Eu fui contra esta campanha

(Joana Gomes Cardoso*, in Facebook, 25/01/2021)

(A Estátua não fez campanha por nenhum candidato de esquerda, apesar de ser à esquerda o sentido do seu voto. Mas agora, eleições passadas, não posso deixar de publicar este brilhante texto, cuja autora é filha de Ana Gomes. É que não é uma declaração de amor filial mas uma excelente análise política do que se jogou nas eleições e dos desafios, que o cenário que delas resulta, irá colocar nos tempos próximos a todos os democratas deste país, nomeadamente às forças políticas de esquerda.

Estátua de Sal, 25/01/2021)


Eu fui contra esta campanha. Por razões pessoais mas também pela evidente falta de meios e de apoio político, e por adivinhar que a esquerda não teria a maturidade nem a sageza para se unir, apesar dos riscos evidentes.

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Depois do que aconteceu ontem vejo como estava enganada. A candidatura de Ana Gomes foi fundamental para este país poder manter a cabeça erguida. Os resultados, como a própria disse, foram uma desilusão, mas podia ter sido bem pior se o seu sentido de missão e de serviço público não tivesse prevalecido.

Ana Gomes cometeu erros. O primeiro deles foi não se reger pelas lógicas e cálculos eleitorais vigentes e dizer o que pensa, mesmo quando sabia que isso a faria perder votos. Mas essa é também a sua força. A vantagem de não precisar de um cargo e de ser uma pessoa livre é poder fazê-lo. Porque não eram as eleições que lhe interessavam, obviamente sabia que perderia, eram os valores e a postura que defendeu, para que tenham um legado e um futuro, que extravasa muito estas eleições. (Pena que tantos à esquerda não o tenham percebido).

E a única questão que importa agora é essa: o amanhã. O país que vamos ter amanhã. Da minha parte, muito descobri e aprendi nestas eleições. Já lá vamos. O mais importante é que há muito por fazer, muitas pessoas que deixaram de acreditar no Estado, nos eleitos, e que precisam de ser agarradas. Mas como e quem?

Quando precisávamos de um PS forte e inequívoco na defesa dos valores que importam, assistimos a um partido decadente e sem princípios. Carlos Cesar personifica-o lindamente, não podiam ter escolhido melhor, mas também todos aqueles que por cálculos políticos não votaram em consciência. Com muita pena e preocupação, não acredito que este PS seja capaz de agarrar o país com a urgência que é necessária, está demasiado comprometido e complacente. As legislativas o dirão muito brevemente.

E o PSD? Numa altura em que o país precisa desesperadamente de adultos honestos na sala, o Rui Rio presta-se a um papel que envergonha todos aqueles que no PSD se bateram e batem por um país democratico e pelos valores da social-democracia. Onde estão essas pessoas? Apareçam por favor, que por este andar não é só ele próprio que Rio vai afundar.

E depois temos a imprensa (o PC e o BE, e os seus eleitores, não me suscitam qualquer reação, confesso – não carecia, é só). Como ex-jornalista não alinho em diabolizações gratuitas. Há muito bom jornalista por aí, sem os quais não saberíamos da missa à metade. Mas há directores de informação, e de entretenimento, com responsabilidade no que vemos – e sobretudo no que não vemos.

As escolhas dos comentadores de ontem foram elucidativas quanto à falta de representação, a todos os níveis: não há mulheres, não há minorias, uma pobreza. E depois ainda há os supostos comentadores liberais ou de esquerda, como Pedro Marques Lopes e Pedro Adão e Silva, que com pena minha mostraram que não são livres, têm agendas e cálculos, muito evidentes, como tantos outros.

De todos, o pior insulto que fizeram a Ana Gomes nestas eleições foi chamar-lhe populista. Ousar chamar a uma pessoa que não fez outra coisa na vida que dedicar-se a serviço público e lutar por causas perdidas, (sem tachos em troca), e compará-la a um arrivista sem princípios que nada fez pelo país até hoje, é a maior desonestidade intelectual a que assisti.

Já não falo do 25 de Abril. Lembrem-se quem estava lá quando Timor era uma causa esquecida de Portugal, quem denunciou os vôos da CIA, quem expôs a corrupção angolana patrocinada por Portugal, quem denunciou Sócrates apesar de ser o líder do seu partido, quem denunciou a morte da Gisberta no Parlamento Europeu, quem levou para Bruxelas a democracia da Etiópia e a morte da jornalista Daphne Caruana de Malta. Nem de propósito, uso as palavras que Ana Gomes usou quando o PS esticou a passadeira vermelha para o Primeiro Ministro de Malta (já então suspeito de encobrir o assassinato): shame on you, shame on you.

