Pela democracia e pelas liberdades na Catalunha

(André Freire, Fernando Rosas, J.M. Nobre-Correia, Manuel Loff, Isabel Pires, in Público, 23/04/219)


Os subscritores deste manifesto consideram que o problema catalão é de natureza eminentemente política e pugnam pela libertação imediata dos líderes políticos e associativos catalães presos.


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Em fevereiro, começou em Madrid, no Supremo Tribunal, o julgamento de 12 líderes políticos e associativos catalães. São estes acusados pelo Estado espanhol de “rebelião”, “sedição” e “desvio de fundos” por terem organizado e implementado o referendo sobre a independência da Catalunha em 1 de outubro de 2017. Os acusados, detidos há já um ano e meio, declaram-se “presos políticos” e o julgamento tem sido descrito por diversas organizações e personalidades à escala internacional (a Prémio Nobel da Paz Jody Williams, parlamentares de vários países, etc.) como um processo político, exigindo a libertação dos acusados.

Contudo, não são apenas os líderes políticos e sociais catalães que são perseguidos pelo Estado espanhol e respetivo aparelho judiciário: há milhares de cidadãs e cidadãos catalães que participaram na organização do citado referendo e que são alvo de processos judiciais e correm o risco de prisão e/ou de pesadas penalizações. É o caso de vários professores universitários (de ciência política e de direito) nomeados pelo governo catalão para monitorizar o referendo, o que levou a Associação Americana de Ciência Política (APSA) a pedir ao primeiro-ministro Pedro Sánchez que o Estado espanhol retire de imediato as acusações contra estes profissionais. E é revelador o facto de as autoridades e os órgãos de comunicação social catalães terem sido oficialmente proibidos de usar expressões como “presos políticos” e “exilados”.

A acusação de “sedição” (isto é: o “levantamento coletivo de natureza contestatária contra as autoridades ou poderes estabelecidos, geralmente de carácter violento”) representa uma evidente tentativa de criminalização de uma atitude política. Mas enferma também de falta de objetividade: televisões e jornais do mundo inteiro mostraram claramente que foi o Estado espanhol que encetou uma mobilização sem precedentes de forças policiais para usarem a força contra cidadãs e cidadãos indefesos, e para tentarem impedir a realização do referendo de outubro de 2017. O processo atual contra os independentistas catalães põe assim um sério problema de liberdades públicas e de democracia. E tanto mais quanto a justiça espanhola é considerada como uma das mais politizadas da Europa e largamente suspeita de fraca imparcialidade.

As causas próximas da crise atual remontam a 2010: durante o consulado de José Luis Zapatero (então líder do PSOE e primeiro-ministro) foi aprovada uma reforma do Estatuto da Catalunha num sentido mais federal. A dita reforma foi aprovada por 85% dos deputados do Parlamento da Catalunha (2005), por 73,9% dos eleitores na Catalunha (2006) e, numa versão mais minimalista, por uma maioria absoluta no Congresso dos Deputados de Espanha (2006). Porém, o Partido Popular, recorrendo ao Tribunal Constitucional, fez rejeitar 41 artigos do Estatuto, levando desde logo ao impasse político-constitucional atual.

Os subscritores deste manifesto consideram que o problema catalão é de natureza eminentemente política, carecendo de soluções políticas e não judiciais, pelo que pugnam pela libertação imediata dos líderes políticos e associativos catalães presos. Almejam ainda que sejam levantadas as acusações contra todos os cidadãos catalães que participaram na organização do referendo. E instam os responsáveis políticos espanhóis e catalães a que encontrem uma solução política, de modo a que os cidadãos da Catalunha (“independentistas” ou “unionistas”) possam, em condições de igualdade de oportunidades e de lisura processual, votar livremente sobre o seu destino político-institucional. A bem de todos: da Catalunha, da Espanha e da União Europeia.


Subscritores:

