As letras pequenas do apoio europeu

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 29/05/2020

Daniel Oliveira

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Os apoios anunciados pela Comissão Europeia já não são a fisga que todos temiam. E os critérios de distribuição parecem não ser maus para Portugal. A fundo perdido, serão 15,5 mil milhões de euros. Eles trazem uma boa notícia: graças à bomba relógio italiana, não será cada um por si. Pelo menos os 500 mil milhões que são a fundo perdido não são nem empréstimo, nem adiantamento. É a primeira vez que, perante uma emergência, isto acontece. Graças à bomba relógio italiana. Mas o otimismo que partilho com o Pedro Santos Guerreiro acaba aqui.

É bom reduzir a excitação, porque isto não é uma bazuca e muito menos um Plano Marshall. Basta dizer que o dinheiro previsto para toda a Europa, a fundo perdido, anda próximo de metade dos 994,5 mil milhões que a Alemanha aprovou em subsídios públicos, apenas consigo. Talvez assim seja mais fácil ficar menos impressionado com tantos zeros. Antes de tudo, parem de fazer contas de somar. Só interessam mesmo os cerca de 500 mil milhões. O resto ou são empréstimos, que a nossa dívida não permite contrair sem destruir o país por anos, ou dinheiro previsto para os restantes fundos.

Depois, temos de esperar pelas letras pequenas no contrato. Como temia, este dinheiro vem com condicionalismos. Não devem vir a ser pequenos nem genéricos. Apesar de não ser um pormenor, a questão não é apenas democrática.

Quer dizer que nada nos garante que será gasto no que é prioritário para a nossa economia. O que tem aparecido nos jornais e nas televisões é o New Green Deal. Seria uma revolução na União Europeia. E sendo uma revolução, é razão para desconfiar. Sobretudo quando conhecemos a corrente política que domina a UE.

É prestar atenção ao que disse o comissário europeu para a Economia, quando jurou que isto não era um plano de reajustamento com outro nome. Paolo Gentiloni explicou que a Comissão coordenará as “prioridades nacionais com as prioridades comuns do semestre europeu”. Ora, é no “semestre europeu” que costumam estar as “reformas estruturais” que fizeram o que sabemos ao nosso país, em 2011. É aí que pode ser enfiado o consenso de Bruxelas. Se assim for, a pandemia será mais uma oportunidade para impor modelos económicos e sociais à margem do sufrágio democrático. E o desespero das nações, bem visível no entusiasmo geral, é o momento ideal.

Por fim, nada nos diz que esta proposta vá passar no Conselho. Mesmo com tudo o que escrevi, é bem possível que não passe. Se não passar, a Comissão recorrerá ao orçamento comunitário. Ou seja: recorre a fundos que já estavam previstos. O que quer dizer que estaremos perante um mero adiantamento de dinheiro que não receberemos para a frente. Nem fisga será.

Agora é esperar. E ler com atenção as letras pequenas do contrato. Sou o agoirento? Sou. Os agoirentos são precisos e, lamentavelmente, têm tido razão no que toca à UE.


6 pensamentos sobre “As letras pequenas do apoio europeu

  1. Ò DOliveira:

    Malha no Centeno e em tudo o que ele tocar! Vamos pô-lo a andar!
    Se Portugal se apanha novamente com o Vítor Gaspar na Economia… aí é que o Mar cantaria e o Sol arderia!!!

  2. Mas toda a gente sabe que, para os alemães darem um chouriço, é preciso entregar-lhes um porco!
    Quem não sabe isto, não sabe nada.

  3. Plano Marshall sem anterior bombardeamento e destruição ?
    Esta sociedade está cheia de mimados,a quem a avózinha levava à escola… dormi um soninho, que tudo se vai arranjar.

  4. “será mais uma oportunidade para impor modelos económicos e sociais à margem do sufrágio democrático”

    E se o sufrágio democrático desse como resultado que todas as casas portuguesas deviam ter vidros duplos ou que todos os agregados familiares com mais de 5 pessoas tinham direito a comprar um carro de 7 lugares? as “ajudas” de Bruxelas tinham que ter em linha de conta o que foi sufragado em Portugal?

    Não custa pedir, mas não se espantem se os pedidos não forem atendidos.

    Os países assinaram o Tratado de Maastricht, e o Tratado Orçamental sem consultar os cidadãos, sem lhes explicar as implicações dessa assinatura. Quando essas implicações começam a ser visíveis, em vez de explicarem às pessoas porque chegámos aqui, não! lançam a ladainha dos mauzões do Norte que exploram os bonzinhos do Sul…

    • Ninguém falou que o sufrágio seria exclusivamente aos portugueses, existe um parlamento europeu, apesar de não ter poderes para coisa nenhuma e sofrer de vários défices democráticos.

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