A diretora do SEF não se demitiu, caiu. O ministro não se mantém, segura-se

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/12/2020)

Daniel Oliveira

271 dias depois da morte de Ihor Homenyuk, a diretora do SEF demitiu-se. Se não o fizesse teria de ser o ministro a fazê-lo. E ainda tem. O que se passa no SEF não é só um caso de polícia, é um caso de política. A revolta com o bárbaro assassinato de Ihor tem de servir para mudar a forma como o Estado lida com os que nos procuram para cá viver e trabalhar. Estes nove meses de espera, oito em silêncio e um em resistência passiva à assunção de responsabilidades, dizem-nos que Eduardo Cabrita não tem capacidade para liderar essa mudança. O seu receio em mexer um dedo que o ponha em perigo permitiu que se reforçasse um Estado arbitrário dentro do Estado. No SEF e não só. Que seja nomeado alguém capaz de exercer a tutela política das forças de segurança.


71 dias depois da morte de Ihor Homenyuk, Cristina Gatões demitiu-se.

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Se acreditasse que há ali uma réstia de decência, diria que a diretora do SEF se demitiu porque, desde que tomou posse, não deu relevância ao relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura e aos avisos da Provedora da Justiça sobre o estranho estatuto os centros de internamento temporário e as condições favoráveis (e as suspeitas) para que ali acontecessem todos os abusos. Nem as sucessivas notícias que davam Portugal como o único de 17 países que mantinha imigrantes detidos por mais de 48 horas. A diretora do SEF conhecia a casa e os problemas. Não fez nada.

Se acreditasse que alguém assumiu alguma coisa, diria que a diretora do SEF se demitiu porque, depois da sessão de tortura, que culminou na morte do ucraniano, ficou 17 dias sem fazer rigorosamente nada, talvez esperando que a poeira assentasse, o que parece ser a sua especialidade. O inquérito interno só foi aberto, ao contrário do que garantiu Eduardo Cabrita no Parlamento, depois da notícia da detenção pela PJ de três inspetores do SEF.

Se achasse que percebeu o que é indigno em tudo isto, diria que a diretora do SEF se demitiu porque percebeu que o seu silêncio, durante oito meses, sem achar que o país merecia um esclarecimento, foi um insulto à memória de Ihor Homenyuk, à sua família (que nunca contactou) e aos direitos humanos e valores constitucionais.

Mas como tudo isto já eram factos quando finalmente decidiu falar, há cerca de um mês, é evidente que não foi por nada disto que se demitiu. Demitiu-se porque a pressão pública foi muita. Se Cristina Gatões não se demitisse teria de ser o ministro a fazê-lo. E ainda tem. Quem segurou a diretora do SEF durante todo este tempo foi o ministro da Administração Interna. Quem não olhou para os relatórios para saber que alguma coisa tinha urgentemente de ser feita, ainda antes da tragédia, foi o ministro da Administração Interna. Quem permitiu este inaceitável silêncio durante oito meses foi o ministro da Administração Interna. A responsabilidade política, que não é coisa meramente simbólica, é de Eduardo Cabrita.

Como escrevi ontem, a demissão da diretora do SEF e do ministro não é imperativa por isto ter acontecido nos seus turnos. É imperativa por eles terem responsabilidades no que sucedeu, por omissão, e não terem tirado consequências da gravidade do que aconteceu, depois. E porque a sua permanência transmite uma mensagem aos serviços e à sociedade: que um atentado aos direitos humanos destas dimensões não tem consequências para os que, no topo da hierarquia, o têm de evitar. O que se passa no SEF não é só um caso de polícia, é um caso de política. E a demissão da diretora do SEF, com a permanência de Eduardo Cabrita, esconde o falhanço da política.

Ontem, anunciou-se uma dança de cadeiras. Se isto não for uma situação transitória, demonstra-se que esta demissão foi uma farsa, uma mera reação à pressão mediática. Para o lugar de Gatões vai o seu adjunto, que foi chefe de gabinete de Eduardo Cabrita. José Luís Barão não tem qualquer experiência em nada que se relacione com esta área e tem um currículo mais vasto no aparelho do PS e da JS. E o novo diretor adjunto é o homem que foi nomeado diretor de Fronteiras de Lisboa para substituir o diretor envolvido na ocultação do crime. Sangue novo, só se for o que vem da “jota”.

