O problema mal resolvido da habitação em Portugal

(Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 11/06/2019)

Paes Mamede

Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, saúde e educação, cantava Sérgio Godinho nos tempos da revolução. A paz chegou logo. O pão, a saúde e a educação para todos foram sendo construídos, com bastante sucesso. A habitação foi e é a parente pobre do Estado Social em Portugal.

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Sem vontade ou condições políticas para pôr em causa o regime de propriedade urbana herdada do Estado Novo, o regime democrático resignou-se com a enorme desigualdade na distribuição da riqueza imobiliária. O congelamento das rendas foi a solução encontrada para diminuir a carga sobre os inquilinos, mas teve efeitos devastadores na degradação dos imóveis, desincentivando durante anos o investimento na construção para arrendamento.

Os governos acrescentaram ao congelamento das rendas a bonificação do crédito para compra de casa. Começou em 1983, com o governo do Bloco Central, e assim continuou durante décadas. A redução abrupta das taxas de juro e a concorrência desenfreada entre bancos na década de noventa deram o impulso que faltava para a explosão do crédito à habitação.

Em poucos anos Portugal tornou-se um dos países da Europa onde uma maior parcela de famílias é proprietária da casa onde reside. Isto transformou a estrutura social portuguesa, com implicações diversas – políticas e económicas.

O incentivo do Estado à compra de casa própria foi um dos principais determinantes do endividamento das famílias portuguesas. Entre 1995 e 2008 Portugal foi o país da UE onde mais aumentou a dívida das famílias em percentagem do PIB e cerca de 4/5 desse aumento são explicados pelos empréstimos à habitação. Por outras palavras, tentou-se resolver o problema da habitação convidando as famílias a endividarem-se para níveis pouco frequentes noutros países europeus.

O endividamento excessivo das famílias tornou-se um problema logo que a economia começou a abrandar, na viragem do século. Em alguns casos, as pessoas que perderam o emprego, ou cujos rendimentos caíram por qualquer outro motivo, deixaram de conseguir pagar o empréstimo e perderam as suas casas (continuando ainda assim a ter de pagar a dívida ao banco). Em Portugal estes casos foram menos frequentes do que noutros lados, mas houve outras consequências.

Pessoas muito endividadas têm menos rendimento disponível, pelo que consomem e investem menos. Quando isto acontece em larga escala, há menos procura agregada no país, o que se traduz em menos actividade económica e menos emprego. Passa por aqui uma parte da história do mau desempenho da economia portuguesa após 2000.

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Além disso, o sistema bancário ficou refém do mercado imobiliário. Quando grande parte do negócio bancário depende do crédito à habitação, qualquer redução do preço das casas pode tornar-se um problema. Para os bancos, as casas cuja compra financiam constituem uma garantia, um activo que permite realizar outros negócios. Se o valor das casas cai – como aconteceu após 2008 – os bancos ficam em dificuldade. Num sistema como aquele que vivemos, isto significa menos financiamento a custos mais elevados para o conjunto da economia – senão mesmo a necessidade de injectar o dinheiro que é de todos em bancos insolventes.

A dependência da banca face ao crédito para habitação, há muito estimulada pelos poderes públicos, é hoje outra vez um risco e um problema. O Banco de Portugal tem alertado para os efeitos negativos de uma possível interrupção da dinâmica dos preços do imobiliário. Mas também esta é apenas uma parte da questão.

Há hoje muita gente com poder que está pouco interessada em que os preços das casas desçam. Os bancos, porque veriam o seu balanço deteriorar-se outra vez. Os fundos de investimento imobiliário, cujos lucros dependem do aumento do preço das casas. Os grandes escritórios de advogados, que representam os interesses dos fundos estrangeiros no nosso país, que têm na assessoria às operações imobiliárias uma parte importante do seu negócio. O governo, que não quer ficar com uma crise nas mãos para gerir.