E sim, sou filha desta pessoa. O que habitualmente me leva a ter muito pudor e não dizer nada. Porque já levo bastante por tabela e porque não a represento, nem ela a mim. Mas hoje digo, a alto e bom som: tenho o maior orgulho do mundo na minha mãe. Uma pessoa que não deve nada a ninguém e que se dependesse de mim não se tinha metido nisto. Estaria alegremente a escrever o seu livro de memórias sobre Timor e a estragar os netos de mimos.

Mas a minha mãe, como o meu pai, e como uma geração inteira que infelizmente está desaparecer da vida activa, tem um sentido de patriotismo e de dever público muito específico, que em nada se parece com o acvitismo de sofá ou de televisão, nem a preocupação pela popularidade, que tanto vemos por aí.

A todos esses: divirtam-se. Deste lado a consciência está tranquila, dorme-se bem de noite. E a luta continuará. Com a voz e os trejeitos que não estão na moda. Teimosa, e inconveniente às vezes. Cometendo erros. Sem escolher o caminho fácil ou evidente. Mas sempre do lado certo e com uma coragem e dedicação que inspira, e há lá coisa melhor que isso…

Aliás, disseram-lhe para não ligar ao jovens, que não votam, e sabem qual foi a resposta? Então o que é que eu ando cá a fazer? 🙂

(P.S. não vou responder nem comentar, só quis escrever isto, porque na nossa família quem não sente não é filho de boa gente. a foto da Ana Gomes, diplomata bem comportada é do Eduardo Gageiro. apeteceu-me).


  • A autora é filha da candidata Ana Gomes.

7 pensamentos sobre “Eu fui contra esta campanha

  1. “Porque não eram as eleições que lhe interessavam, obviamente sabia que perderia, eram os valores e a postura que defendeu” – Exato, por isso é que não teve o meu voto e por isso é que perdeu com 12%, em vez de ter conseguido ir a uma segunda volta. Não gosto, e já debiam saber que o povo também não, de candidaturas “por valores”, ou candidatos a quem “não interessam as eleições”. Um candidato tem de ter um propósito vencedor, tem de entusiasmar os eleitores. Se não, para isso fica no poder aquele que já lá está, Joana.

  2. Talvez agora possa de uma vez deixar de prestar péssimos serviços ao partido sem a qual não seria nada e ir de uma vez por todas tomar conta dos netinhos. E já vai muito tarde.

  3. O meu problema com Ana Gomes é a sua postura diante da Justiça, e isso é muito relevante em alguém em quem se vota para Presidente: por um lado, fala de Sócrates como se tivesse sido condenado, com provas irrefutáveis; por outro, louva Rui Pinto que, com ou sem julgamento e condenação, objetivamente invadiu caixas de correio.
    Sou votante de sempre no PS e apoio este governo.

  4. A verdadeira
    REPRESENTATIVIDADE
    nas eleições presidencias
    Número de Portugueses com capacidade eleitoral : 10.791.743
    verdadeira
    Votantes Representatividade(%)
    Marcelo R. Sousa 2.533.839 (1/5) 23,4%
    Ana Gomes 541.345 5 %
    André Ventura 496.661 4,5%(-0,5%)
    ##############################################################################
    Enquanto de 5 em 5 minutos morria 1 português , uma minoria dos sobrevivos foi votar … Qual a representatividade dos eleitos com esta minoria votante ? Marcelo tem inteira legitimidade para ser reeleito .
    Quanto a André Ventura todas as ” cobras & lagartos ” já foram ditos …. E quanto a Ana Gomes , protectora de um presumido criminoso Rui PInto para ganhar uma suja publicidade ? Ana Gomes que foi discípula de Sócrates e até o defendeu na praça publíca e faz agora tardiamente campanha contra a corrupção e assim utilizou um discurso populista que toca as raias do irrealiismo !… Rui Pinto era um presumido sócio do Futebol C. do Porto . Invadiu apenas os emails do Benfica e do Sporting !… Presumido em crimes de extorsão . Assim , além daquela publicidade Ana Gomes ganhou a protecção do Reino do Futebol Clube do Porto que assim lhe deu uma ajuda para um escasso segundo lugar apenas a 4 dezenas de votos de André Ventura que assim evitou uma perigosa segunda volta Mercelo/Ana Gomes para grande desgosto da enlouquecida e perigosa extrema-esquerda que apenas tem destruido este desafortunado País …

    BEM NECESSITAMOS DOS MELHORES VOTOS PARA MARCELO REBELO

  5. «Ana Gomes cometeu erros. O primeiro deles foi não se reger pelas lógicas e cálculos eleitorais vigentes e dizer o que pensa, mesmo quando sabia que isso a faria perder votos.»

