Como ofender os portugueses com três palavrinhas apenas

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 07/06/2019)

No dia 23 de Janeiro descobrimos que o Presidente da República escolheu o Dr. João Miguel Tavares para presidir à comissão das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. A decisão gerou avulsos e efémeros protestos de terceiras vozes na esquerda, latidos nos talibãs de serviço contra essa esquerdalha insolente, e um maremoto de silêncio e aparente indiferença no comentariado nacional. Mas tal como no começo do Blue Velvet de Lynch, onde num relvado suburbano composto de belas e viçosas flores o jardineiro pode cair redondo no chão sem que isso afecte o humor de bebés e cães brincalhões, se afundarmos o olhar até às raízes de tanta placidez premonitória vamos encontrar minúsculos-enormes monstros que se devoram uns aos outros.

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Para se compreender o que está em causa na decisão de entregar o 10 de Junho a um caluniador profissional temos de recuar 8 dias ainda em Janeiro. No dia 15, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Primeiro-Ministro, a Ministra da Justiça, o Procurador-Geral da República, o Bastonário da Ordem dos Advogados e o Cardeal Patriarca (pois, não me perguntem porquê), entre outras excelências, reuniram-se, alguns paramentados, no Supremo Tribunal de Justiça. A ocasião intitula-se “Abertura do Ano Judicial” e nela os nossos melhores discursam solenemente sobre o pilar mais poderoso da República e da nossa democracia. Aquilo sem o qual não há comunidade, apenas guerra civil. A instituição Justiça que garante e aplica a Lei livremente consubstanciada e definida pelo Soberano na Assembleia da República – por nós, os eleitores. Dá ideia, a avaliar pelas fotografias, que se trata de um acontecimento anual muito importante, de uma cerimónia especialmente relevante na arquitectura do regime; ainda mais fulcral tendo em conta as disfunções judiciais que tolhem a economia, pervertem as disputas políticas e ameaçam, quando não violam, a liberdade das pessoas. A ser verdade que a coisa é de arrebimbomalho institucional, o discurso do mais alto, primeiro, supremo magistrado da Nação numa alocução política densamente litúrgica e sacramental tem um valor incomparável para qualquer cidadão amante da cidade. Em 2019, foram estas as palavras do Chefe de Estado acerca da Justiça. Tranquilamente, estamos perante os 9 melhores minutos que já ouvi a Marcelo Rebelo de Sousa. É uma intervenção que comenta e censura directamente a campanha para a continuação de Joana Marques Vidal como PGR e também a exploração mediática dos casos judiciais, fazendo uma pedagógica e inequívoca apologia do Estado de direito como se estivesse perante uma turma do 1º Ciclo. A salubridade do seu discurso pode medir-se com exactidão ao se procurar reacções na comunicação social e nos partidos. Pista: não existem. A estratégia de violação do Estado de direito pela direita e seus impérios mediáticos, reforçada pela indiferença da esquerda e seu proveito em ver o PS a ser perseguido e emporcalhado, gerou um apagamento completo sobre o repto lançado pelo Presidente da República num salão nobre da cúpula da Justiça portuguesa. 8 dias depois ficávamos a saber que essa censura tinha sido a decisão mais adequada ao número de revista levado à cena no único evento público que reúne todos os representantes dos poderes soberanos do Estado.

