta se identificam maioritariamente com a esquerda, em especial com o PS – a quem prestam vassalagem – a conclusão possível é de que esta esquerda (e não a esquerda clássica, que é defensora das liberdades) é defensora do PENSAMENTO ÚNICO.
    Obviamente que temos muitos jornaleiros, dum lado e do outro da barricada, mas isso faz parte da liberdade de imprensa que todos precisamos.
    A alternativa é a definição do que é a verdade e isso levou sempre, ao longo da história, ao pensamento único, à verdade da censura.

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