    Muito bom texto da Joana Gomes Cardoso, filha da Ana Gomes, que eu desconhecia. Subscrevo quase por inteiro, mas esta frase que citei tem muito que se lhe diga. Qual a lógica de uma candidatura, cujos apoiantes passaram meses a dizer que era do mesmo espaço da Marisa Matias, que se apresenta após o anúncio da Marisa?

    Vemos os gráficos da transferência de votos e percebemos logo: o PS estava com medo que o apoio à Marisa Matias e ao João Ferreira fosse muito grande.
    Agora que muito eleitor desses partidos se deixou levar pela tolice do voto “útil” na Ana Gomes, o seu 2º lugar nada serve a nãos er o interesse pessoal da Ana Gomes nas lutas internas do partido, e isso em nada, NADA, altera o resultado: 12% votaram no fascista/racista. Não votava nem mais 1% nem menos 1% com ou sem a candidatura da Ana Gomes. Aliás, arrisco-me a dizer que, sabendo-se a transferência de voto do CDS para o Chega, a conhecida má língua de Ana Gomes para com Portas, isso até galvanizou ainda mais a transferência de voto.

    Como 2º coelho morto com uma só cajadada, a narrativa do PS, e da própria entourage rosa da campanha da Ana Gomes já anda por aí a ser difundida: a Esquerda à esquerda do PS é que teve culpa. Coitados, votaram útil nela, deram maus resultados aos candidatos em quem queriam mesmo votar (Marisa e João), mas mesmo assim têm a culpa. E foi a Ana quem defendeu a Democracia, e mais ninguém. Pois só a Ana e o PS é que são, como ouvi no discurso do ex-suspeito de pedofilia, a “Esquerda Democrática”. A ênfase nesta classificação para quê? Não bastam os normalizadores da Extrema-Direita na TV e jornais e blogs passarem os dias todos a chamar “Extrema”-Esquerda aos partidos criadores da Democracia e defensores da Constituição?

    Depois, a falta de noção do costume de toda a gente alinhada com o Rosismo (aqueles que votam sempre na cor e não nas ideias, até porque seria impossível as mesmas pessoas votarem ao longo de 40 anos em ideias tão diferentes, desde um PS Socialista de Soares, ao PS Social-Democrata de Guterres, passando pelo PS Social-Liberal de Costa agora que se livrou dos acordos escritos da Geringonça). Esta gente acha-se tão dona dos votos da Geringonça, dos votos do BE e do PCP incluídos, que queriam poder votar todos no Marcelo, e exigir à Esquerda toda que desse os seus +20% (BE+Livre+PCP+PAN) à Ana Gomes, porque para os fanáticos partidários do Rosismo, agora já não basta elegerem um candidato, acham-se também no direito divino de escolher o 1º e o 2º.

    Há também as consequências práticas, que ainda ninguém falou, mas se vão fazer sentir: Ana Gomes, graças ao voto “útil” dos enganados, receberá a subvenção, mas a Marisa/BE e o João/PCP ficam a ver navios, pois ficaram abaixo dos 5%. Eu sei que o BE é o partido com as contas mais certas deste país, sei que o PCP é quem mais poupa e mais juntou ao longo dos anos (graças à maravilhosa Festa do Avante!), e sei que o PS é o partido mais endividado de todos. Mas, sinceramente, era mesmo preciso uma sacanagem tão calculista como esta só para tentar equilibrar as contas entre os diferentes partidos? Será que dentro do PS não há um Centeno que lhes cative na propaganda? Em vez de tentarem sabotar quem fez da Geringonça um projecto de sucesso (enquanto os acordos escritos mantiveram o açaime no PS)?

    Finalmente, o que é que a Ana Gomes disse que a fez perder votos? Foi quando se auto-proclamou a dona da Esquerda “democrática” dizendo indirectamente que a outra Esquerda não o é? Mas mesmo assim houve gente do PCP a ajudá-la. Foi quando criticou a Marisa por estar num partido que chumba o orçamento que sub-financia o SNS, não faz investimento público, e mantém lei laboral da troika? Mas mesmo assim houve gente do BE a ajudá-la. Foi quando piscou o olho à Direita, sempre mais encantada com o autoritarismo, falando de militares para aqui e polícias para acolá? Mas mesmo assim houve gente do Livre a ajudá-la. Foi quando não teve uma única palavra para falar seriamente sobre o ambiente? Mas mesmo assim o PAN ajudou-a. Foi quando atacou a desigualdade fiscal criada com a livre circulação de capital na UE e com os off-shore? Mas mesmo assim alguma direita mais decente do PSD, desiludida com colagem de Marcelo a PS e vice-versa, ajudou-a.