A grande aposta do governo anterior e da troika para o problema da habitação – a liberalização das rendas e dos despejos – baseava-se num pressuposto simples: aumentando o retorno e reduzindo o risco para os senhorios, haveria mais oferta de casas para arrendamento. Se isto aconteceria ou não num mundo ideal, não sabemos. No contexto actual, marcado pela explosão do turismo e pela enorme liquidez dos fundos imobiliários internacionais, o resultado é conhecido: o negócio da compra e venda de casas aumentou muito, mas a vida de quem necessita de casa para viver tornou-se ainda mais difícil. Uma parte crescente da população portuguesa está a ser empurrada para fora dos centros urbanos – exactamente o contrário do que prometeram.

A solução a prazo para os problemas de habitação não precisam de ser inventados: foram postos em prática há décadas por algumas das principais cidades europeias. É necessário que uma parte importante do mercado de habitação seja protegida das lógicas especulativas. Para isso é necessário pôr nas mãos do sector público e/ou do sector cooperativo boa parte da oferta de casas para quem cá vive todos os dias.

Portugal é um dos países europeus onde a habitação pública e/ou cooperativa é mais reduzida. Vai demorar muitos anos a corrigir este atraso. Mas é preciso começar a fazê-lo. Mais vale tarde do que nunca.

Economista e Professor do ISCTE-IUL


8 pensamentos sobre “O problema mal resolvido da habitação em Portugal

  1. [Por falar em apartamentos TO, sorry, que sempre vai haver festança orgnizada pela troupe do Aspirina B.]

    […]

    Deputados recusam pedido de escusa de Armando Vara e mantêm audição

    Todos, [sublinhado!], os deputados votaram a favor da vinda de Armando Vara, recusando assim o pedido de escusa recebido na sexta-feira. Os serviços da comissão de inquérito da Caixa analisaram o pedido e os argumentos invocados pelo antigo dirigente socialista para não ir ao Parlamento. Vara está detido desde janeiro deste ano, depois da condenação no caso Face Oculta ter transitado em julgado após vários recursos.

    No entanto, consideraram que, tal como aconteceu no caso de Joaquim Barroca, ex-presidente do Grupo Lena, Armando Vara pode invocar o segredo de justiça quando for questionado sobre factos pelos quais foi constituído arguido e acusado no processo Operação Marquês.

    A falta de informação atualizada também invocada pelo antigo gestor da Caixa também não foi considerado um argumento suficiente por parte dos serviços do Parlamento, adiantou o presidente da comissão de inquérito, Leite Ramos. A audição está agendada para o dia 14 de junho, próxima sexta-feira.Duarte Pacheco do PSD defendeu que a audição deve ser mantida. Admitiu que a escassez de informação útil invocada por Vara é pertinente, mas recordou que essa situação afeta outros antigos administradores da Caixa. E manifestou a expetativa de que a memória de Vara esteja melhor do que a de outras pessoas que estiveram na comissão e que mesmo com documentos não se lembram nada.

    No Observador, ontem (por falar em memória a minha é fresquinha, camaradas Vassalo e Virgínia da Silva Veiga em especial, olhem só a performance do Armando Vara naquela que erá sido a última vez que esteve na AR e o que vos pode esperar…).

    XXXXX
    23 de Março de 2017 às 17:13

    Canta, canta que isto está bonito p’ró José Sócrates.

    _____

    Eu ainda ontem vi o grunho do Hugo Soares, do PSD, a fazer um figurão perante o Armando Vara a debitar umas tangas sobre a CGD e sobre os desgraçados do MP que tanto preocupam hoje as traquinices do Miguel Romão, e até deu pena. Deixo-te um extracto do Expresso online, chega.

    […]

    Hugo Soares, deputado do PSD, insistiu no tema e perguntou a Vara se tinha falado com o antigo primeiro-ministro sobre o banco público enquanto lá trabalhou.

    – “Não me lembro de ter falado com o engenheiro Sócrates sobre a CGD, por muito estranho que pareça. Se tivesse falado lembrar-me-ia”, disse o antigo administrador do banco estatal.

    Hugo Soares enfatizou:

    – “Não falou ou não se lembra?”, com Vara a insistir que não se lembra.

    – “Não se lembra, mas não nega que tenha falado?”, anotou o deputado social-democrata.