Depois, tentando que pareça que mexe o que esteve sempre parado, o Governo foi repescar ao baú o que tinha no programa de governo e prometeu uma reestruturação do SEF lá para o verão do ano que vem. A proposta é separar a parte burocrática da policial. Parece evidente – o processo de legalização de imigrantes não é assunto de polícia. Mas o momento e a forma como aparece apenas revelam a vontade que se deixe de falar do assunto e, acima de tudo, do ministro.

Só que ao ouvir ontem, na SIC, a viúva de Ihor, que teve de pagar do seu bolso a transladação do cadáver e é tomada pela revolta quando ouve a palavra “Portugal” – julgava que deste lado da Europa se respeitavam os direitos humanos -, sente-se uma vergonha sem fim. Pelo crime. Por nem um estuporado representante deste país lhe ter telefonado. Por o Presidente da República, que sobre tudo bota discurso e que todas as mortes lamenta, não dizer uma palavra. Por tudo, tudo, tudo. E torna-se intolerável ver este ministro que nada fez, que nada vai fazer, sentado no mesmo lugar.

O importante é que a revolta com o bárbaro assassinato de Ihor Homenyuk sirva para mudar a forma como o Estado lida com os que nos procuram para cá viver e trabalhar. O problema é que só muda quem tem autoridade para liderar a mudança. E estes agonizantes nove meses de espera, oito em silêncio e um em resistência passiva à assunção de quaisquer responsabilidades, dizem-nos que Eduardo Cabrita não tem capacidades e condições políticas para liderar a mudança que é precisa. Porque não lidera coisa alguma, é liderado pelos acontecimentos. Porque remenda, não resolve. Porque não age, reage. Porque a sua cultura política, a sua passividade e receio em mexer um dedo que o ponha em perigo, foi o que permitiu que se reforçasse um Estado arbitrário dentro do Estado. No SEF e não só. É urgente uma mudança no SEF. Que seja nomeado um ministro ou uma ministra capaz de exercer a tutela política das forças de segurança.


8 pensamentos sobre “A diretora do SEF não se demitiu, caiu. O ministro não se mantém, segura-se

  1. «17 dias sem fazer rigorosamente nada, talvez esperando que a poeira assentasse»
    Uma chatice, esta mania da imprensa em apresentar serviço, procurar saber, investigar, relatar.
    Sem esta tara dos OCS, a vida seria muito mais pacífica. Para nós leitores, para o Partido zelador da saúde do povo.
    O ucraniano teria sido objecto de Relatório em conformidade: suicídio!
    E os agentes, de carreira e promoções assegurados.
    Mrs SEF objecto de Comenda 10 de Junho, Cabrita no palco a a bater palmas.
    Com ministérios prenhos de assessores, alguns de imprensa, o Gab PM de tantas antenas quantos ministérios,
    Deus morreu no Aeroporto Lisboa Texas.

  2. È fácil aos comentadores que só comentam e nada fazem numa espúria posição oportunista de arranhar quem está numa posição de governo e só arranham quando as coisas acontecem. tal como treinadores de bancada que só falam de estratégia depois do jogo. Daniel Oliveira é um desses treinadores. Um bloquista assertivo naquilo que lhe convém e com direito a escriva de jornais logo suspeito em tudo aquilo que escreve sem censura previa. Gostava de o ver integrado num governo e tomar decisões escrutinadas em publico e por escrevinhadores e críticos da oposição reacionários que o poriam em situações análogas ao atual governo . Criticar é fácil, mas decidir o que se tem de fazer é que é difícil para agradar a gregos e a troianos de trazer por casa. Para o Daniel o ministro tem de ser ama seca de todo e qualquer cidadão. Era o que faltava. Para isso há estruturas hierárquicas com pessoal de base e as respetivas chefias. por aí acima até chegar ao topo ministerial. Todos têm de assumir as suas responsabilidades sem omitir o quer que seja. O que se passa é que nas chefias de base existe um relaxamento e tb não se passa nada por todo o lado. Eu como ex- FP num instituto deparei esse relaxamento mas também no privado detetei esse deixa andar desresponsabilizado. Responsabilizar um ministro porque alguém de base cometeu um crime de morte é de uma enorme irresponsabilidade. È fácil criticar quem não tem entre mãos qualquer responsabilidade de gerir alguma coisa porque quem está lá em cima é que leva a machadada. Só nos regimes totalitários fascistas ou de extrema esquerda quem governa nunca é responsável pelos crimes de assassínios dos seus adversários. O Daniel esquece que estamos em democracia e todos os cidadãos têm de assumir as suas responsabilidades e não atirar as para cima dos outros as culpas que provavelmente lhe cabem.

