É racismo ou é racismo no contexto da cultura de violência do futebol?

(José Pacheco Pereira, in Público, 22/02/2020)

Pacheco Pereira

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É tudo mau, sabemos nós, mas não é a mesma coisa responder de uma forma ou de outra. Porque não é o mesmo. Devo, aliás, dizer desde já que não acho que o episódio de Marega seja, em si mesmo, muito significativo do racismo em Portugal. Preocupam-me muito mais incidentes como os que ocorrem em bairros degradados, onde a maioria da população é de origem africana, e que envolvem a polícia, ou os conflitos com ciganos, ou mesmo incidentes de violência individualizados, como o que ocorreu com uma senhora, um condutor de autocarros e a polícia na Amadora. Dito de outra maneira, onde eu penso que são mais graves os fenómenos de racismo é naquilo que se pode chamar conflitos de proximidade, onde comunidades negras ou ciganas vivem em guetos ao lado de populações brancas, muitas vezes unidos pela mesma miséria, pobreza e exclusão.

Os profissionais políticos do anti-racismo querem tirar os insultos racistas a Marega do contexto em que foram proferidos, porque querem marcar um ponto político que é dizer que “Portugal é racista”, e não se querem meter com o futebol porque, por um lado, o futebol é popular e, por outro, porque dá um contexto diferente ao que aconteceu. Esse contexto não minimiza o racismo, mas diminui o seu valor enquanto acto de racismo.

Os adeptos do Guimarães que insultaram o jogador negro, insultos racistas sem dúvida, vivem numa parte do país onde não há esse racismo de proximidade, e onde incidentes racistas são incomuns e mesmo raros. O racismo não caracteriza a vida de Guimarães, mas a violência no futebol caracteriza, como caracteriza o futebol no seu conjunto, onde este tipo de comportamento existe em praticamente todos os grandes clubes que têm claques, e onde o sentimento tribal é acentuado. É a violência tribal no futebol que leva aos insultos e, como o jogador é negro, os insultos são racistas.

Cântico da Juve Leo

Quando os insultos são à mãe de um jogador, gritados por uma pequena multidão, que urra “filho da puta” quando um guarda-redes está para defender um pénalti, ou ao jogador que o vai marcar, eles são exactamente da mesma natureza dos que que fizeram o jogador negro sair do campo. (Devo dizer entre parêntesis que acho que ele fez bem, quem não se sente não é filho de boa gente, e ninguém deve ter complacência com energúmenos.) São insultos, e quer a mãe do jogador, quer a cor da pele, não têm que ser agredidos por uma turba exaltada e utilitária. Porque a função dos insultos é perturbar um jogador ou uma equipa na sua eficácia em campo e, por isso, são inaceitáveis e sancionáveis. Aliás, uma das coisas que vai passar a acontecer ainda mais é a repetição dos insultos racistas com o objectivo de levar jogadores negros de qualidade a abandonarem o jogo, e assim aumentarem as chances da equipa dos insultantes.

Se há questão no que aconteceu, é mostrar o futebol como um dos reservatórios de violência na sociedade portuguesa e, sendo assim, naturalmente contendo o racismo na panóplia dessa violência latente. Quando os adeptos das claques passeados pela rua como um grupo de animais ferozes, numa operação policial com contornos militares, com o dinheiro dos nossos impostos, passam em frente dos rivais, não só gritam todos os impropérios do dicionário e alguns fora dele, como arremessam o que podem. E o mais grave é que se considera isto normal.

O que é que é mais parecido com o que aconteceu em Guimarães? O que é mais ofensivo, chamar a alguém “macaco” ou “filho da puta”? É a mesma coisa, e significa socialmente a mesma coisa. Pode-se alegar que há uma diferença cultural entre insultar a mãe de um jogador ou a cor da pele. Há. Mas o mais provável é que os insultos sejam intermutáveis neste caso e não mostrem um particular ânimo racista. Claro que, tendo em conta mais um sobressalto de indignação colectivo que se tem passado, com muita gente que está farta de ouvir insultos do mesmo tipo nos campos de futebol sem mexer uma palha, a chorar de hipocrisia e indignação, parece quase um crime, racista claro, dizer isto. Mas para quem não tenha uma agenda política que se centra numa certa concepção político-cultural do racismo, é pouco mais do que bom senso. Até porque este tipo de surtos de indignação só favorecem alguns grupos radicais e prejudicam qualquer combate eficaz contra o racismo real.


