Um thatcherismo de fachada socialista

(Ana Sá Lopes, in Público, 18/08/2019)

Ana Sá Lopes

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Foi bom os camionistas terem decidido acabar a greve e voltar à mesa das negociações. Provavelmente serão os primeiros a sentirem o alívio por deixarem de ser “os monstros” vilificados por parte da opinião pública, principalmente por dirigentes e militantes socialistas que viram ali, em boa parte devido ao porta-voz Pardal – ou “o Pardal da trotinete” como disse Ana Gomes na SIC Notícias – o início de um movimento de extrema-direita ou uma acção para desestabilizar o país dirigida por Steve Bannon e mais um conjunto de alucinações que podemos dispensar de descrever.

A principal vítima de todo este processo foi o direito à greve. Nada será como dantes. A resposta musculada de António Costa, perante a concordância de todo o seu partido e meia tolerância do resto da esquerda, fará, com certeza, jurisprudência. Um futuro governo de direita tem este precedente para apresentar. Quando António Costa diz, na entrevista ao Expresso, que “no limite pode não haver distinção entre os limites mínimos e o serviço normal” sabemos que uma linha vermelha foi ultrapassada.

Quarenta e cinco anos depois do 25 de Abril, foi preciso recorrer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para saber o que são serviços mínimos. A PGR defende que podem ser “robustos”, Costa conclui que no limite até podem nem existir. Isto passou sem grande susto, mas as greves em sectores vitais – médicos, enfermeiros, transportes públicos – podem estar a caminho da extinção, já que se poderá invocar que “no limite serviços mínimos são iguais a serviço normal”.

Na sua candidatura às primárias do PS, em Junho de 2014, António Costa disse a seguinte frase: “Se pensarmos como a direita acabaremos a governar como a direita”. Era um manifesto de contestação a António José Seguro, acusando de ser brando contra as medidas da troika, contra o governo de Passos Coelho e defensor da assinatura do Tratado Orçamental. Aparentemente, Costa decidiu governar agora como Margaret Thatcher contra a greve dos mineiros sem que ninguém no PS ache estranho, enquanto ao mesmo tempo quem o colocou no poder – comunistas e bloquistas – demonstram alguma incapacidade de lidar com o assunto.

Costa vai ganhar a maioria absoluta por ser o homem da ordem, depois de já ter conseguido o óscar das contas certas? É possível. Há muita direita satisfeita, até porque o seu campo político morreu sem combate. As bases socialistas parecem exultar com o chefe – mas exultam sempre, também o faziam para jurar a inocência de Sócrates.

O Bloco de Esquerda e o PCP ganham ou perdem pela sua relativa abstenção neste processo? É difícil avaliar, mas a gestão da crise não foi brilhante e poderá ter consequências eleitorais. O PSD, apesar de Rio ter acordado quase ao sétimo dia, mantém-se inerme. O CDS apareceu para dizer que quer mudar a lei da greve – mas já se viu que os serviços da direita não são precisos, Costa chega e sobeja para tratar do assunto. Talvez o PAN, que nunca ninguém soube o que pensava sobre coisa nenhuma deste processo, seja um grande vencedor da crise.


12 pensamentos sobre “Um thatcherismo de fachada socialista

  1. A articulista ou é ignorante, ou está de má fé, ou ambas as coisas. Comparar a actual situação com a greve dos mineiros é simplesmente um insulto à sua memoria, eles que sofreram as cargas de cavalaria, uma brutalidade policial como até então não havia memoria, com centenas de milhares a perderam o seu ganha-pão, efeitos que se até hoje sentem com tantas comunidades do Norte do país atiradas para a miséria. È simplesmente vergonhoso.

  2. Considero que Ana Sá Lopes nem é ignorante nem está de má fé. Ao contrário, e infelizmente, o futuro demonstrará que a sua previsão, com a qual estou inteiramente de acordo, estava correcta. Bastará examinar o passado do PS depois do 25 de Abril para sabermos para que lado invariavelmente cai quando estão em causa os direitos básicos que defendem o trabalho contra a lógica “natural” da sua exploração. Neste caso, não pelos actores secundários do transporte, mas sim pela ganância insaciável das petrolíferas que poderão contar sempre com a protecção de um partido que se reclama do socialismo democrático.

  3. Magnífico e clarividente comentário. Conheço bem a Ana Sa Lopes, dos tempos do jornal “i” e só posso dizer que ela pensa bem, tem mentalidade independente e escreve muito bem. Se tivesse de construir uma Redacção nunca me esqueceria dela.

  4. Confesso que já só leio os textos da Ana Sá Lopes para ver em que parágrafo aparece o Sócrates. Uma mulher enganada é uma mulher enganada. O resto é uma tentativa de substituir as sondagens com os olhos nas sondagens. Um exercício de copy para encher umas linhas. Já sobre a comparação com a greve dos mineiros ingleses no fim do sec XX e sobretudo a mudança de paradigma que daí adveio para o mundo nem há palavras. Dá ideia que também ouviu falar nela por alto. Talvez nalgum filme.