  3. Pelo menos o Ventura tem esta vantagem de ela primeira vez obrigar a esquerda a falar um bocado quando é um branco a levar.

    Estou esperançado de que seja desta vez que se vai ver a esquerda a organizar a primeira manif de sempre sobre um branco aviado pela policia.

    É mau para eles porque borra a pintura da teoria da conspiração dos pretos serem alvo de uma perseguição em especial – e se veja que estas coisas acontecem a qualquer um independentemente da cor da pele.

    Mas agora têm medo que o Ventura capitalize com estas contradições.

    Este caso já estaria na gaveta há muito tempo não fosse os apoiantes do Ventura estarem a gozar como uns perdidos a fazer comparações.

    Incluindo a gaveta mais funda do senhor Oliveira – com muitos papéis por cima.

    Como fizeram com o branco decapitado pela GNR que não lhes interessou nada porque não era preto.

    Um dia, quiçá, até se verá a esquerda a fazer uma das suas manifs por um branco vitima de um preto, assumindo finalmente que todos os homens valem o mesmo.

    Mas esse dia ainda está muito distante, o Ventura anda tem de subir muito primeiro e ameaçar entrar para o governo para a esquerda deixar de ser racista e de insultar o povo português só por ser maioritariamente branco.

    Nessa altura vou poder voltar a votar na esquerda.

    Embora talvez já seja tarde demais e o gajo vá mesmo para o governo.

  4. Aproveito este subito e inesperado interesse da esquerda pelas vitimas brancas, provocada pela subida do Ventura, perdão, pela sua elevada consciência moral para expor o meu caso.

    Eu sou branco e loiro, mas já fui várias vezes agredido pela policia.

    Uma vez levei com uma destas nos dentes.

    https://cfpaula.files.wordpress.com/2015/11/umarex_m12_07.jpg?w=700&h=466

    Rebentou-me os lábios e partiu-me vários dentes.

    Normalmente teria de me pintar de preto para isto interessar à esquerda.

    Mas será que neste vosso novo mood tão inclusivo já me vão dar palmadinhas nas costas, fazer abertura de telejornais, manifestações e cabeçalhos de jornais como fariam como se eu fosse preto ?

    Mas já não falo de vitimas de gangs negros, que isso é demais para vocês admitirem que existe, mas isto foram policias brancos como vocês gostam tanto de falar.

    A vitima é que não está nos vossos conformes, porque sou branco e vocês não gostam disso.

    Mas não se esqueçam, o Ventura está a subir e até já falam num imigrante ucraniano. Mais um bocado e conseguem falar num cidadão português.

    Coragem.

    É difícil sair do racismo mas vocês conseguem.

  5. Nota. Ó d’A Estátua, então, o gagá do Eduardo Cabrita já foi demitido? Antes da pandemia tínhamos o Expresso ao Sábado para informarem e explicarem as razões da demissão… tu queres ver que o Marques Mendes no Domingo vai anunciar uma outra remodelação no governo de m. do António Costa e, uns quinze minutos antes, um alvará do PR anunciará que lhes dará posse na Segunda pela fresquinha? Cai o Eduardo Cabrita, promove a bombeira com o Duarte Cordeiro a secretário ou vice-versa, o gajo da secreta continua, manda a Marta Temido para umas férias na neve e mais quem? O que achas, pá, não te deixes iludir pelas tangas do camareiro de verdad Valupiano ali ao lado que, disto, ele percebe nada.

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