Babuínos como nós

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 08/08/2020)

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O grande filósofo grego Epitecto, escravizado e agredido pelo seu proprietário romano, secretário de Nero, lembra-nos como na humanidade o desprezo e o domínio dos outros não precisou do racismo para existir. Ao longo da história, diferentes e muitas vezes convergentes são as formas de xenofobia, de opressão e exclusão do Outro. Apenas a superioridade na componente militar de cada cultura é o fator decisivo que separa vencedores e vencidos. No dealbar do século XVI, os astecas tinham água canalizada na sua capital, mas Cortés tinha armas de fogo. A lança mais comprida é também inseparável da moderna hegemonia planetária do Ocidente.

Mas isso não é racismo. Para perceber a diferença, importará revisitar os estudos do saudoso Manuel Viegas Guerreiro (1912-1997), sábio pluridisciplinar e conhecedor do mundo. Na sua leitura dos escritos de Pero Vaz de Caminha e de Cristóvão Colombo, o geógrafo português identifica um genuíno desejo de verter na escrita o espanto por povos tão diferentes e desconhecidos (a América foi uma espécie de encontro do 3.º grau), mas nunca abandonando o pressuposto da “unidade psíquica do homem”. Em contrapartida, se percorrermos a literatura colonial europeia do século XIX – incluindo os nossos tardios africanistas, que ainda estavam a percorrer os caminhos entre Angola e Moçambique, quando as fronteiras dos impérios europeus em África se decidiam em Berlim -, o racismo está caudalosamente omnipresente. Na descrição dos africanos, os colonizadores europeus, inchados de arrogância, limitavam-se a despejar os seus preconceitos sobre povos que foram considerados sub-humanos. No final do século XV, D. João II fazia alianças e apadrinhava no batismo príncipes dos reinos da África Ocidental. No século XIX, pelo contrário, a aliança tóxica entre uma biologia rústica e um nacionalismo cada vez mais belicista criou o ódio ontológico, que tanto exterminaria milhões pelo trabalho forçado no Congo belga como aniquilaria a aristocracia intelectual judaica, num Holocausto consentido pelas massas que apoiaram o nazismo.

Poderemos e deveremos analisar os dispositivos constitucionais de Portugal, ou de qualquer país, para verificar se neles persiste a presença de elementos discriminatórios de base étnica. Não ouso sequer colocar a possibilidade de o brutal assassínio do artista Bruno Candé Marques ter outro desfecho que não seja o da condenação do homicida, após um regular e rigoroso processo de justiça. Faremos bem. Mas será sempre insuficiente. Dito de outro modo: um país pode não ser racista, à luz das suas normas constitucionais (como é claramente o caso de Portugal), mas manter em simultâneo uma maioria sociológica que partilha ou tolera crenças de teor racista.

Em 1953, a descoberta do ADN mostrou que o racismo “científico” é uma fábula. Mas ele alimenta-se do vírus do mal, que não pode ser extirpado. Apenas minimizado pela disciplina do respeito. Na verdade, nós, humanos, ainda não saímos do estaleiro. Partilhamos 94% do material genético com os babuínos. Sem ofensa para os babuínos.


13 pensamentos sobre “Babuínos como nós

  1. Estes nem podem esperar pelo inquérito para atiçar ao ódio contra a população branca.

    Ó homem, você nem sabe se o crime foi motivado por racismo já está a insultar o povo ?

    E mesmo que fosse por racismo isso não vos dá o direito de culpabilizar toda a população branca pelo crime de uma pessoa.

    Você também é branco, prenda-se a si mesmo e à sua família pelo assassinato do Candé.

    Mas não incite ao ódio contra um povo inteiro pelo crime de uma pessoa que isso é crime e é racismo.

    • Isso mesmo! E preparem-se que mais dia menos dia ainda vamos todos pagar um imposto de “compensação colonial”, mesmo que os nossos antepassados nunca tenham saído do país e nunca tenham tido escravos. E depois mesmo assim não será suficiente…

      • Pagarmos todos um imposto por uma pequena minoria dos nossos antepassados terem tido escravos ?

        Sim, acho que podemos chegar aí.

        Mas só nós, nos países de maioria branca.

        Porque a escravatura já era praticada em África milhares de anos antes de lá chegarem os brancos e só há meia dúzia de anos foi oficialmente proibida ma Mauritânia, sabendo-se que continua a ser praticada mais ou menos ás escondidas.

        Mas nesses não interessa falar porque têm o tom de pele “correcto”.