4 pensamentos sobre “É racismo ou é racismo no contexto da cultura de violência do futebol?

  1. «Os profissionais políticos do anti-racismo». Como referi em carta ao Expresso*…
    Na revista do Expresso de 8 de Fevereiro, um quase ensaio de Daniel de Oliveira, sobre a crítica (da moda) ao Portugal racista de ontem e de hoje.
    Com duas referências antigas a um africano ilustre em Moçambique, ou sobre Moçambique:
    «Os problemas sociais, políticos e económicos do meu país são um pouco diferentes dos da União da África do Sul. Por exemplo, nós não temos uma barreira de cor ou discriminação racial no nosso país…Sou cidadão português. No meu país não temos leis de segregação… Eu farei tudo para lutar pelos direitos do meu povo no meu próprio país…
    * Para não publicar, por supuesto.

  2. Os “profissionais políticos do anti-racismo” são os maiores racistas actuais na nossa sociedade. Simplesmente são racistas contra os brancos.

    Os racistas contra os negros há gerações que deixaram de ter qualquer peso na sociedade. São grupos minúsculos ou até pessoas isoladas.

    Vide as “terríveis” organizações fascistas portuguesas, que geralmente não conseguem juntar mais de dez ou vinte militantes.

    A maior organização de sempre nesse sentido, foi o PNR, conhecido pelas suas enormes manifestações “de massas” normalmente com uns 30 participantes… Um portento..

    E note-se que esse grupo abdicou de grande parte do seu radicalismo para ser melhor aceite… Porque grupos abertamente radicais, como o NOS, é o que se sabe…

    O próprio nível de adesão do povo português a esses grupos é em si mesmo um desmentido categórico das acusações de racismo “estrutural” contra o povo português.

    Já os racistas anti-brancos, como o SOS, o bloco, o livre e outros, são muito mais activos e poderosos, moldando o discurso oficial marcado pelo ódio racial contra os cidadãos brancos.

    Assim o senhor Pacheco dá como exemplo de racismo as desventuras da arruaceira que mordeu ao policia, como se o comportamento dela não tivesse nada a ver com o estado em que ficou e fosse tudo por causa da cor dela.

    O curioso é que o autocarro ia cheio de pessoas da mesma cor e só ela é que teve problemas. Os outros iam pintados de branco?

    Seja como for convido o senhor Pacheco, que é branco, a imitar o comportamento da arruaceira e depois diga-nos o que aconteceu.

    Dou aqui, passo a passo, o guia para entrar no martirológico do “racismo”.

    A- Quando o trabalhador dos transportes lhe pedir o passe, diga que o deixou em casa.

    B- De seguida, quando ele pedir para você comprar o bilhete, diga que não compra nada.

    C- Quando ele lhe disser que então tem de abandonar o veiculo, responda-lhe que era o que faltava e sente-se como se nada fosse e ele fosse uma merd…que anda para ali.

    D- Quando ele insistir diga-lhe que vai juntar um grupo de amigos para dar cabo dele ( como acabou por acontecer).

    E- Quando ele chamar a policia e esta lhe pedir a identificação (obrigatório por lei), cagu… no policia como se ele fosse um badameco qualquer.

    F- Quando o agente da autoridade a deter, como manda a lei nestes casos, resista e morda-o várias vezes.

    Faça isso senhor Pacheco, e convido todos os racistas anti-brancos que são de raça branca a fazerem o mesmo.

    Depois digam a que hospital parar para eu os ir lá visitar para vocês me explicarem que tal comportamento animalesco não teve nada ver com o risco acrescido de se ir parar ás urgências.

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