    Hugo Soares continuou a insistir, questionando:

    – “Lembra-se que há uma dezena de anos almoçou com o Dr. Campos e Cunha no CCB, mas não se lembra de ter falado sobre a CGD com o engenheiro Sócrates. Ninguém acredita que o senhor não se lembra se falou com o engenheiro Sócrates sobre a CGD”.

    Nota, importante. Chamo a atenção para a gaffe sobre o nome do engenheiro Santos Silva, porra! perdão que afinal é o José Sócrates. Até dá pena, divirtam-se!

    ______

    PSD quer que Ministério Público analise declarações de Vara na comissão à CGD

    23 Mar, 2017, 09:29 | Política

    Aqui, ao vivo e a cores: https://www.rtp.pt/noticias/politica/psd-quer-que-ministerio-publico-analise-declaracoes-de-vara-na-comissao-a-cgd_v990684 [VÍDEO]

    [Até deu pena, já disse isto?]

    • Adenda. Chamo ainda a atenção para o esgar de dor estampado no rosto do João Galamba no final, que não tinha observado, enquanto coça o cocuruto num sinal de eventual uma qualquer aflição.
      Como quem diz:

      – F…-se, este gajo, com quem eu me meti!!

      23 de Março de 2017, isto (ó Vassalo, ó Virgínia, sem esquecer o par Valulupizinho e dondoca d’Um Jeito Manso, pás!, têm tantas saudades como eu tenho?).

  2. O Mamede tem razão… desta vez…
    Faltou-lhe referir:
    a) Esgotadas as possibilidades de captura de poupanças dos portugueses, tradicionalmente elevadas, os bancos recolheram capitais junto dos grandes bancos europeus. Quando a crise de 2008 surgiu, os banquinhos portugueses eram um elo muito fraco no sistema financeiro global
    b) Claro que houve um conluio mafioso entre a banca e o Estado. Lembram-se que este até dava bonificações para os juros? E deduções interessantes em IRS?
    c) Esse conluio é mais extenso. Envolve a relação promíscua e corrupta entre os “promotores imobiliários” e as câmaras, nomeadamente o núcleo duro das vereações – o presidente, o vereador da área financeira e o que superintende a habitação, os licenciamentos. Esse é o triângulo da corrupção e do abastecimento dos gangs partidários

    Para quem não se fique por “leituras em diagonal”

    Textos de 2009 sobre o sistema bancário

    http://www.slideshare.net/durgarrai/o-sistema-bancrio-portugus-bancos-com-pernas-de-barro

    Sobre as nacionalizações (2009)

    http://www.slideshare.net/durgarrai/nacionalizao-da-banca-piada-ou-mistificao

    Sobre a dívida, há muitos textos no blog, à disposição e isentos de IVA

    http://grazia-tanta.blogspot.com/

        • Ui-bis?

          Nota. Ehehe, ganha juízo camarada Viktor (a Raquel e o Renato, em relação à cegueira que tinham, conseguiram ver a luz e dar a volta… só faltas tu, pazinho).

  3. Texto que é imagem do atraso endémico nacional, nomeadamente o mental… apesar das euro-esmolas dos últimos 33 anos. Logo de início refere que com a mudança de regime em 74 veio a paz. Como se deixaram guerras civis, fome e muita miséria em QUATRO ex-pprovíncias ultramarinas (Angola, Guiné, Moçambique e Timor)?
    Quanto ao pão, saúde e educação, já eram dados conquistados durante o Estado Novo, comprovado pelo fecho de várias “sopas do Sidónio”, construção da rede hospitalar que ainda hoje é a coluna do SNS e umas redes de escolas, liceus e universidades (Braga, Aveiro, Porto, Coimbra, Lisoa, Évora, Faro, Luanda, Lourenço Marques e Ponta Delgada)…, TUDO sem ESMOLAS! Esqueceu-se de referir que a evolução que tivemos nos últimos 30 anos, foi fruto das euro-esmolas e do endividamento..e temos a democrática corrupção e incêndios em barda! Gostam?

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