    Então o que foi que a fez perder votos? Mais uma vez as sondagens das transferências de votos ajudam a obter a resposta. O que ela disse, que a fez perder votos, foi o mesmo que em 2011 fez o BE perder votos: o carácter para atacar Sócrates e o PS Socratista. É que os votos da Ana Gomes são só 14%, e se isso inclui transferências do PSD decente, do PAN, do Livre, e ainda dos iludidos do voto “útil” que vieram do BE e PCP, então quase ninguém do PS votou nela. E quase todos no PS votaram em Marcelo (que, tal como já muitos explicaram, foi o que realmente abriu caminho a Ventura, com muito voto do PSD radical e do CDS facho a ficarem soltos. Obrigado António Costa, pensaram todos os estrategas do Chega). E isto diz tudo sobre o regime e sobre o PS.

    Que pessoas que se dizem “incómodas” para o sistema passem uma vida inteira a pular de tacho em tacho no PS, é que é de estranhar. Ou melhor, não estranha nada, só cheira mal. E é por isso que o PS do establishment votou Marcelo, só uma franja do PS votou na Ana, e a Esquerda com mais noção votou realmente ÚTIL nos candidatos em que queria mesmo votar: Marisa e João. Estes 4%+4% são os únicos, dentro do espectro democrático, que não se vão arrepender do voto que escolheram no dia 24 de Janeiro de 2021. E eu sou orgulhosamente um deles, e nem preciso especificar em qual, pois tiveram ambos muito mérito pelas ideias que defenderam.

    Já agora, e se a Ana tivesse chegado à 2ª volta? Bom, aí sim, eu votaria útil, porque na segunda volta não se vota em quem nos representa. Vota-se no menos mau, do ponto de vista de cada um. Mas para a Ana Gomes ter chegado à 2ª volta, era preciso uma coisa que eu, com exceção da ilusão vivida no período 2015-2017 (o período do açaime que os acordos escritos colocaram no PS), sei que nunca vai acontecer: o PS (Ana Gomes incluída) ganhar vergonha na cara e colocar os interesses do país antes dos seus cálculos partidários e eleitorais.

    Hoje podíamos estar a falar de umas eleições com um PS decente, em que um candidato decente, como Ana Moreira (só para dizer o primeiro nome que me vem á cabeça quando junto as palavras “decente” e “PS” na mesma frase), teria ido confortavelmente à 2ª volta, pois Marcelo sem apoio do PS teria menos de 50%, o BE não sentiria necessidade de gastar já o trunfo Marisa, e o Chega não teria captado nenhum eleitorado solto.

    Ou então estaríamos a falar de um resultado em que o PS fazia a asneira de se colar a Marcelo, mas Ana Gomes não se prestava ao espectáculo deprimente da corrida pelo 2ª lugar com Ventura, roubando votos à Esquerda e não ao PS do Rosismo temporariamente Marcelista. Nesse cenário, os votos do Livre, PAN, e PS decente, teriam ido, aí sim de forma útil, para a Marisa e/ou para o João, ou até para o Mayan, mostrando a força da Esquerda e a pequenez do facho em relação à Direita não facha. Em vez de passarmos meses a ouvir apoiantes da Ana dizerem que a candidatura da Marisa era inútil (até Daniel Oliveira caiu na asneira), teríamos passado meses a reforçar as candidaturas da Esquerda que se apresentaram ANTES da Ana Gomes ter acabado de processar a matemática do seu calculismo.

  6. Onde está “Ana Moreira”, devia obviamente estar Isabel Moreira. De tanto escrever Ana, o teclado deve ter-se enganado… 😉

  7. Ó Marques.

    – O PS não “mandou” os seus militantes votarem Marcelo, percebeu foi que eles iam votar nele de qualquer maneira e cavalgou a onda. Porque o Marcelo é popular por si mesmo e não há razão nenhuma para o PS ir contra um presidente que colabora com o governo.

    – Essa de dizeres que a extrema esquerda é que é pela democracia é bastante chocante. Então para ti os modelos de regime que incluem campos de concentração e execuções em massa é que são democratas.

    E depois não querem ser comparados com o Ventura. Vocês são é pior. Porque até agora o Ventura ainda não apoiou regimes ditatoriais como vocês apoiam. Ele até condenou o golpe de estado trumpista enquanto vocês festejam golpes de estado semelhantes.

    – E por falar nisso, estás a esquecer a subida do Ventura em bastiões comunistas no Alentejo. Aquilo não são só votos do PSD-CDS. É também outra coisa e são vocês que a estão a provocar.

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