  5. Ó Ana Sá Lopes, não te inibas. O que te impede de chamar ditador fascista ao Costa? (Mas quem é que ainda lê jornais?)
    19 AGOSTO 2019 ÀS 13:26 POR PENÉLOPE 4 COMENTÁRIOS, WOW!

    […], poupo-vos.

    Nota. Nem a troupe alcoolizada do Aspirina B pega pelos cornos a defesa do Santo António, pá! A Penélope, que teve duas semanitas de férias, entrou ao serviço hoje. Entre um parágrafo hilatrante digno de um azeiteiro lambe-botas em que o governo do António “presidente do conselho” Costa é o céu na terra, vai ler e diverte-te!, pergunta no título e no fim quem é que lê jornais. Ora, a moça é amiguinha da Fernanda Câncio, a resposta poder ser enganadora: ninguém lê o DN, de factp, que agora terá mil ou dois leitores? Tristeza, como dizia a outra.

  6. “Talvez o PAN, que nunca ninguém soube o que pensava sobre coisa nenhuma deste processo, seja um grande vencedor da crise.”

    Talvez se se desse ao trabalho de procurar a senhora jornalista já soubesse o que pensa o PAN sobre este assunto.

    Como gosto muito de ajudar jornalistas que, coitadinhos, estão demasiado ocupados a fazer não sei quê para fazerem bem o seu trabalho, aqui vai o link de uma declaração oficial do PAN, no site oficial do PAN tomada uns quatro dias antes da ilustre jornalista escrever a sua crónica.

    14 de agosto de 2019
    “Para o PAN, as reivindicações dos motoristas são justas

    O PAN pretendia que o Governo tivesse tanta firmeza e empenho como está a ter nesta matéria como na descarbonização da economia

    A problemática em torno desta greve, aquilo que poderá causar uma paragem do país, o caos anunciado, reflete no fundo a sociedade petrodependente que nós somos, uma dependência excessiva e quase total dos hidrocarbonetos que não está a ser falada, abordada, por nenhuma das partes. O PAN pretendia que o Governo tivesse tanta firmeza e empenho como está a ter nesta matéria como na descarbonização da economia e encontrar meios alternativos de deixarmos de depender de energias fósseis, nomeadamente para a mobilidade”, disse André Silva.

    O deputado do PAN defendeu que “é preciso, cada vez mais, é uma requisição civil para a ferrovia e para as áreas metropolitanas no que diz respeito ao metropolitano, um maior reforço, maior empenho do Governo nesta área”

    “As reivindicações dos trabalhadores motoristas são justas. Há esquemas remuneratórios aplicados pelas empresas que parecem não ser os mais adequados e corretos e pode não existir a devida fiscalização e empenho por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), mas é verdade que o Governo tem evitado ao máximo, dentro do que são os mecanismos legais, que a economia, especialmente a microeconomia, possa parar e congelar o país”, afirmou.

    André Silva refere que “este jogo entre o que são os expedientes das empresas e os mecanismos do Governo tem sido feito dentro da legalidade”, mas pode vir a verificar-se “uma paralisação do país a curto prazo porque as posições estão a ser extremadas”.

    “Este problema só vai ser resolvido com negociação, independentemente de o Governo conseguir resolver esta questão através de requisições civis totais. O problema de fundo não vai ser resolvido porque o problema dos trabalhadores mantém-se, que dizem que irão continuar na rua durante mais dias ou semanas. Não há outra forma de resolver o problema que não voltar à mesa das negociações. O apelo que o PAN faz, quer ao Governo, quer aos patrões, é que se empenhem numa solução negocial e que a tónica deixe de ser a diabolização destas pessoas que querem trabalhar”, disse.

    O Porta-Voz do PAN alertou ainda para o atual “período agrícola extremamente importante, de colheitas, nomeadamente do tomate, que se está a fazer nestes dias e não pode esperar por negociações de mais uma, duas ou três semanas, sob pena” de haver “culturas que ficam completa e definitivamente perdidas com prejuízos enormes de milhares ou milhões de euros”.”

    O que eu gostava de saber é o que está por detrás deste ódio generalizado da esquerda e da direita contra o PAN.

    Apresentam uns gajos que apenas querem defender os animais como o maior dos perigos públicos.

    O perigo não é o Mário Machado, nem as roubalheiras do Sócrates, nem o Passos dar cabo das classes baixas.

    Não, o perigo é salvar um gato…

    Então a nível dos jornalistas salta á vista.

    Por um lado não noticiam as tomadas de posição do PAN e até afirmam mentirosamente que não existem.

    Por outro lado inventam tomadas de posição inexistentes, como no caso-treta do PAN supostamente querer modificar os provérbios populares.

    Com toda esta treta por parte das elites da treta já dá mesmo vontade de ir votar no PAN.

  7. Será que a iliteracia política da maioria do povo vê as ameaças futuras do patronato com este comportamento do PS, pau mandado dos interesses maçónicos que estão por trás do rápido crescimento de governos de extrema-direita no chamado Ocidente?!

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