Amazónia a quem a respira

(In Blog Aspirina B, 26/08/2019)

No fundo – na estrutura, para convocar o economista e sociólogo Marx – o que divide a ideologia em direita e esquerda explica-se pela relação Estado-sociedade. Diz qual preferes, diz quanto e como, dir-te-ei se és de esquerda, de direita, ou do centro (existe necessariamente este terceiro, como Hegel explica gratuitamente aos interessados).

Apesar da simplicidade aparente do binómio, e de acordo com as leis da evolução que regem este universo, rapidamente a complexidade está instalada. Do lado do Estado fica o ideal colectivo, do lado da sociedade o ideal individual. Para usar outro binómio aparentemente de fácil entendimento, o comunismo e o capitalismo confrontam-se nessa linha da frente. Todavia, do lado do Estado também aparece o primado da Lei, e do lado da sociedade aparece a necessidade social. A Lei é aplicada por um colectivo coercivo a todos os indivíduos, as necessidades sociais dão estatuto político a grupos cujas carências pedem solução em nome de cada caso individual. Isto leva a discursos onde os antagonismos se misturam e confundem, dando azo a ilimitadas configurações ideológicas e posicionamentos políticos. Um retinto conservador e um socialista de cepa podem ambos discordar radicalmente acerca do modelo económico e axiológico de sociedade preferido e estarem unidos no respeito pela Lei como princípio ordenador e inviolável do regime. Um leninista fanático e um neo-liberal assanhado podem odiar-se quando discutem o sistema partidário preferido e amar-se quando atacam a social-democracia.

O discurso sobre o fim da divisão entre esquerda e direita carece de muito contexto, pretexto e subtexto para fazer sentido. Mais prático é olhar à volta e constatar como um direitola que se preze vive em claustrofobia por causa da opressora presença do Estado, e como um esquerdalho de lei acorda e deita-se a sentir-se espoliado pelos burgueses imperialistas. A retórica de uns e outros não tem outro guião. Mas, na origem e no fim do labor teórico na ciência política, o que está sempre em causa é a divisão da riqueza, a posse dos recursos – ou seja, a animalesca luta pela sobrevivência. Quem tem não quer perder, primeiro, e quer aumentar, logo que possa. Quem não tem pede para ter o mínimo, e continua a pedir para, e por, ser igual aos que têm mais. O contexto explica os valores assumidos e agitados, o miserável revolucionário de ontem pode transformar-se num ricalhaço defensor da ordem e o elitista industrial de hoje poderá ver-se amanhã falido e a lutar contra os poderosos.

Salto para a Amazónia. Coincide a destruição imparável com um presidente que representa a direita típica, castiça, folclórica. Subindo no mapa, encontramos Trump, outro representante da direita típica, aquela que adora a sociedade e abomina o Estado. Porque na sociedade estão pessoas como ele, está o indivíduo e a sua gula.

Para estes dois cromos, a conversa sobre as alterações climáticas é uma invenção dos socialistas, coisa do Diabo. Chega a ser enternecedor ver Trump a gozar no Twitter sempre que a meteorologia lhe envia uma frente fria ou agora Bolsonaro a mostrar o seu desprezo pela função ecológica da Amazónia para o Planeta.

Estes dois representam muitos milhões, bastando dar um exemplo recentíssimo e aqui do rectângulo – nada mais nada menos do que pelo teclado do braço-direito do genial RAP: Alterações de Gretas suecas (aviso: é só rir, está magnífico ao nível do trocadalho e tãoooooo inteligente)

A pulsão destrutiva e oligárquica é de direita e a consciência ecológica e democrática é de esquerda. Porque para enriquecer, como reflectiu Locke olhando para o poderio militar e tecnológico europeu da sua época, basta pegarmos na enxada e/ou na pistola e começarmos a trabalhar. O resultado de tomarmos posse de um pedaço de terreno para o cultivar, mesmo que para isso tenhamos de afastar para fora do horizonte os escurinhos e seus rebanhos que por lá passavam há séculos ou milénios, chama-se produção. Locke ensinou os terratenentes a não só expandirem as suas propriedades como a fazê-lo com vista a uma muito maior eficiência e eficácia económica. Ganhámos todos com isso, pois no século XVII começou a construir-se a fase da civilização a que chamamos Estado de direito democrático. Acontece que chegámos a uma situação em que a oligarquia precisa de voltar a perder poder – ou seja, a aumentar o número das entidades que protege. De facto, a Amazónia não é só do Brasil, é também da esquerda que idealiza a fraternidade planetária.


Fonte aqui

3 pensamentos sobre “Amazónia a quem a respira

  1. Ui?

    Nota. Coitadinho, sai uma esmolinha para o Valulpi. Este post é exactamente sobre o quê, ó da Estátua? É um trabalho de grupo do 8.º Ano de Escolaridade? Ou um trabalho de Hist+oria em que entram as cenas da herdade da Torre Bela, aquela que foi acamaradada pelo Camilo Mortágua?

    • Adenda. Entretanto, disseram-me que esta cena macaca do post do Valulupi poderá ter sido uma tentativa do tipo ao decifrar o conjunto de hieroglifos que estão nalgum dos seus cadernos de apontamentos… Melhor, que não são uns cadernos ao calhas: são os rabiscos das aulas livres do futuro lorde João Carlos Espada! E olha lá que pode ser, pás! Não perguntei mas talvez sejam de algum curso de Verão que o lindinho do Aspirina B tenha frequentado nos finais dos anos de 1980 (ou meados da década de 1990?), daí resultando as bastante actualizadas referências às cartilhas de Marx, Hegel e Locke, o que a princípio me pareceu uma coisa dos manuais do 8.º Ano de Escolaridade-com-mais-umas-piratices-sacadas-da-Net mas que, de facto, concedo agora que nos permitem descobrir em todo o seu esplendor o discípulo de um classicista conservador. Assim sendo, sem queimarem as pestanas com gajos normais e sem a devida estatura* intelectual como aquela com que o professor Espada foi bafejado, a dita universidade de Verão da JSD em Castelo de Vide é, mesmo-mesmo!, uma brincadeira para os totós da direita comerem a Cerelac.

      http://iep.lisboa.ucp.pt/sites/default/files/styles/asset_medium/public/assets/images/condecoracao-prof.-jce.jpg?itok=pcNDU8H21

      Asterisco. Honorary OBE – Order of the British Empire, por falar em estatura…

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