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João Miguel Tavares é o caluniador profissional de maior sucesso em Portugal. Mete muito dinheiro no bolso a fazer precisamente o contrário do que Marcelo advogou como necessidade urgente na comunidade que somos. Alimenta-se das capas da indústria da calúnia, faz condenações na praça pública ainda antes de sequer haver acusações, explora crimes cometidos por agentes da Justiça e órgãos de comunicação social, celebra a violação da privacidade e dos direitos fundamentais dos seus alvos, é sectário na perseguição ao PS e obsessivo no linchamento de Sócrates e terceiros relacionados, cultiva uma atitude messiânica em relação à santa Joana e ao providencial Pedro. Mas vai mais longe. Do alto do poder mediático e da influência social ao seu dispor, faz campanha para a diminuição dos direitos dos arguidos e das defesas, promove a inversão do ónus da prova, avalia a eficácia da Justiça exclusivamente pela quantidade de políticos presos e espalha sobre todas as instituições soberanas da República, as tais que se encontram obrigatoriamente uma vez por ano para dignificarem e elevarem a Justiça, uma acusação de corrupção. A corrupção mais grave que é possível encontrar, porque estrutural, declara. Este ser infantilóide e narcísico repete, por escrito e de viva voz, a cassete dos fogareiros e dos jarretas, dos broncos e dos pulhas: “Andam todos a roubar! As leis são feitas só para andarem a roubar!”. O seu catastrofismo taberneiro, alucinado e asinino até há uns anos não teria lugar na outrora dada a mínimos deontológicos imprensa de referência mas o descalabro dos impérios financeiros da direita, juntamente com a decadência intelectual e política em que se encontra, alterou as regras do jogo. No vale tudo das campanhas negras e golpadas envolvendo responsáveis das polícias e da Justiça, que começou em 2004 com Santana Lopes e se agudizou a partir de 2008 com Ferreira Leite e Pacheco Pereira a serem títeres de Cavaco, a direita desistiu de tentar vencer o PS pelo mérito das propostas e capacidade de persuasão positiva do eleitorado. O mais velho ataque político do mundo em sistemas democráticos, a calúnia, passou a ser o instrumento favorito de quem domina o ecossistema mediático e partes do Ministério Público. O produto oferecido por esta triste figura que assina as suas verrinas como “jornalista”, a exibição impante da sua superficialidade e facciosismo, o espectáculo do seu liberalismo de pacotilha e da sua hipócrita moral mercenária, o culto do seu fascínio consigo próprio e do delírio de se conceber como o regenerador da Pátria, isto e pior tinha e tem compradores. Com o convite de Marcelo para ser o protagonista do feriado favorito do Estado Novo, para além do dinheiro ganha agora um prémio que nem nos seus mais desvairados sonhos teria imaginado alguma vez obter: a consagração oficial pelo regime em agradecimento dos serviços como verdugo do monstro Sócrates.

No espaço de uma semana, o actual Presidente da República mostrou habitar em duas realidades paralelas. Numa delas, jurou, pela sua honra, desempenhar fielmente as funções em que ficou investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa. Pela sua voz, com mais logos do que pathos, representou na plenitude esse juramento no local e momento adequados. Na outra, é o “Presidente Eleito pela TV” que está a utilizar o Estado para promover o programa onde actua o seu assessor para a cultura e a maior estrela mediática da oposição ao Governo e ao PS (RAP), é o “Presidente Rei” que utiliza a Constituição para se substituir ao Parlamento e forçar equilíbrios e desequilíbrios contranatura num semipresidencialismo que não concebe a Presidência como agente de disputa política, é o “Presidente Sol” que convoca o lastro salazarista do 10 de Junho, esse “dia da raça”, para oferecer à direita um comício onde o populismo será levado para o palco e donde se pedirá a cabeça de Sócrates numa bandeja, dessa forma se tentando condicionar o trabalho de Ivo Rosa e demais juízes que venham no futuro a decidir sobre a “Operação Marquês”.

Marcelo Rebelo de Sousa entregou o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas a um fulano famoso apenas por ser um pulha bem remunerado, não ostentando qualquer outro mérito conhecido, na comunicação social ou em qualquer área de actividade humana. Alguém que se vangloria de não ter de ler, nem estudar, nem investigar, apenas de ser habilidoso em dar aos ignaros o que os ignaros gostam de papar. O Presidente de Portugal, portanto, oferece-nos uma excelente ocasião para descobrirmos se somos filhos de boa gente. Se somos portugueses.


Fonte aqui

3 pensamentos sobre “Como ofender os portugueses com três palavrinhas apenas

  1. Aqui também há festança, Dona Constança?

    José Sócrates
    8 de Junho de 2019 às 18:04

    Hum?

    São mesmo três palavrinhas, Valupizinho?
    José, 1, Só, 2, Crates, 3,
    Va, 1, Lu, 2, Pi, 3.

    Nota. Olha, que caraças, não é que tens mais uma vez razão?!

    [Viva Eu, Sempre Presente!]

  2. Um texto pretensioso mas ignóbil, miserável. JMT chamou a atenção da cidadania para os seguintes factos: a falência do Estado; a elevadíssima dívida externa com os encargos inerentes; a importância de importarmos grande parte do que consumimos; e consequência do anterior, a perda da soberania política e económica. E o que se responde aos factos? Nada, que com nada, dá nada! Tem estilo o escrevente de serviço, já o sabia, mas neste caso apenas destilou ódio, e acrescentou blasfémias como contra-argumento do que a cidadania sabe, que o País está falido, e entregue a uma classe política incompetente e permeável à corrupção, que tem valido às construtoras, e a troco de donativos aos partidos, a continuação de grandes «empreendimentos», assim como, noutras áreas, a celebração de vergonhosos contratos de PPP’s, etc. e tal. Tudo em favor dos poderosos, sem a criação de mais-valias para o País. Cereja no cimo do bolo, as grandes empresas ainda exportam os lucros para offshores, do que resulta a seca de capitais para investimento e incremento da economia. Quanto à justiça podemos continuar intranquilos, na medida em que as leis penais garantem a impunidade. Realmente, há dias de azar!

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