        Anda vamos é gastar fortunas em operações para escurecer a pele, que com todo este incitamento ao ódio qualquer dia abre a caça ao branco.

    • Outra vez…
      culpabiliza-se as instituições, incluindo a cultura, não as pessoas todas.
      ou isso ou anda quem estuda e lê anda todo doido. Uma das duas.

      • “mas manter em simultâneo uma maioria sociológica que partilha ou tolera crenças de teor racista.”

        Ou seja, o teu “estudioso” de merda está a chamar racista à maioria do povo português, como se o povo defendesse o assassinato de pretos.

        Estudiosos destes estavam bem era a lavar as retretes de estabelecimento prisional de vale de judeus, porque incitar ao ódio contra um povo por causa do crime de um indivíduo é CRIME. é INJÚRIA e é RACISMO..

  2. Por falar em assassinatos pessoal.

    Que é que aqui quer desabar sobre o assassinato do imigrante ucraniano no aeroporto por agentes do SEF ?

    O gajo foi torturado até á morte durante horas, foi muito pior do que o caso do Candé.

    E se fizéssemos uma manif, partíssemos umas estátuas e enchêssemos os jornais de artigos de jornalistas, filósofos e cozinheiros ?

    Ups.

    Desculpem, foi mais uma gaffe minha.

    Tinha-me esquecido que este imigrante era branco e loiro e quem o torturou até á morte foi um agente do SEF de origem angolana e mestiço.

    Num caso destes vocês todos, filósofo de merda incluindo, têm de ficar muito caladinhos a ver se o caso passa depressa.

    Um policia semi-preto torturar até á morte um imigrante loiro, lá estraga a montagem fake dos filósofos de merda sobre “uma maioria sociológica que partilha ou tolera crenças de teor racista.” que iria responsável por toda a violência em Portugal.

    Afinal se pretos, até policias, também torturam brancos até á morte, pelos vossos critérios agora devíamos estar todos aos gritos de racismo. Ai que o preto é racista e tal.

    Mas a raça dos intervenientes só vos interessa quando o assassino é branco, para atiçar ao ódio contra o povo português.

    Aí desatam a berrar a raça do assassino aos quatro ventos até ficaram roucos, como se fosse a única coisa que interessasse nos registos criminais fosse as raças dos gajos.

    Já quando o assassino é preto é TABU referir-se a raça.

    Porque nesses casos para jornalistas, as elites, os activistas e filósofos de merda, a raça não interessa nada e NUNCA é referida.

    Porque afinal, o que interessa é que uma pessoa morreu, o que interessam as raças não é ?

    A menos que seja a raça que INTERESSA referir…

    Cambada.

    • Os eslavos já são pessoas para os nazis e ninguém notou? O processo já encravou? Alguém veio defender que não era xenofobia? Faz parte de algum padrão preocupante que não seja o racismo em geral?
      Manifestações por mortes isoladas é com o Andrézito, o castigo com a justiça.

  3. É como aquela ideia fixa do “Portugal é um país racista”… Não querendo emitir opinião sobre a eventual qualificação do nosso país nesses termos, sempre tive muita vontade de desafiar esses incendiários a identificarem um país que NÃO seja racista: EUA, esquece; Canadá talvez seja tanto que o primeiro ministro teve de vir a terreiro desculpar-se por uma brincadeira já com anos; América Central e do Sul, next!; Europa, nós somos racistas e os demais povos do sul idem, os países centrais nem se fala, os escandinavos, modelos positivos noutros aspetos, é melhor não irmos por aí; Rússia, uma miséria; África, deixem-me rir; Médio Oriente, que horror; China, give me a break; Japão,… melhor passar à frente; Ásia… next!; Austrália e Nova Zelândia, é ver como trataram e tratam os nativos… Resumindo: ou o Butão e as ilhas do Pacífico não são países estruturalmente racistas ou então não se safa ninguém. Ninguém, claro está, excetuando os inefáveis membros do SOS racismo, os estouvados do BE/Livre e os hipócritas/bollycaos dos comentadores televisivos e escribas tão humanistas e politicamente corretos.

  4. Sabem o que vos digo? Esta nova “moda do antirracismo” vai ter como resultado um aumento real do racismo. Estes senhores serão moralmente culpados pelo que vier a acontecer.

      • Depende da qualificação de “vítima”. As que de facto o são, têm todo o direito de se expressar e defender os seus direitos. Todos os que recorrem à vitimização – principalmente quando há cobertura dos media – só merecem o meu desprezo. Os que apoiam este último de forma incondicional e acrítica, enfim, não merecem nada de minha parte.

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