Abílio Hernandez, professor de literatura e estética (*)
Adelino Maltez, politólogo (*)
Alfredo Barroso, cronista e ensaísta
Alfredo Caldeira, jurista
Álvaro Garrido, Historiador (*)
Ana Sofia Ferreira, historiadora (*)
Andreia Lourenço Marques, politóloga, activista de direitos humanos
António Borges Coelho, historiador (*)
Ascenso Simões, gestor, deputado do PS
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo (*)
Carlos Vargas, jornalista e economista
Cipriano Justo, médico, dirigente da Renovação Comunista (*)
Daniel Adrião, dirigente do PS, consultor
Daniel Oliveira, jornalista​
David Duarte, investigador em filosofia política
Diana Andringa, jornalista
Domingos Lopes, advogado
Elísio Estanque, sociólogo (*)
Fernando Oliveira Baptista, engenheiro agrónomo (*)
Filipe Piedade, investigador em Ciências da Educação e Estudos Políticos.
Francisco Louçã, economista (*)
Francisco Oneto Nunes, antropólogo (*)
Francisco Teixeira, professor de Filosofia e Ciência Política
Gaspar Martins Pereira, historiador (*)
Isabel Faria, médica, funcionária reformada da Comissão Europeia
Isabel Moreira, jurista, deputada independente do PS
Helena Roseta, arquitecta, deputada independente do PS
Joana Mortágua, politóloga, deputada do BE
João M. Almeida, químico, quadro superior na administração local
João Teixeira Lopes, sociólogo (*)
Jorge Araújo, biólogo (*)
José Manuel Pureza, politólogo, vice-presidente da Assembleia da República (*)
José Pacheco Pereira, Historiador, publicista (*)
Luís Monteiro, licenciado em arqueologia, deputado do BE
Manuel Brito, professor aposentado, ex-presidente do Instituto Nacional do Desporto
Manuel Carvalho da Silva, sociólogo, investigador (*)
Maria Isabel Loureiro, médica, professora de saúde pública (*)
M. Carmo Marques Pinto, advogada, membro do governo da Crida Nacional Per la República
Maria Manuel Roladesigner, deputada do BE
Maria do Rosário Gama, professora do secundário, dirigente da APRE
Marisa Matias, socióloga, eurodeputada pelo BE
Miguel Cardina, investigador em ciências sociais
Miguel Vale de Almeida, antropólogo (*)
Nelma Moreira, professora de ciências da computação (*)
Norberto Cunha, historiador (*)
Paula Godinho, antropóloga (*)
Paulo Fidalgo, médico, dirigente da Renovação Comunista
Paulo Filipe Monteiro, realizador (*)
Pedro Bacelar Vasconcelos, constitucionalista (*)
Ricardo Sá Fernandes, advogado
Richard Zimler, escritor
Rui Pato, médico e músico
Rui Pereira, professor, jornalista e ensaísta (*)
Rui Sá, Engenheiro e Membro da Assembleia Municipal do Porto pela CDU
Rui Tavares, historiador, dirigente do Livre
Sandrina Antunes, politóloga (*)
Sónia Duarte, professora do secundário e investigadora em Linguística
Ulisses Pereira, economista, deputado do PSD

(*) professor(a) universitário

4 pensamentos sobre “Pela democracia e pelas liberdades na Catalunha

  1. Em Outubro de 2017 escrevi este texto

    Homenagem à Catalunha

    Todos os povos têm o direito de decidir, livremente e sem constrangimentos, o seu enquadramento geopolítico e a forma de organização que entendam melhor satisfaça as suas necessidades coletivas.

    1 – A vassalagem portuguesa face a Rajoy
    2 – As contradições no seio do estado neofranquista

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    1 – A vassalagem portuguesa face a Rajoy

    Juncker, embora não goste de uma Europa que possa conter uns 90 estados considera que “a Europa não tem um papel a desempenhar no conflito evidente entre Barcelona e Madrid“ e que “cabe aos espanhóis resolverem este problema”. Trata-se de uma afirmação coerente, de não interferência num assunto interno de um estado-membro, embora seja também evidente que, depois de consensualizada uma eventual independência da Catalunha e esta vier a candidatar-se a membro da UE, a candidatura será certamente aceite.

    Na mesma linha, Donald Tusk, após a declaração de independência da Catalunha de dia 27/10, refere que “Para a UE, nada mudou. A Espanha continua a ser a nossa única interlocutora”. E acrescenta um apelo a Rajoy para escolher “a força do argumento e não o argumento da força”. Um conselho que as subserviências portuguesas não quiseram ou puderam expressar.

    Em 11 de outubro, na – até então – fase mais aguda da crise a propósito da questão catalã, o governo português mostrou-se prudente considerando o assunto como questão interna do estado espanhol, não deixando de evidenciar a sua subserviência a Rajoy que acabava de anunciar o recurso artº 155º (onde se prevê a suspensão da autonomia, entretanto concretizada). O governo português prescreve que “no quadro constitucional, sejam encontradas as soluções que assegurem a continuidade da Espanha unida, próspera, país irmão e parceira na União Europeia, na NATO”. Quando é consensual que a Constituição de 1978 precisa de revisão, o governo Costa avançava uma opinião sobre uma questão interna que é a unidade das várias nações que integram o estado espanhol; o que, em outras circunstâncias, mereceria um repúdio de Madrid e que foi, naturalmente, ignorado em Barcelona, dada a irrelevância de quem produziu a opinião, no contexto que se conhece.

    Precisamente, quando é a Constituição de 1978 que está em causa, a atitude de Costa em falar na defesa do quadro constitucional espanhol chama-se subserviência face ao Grande Irmão Rajoy; é um acto de vassalagem perante um estado que domina parte substantiva da economia portuguesa e que é a principal origem das importações e o primeiro comprador de bens portugueses. Nesse contexto de vassalagem, porque não oferecer-se Portugal para substituir a Catalunha como autonomia do reino bourbónico, assumindo o que é, em muito, a sua situação de facto ?

    A 27/10 António Costa reforça a subserviência face a Rajoy, contrariando as declarações prudentes de Juncker e Tusk, proclamando que a declaração de independência da Catalunha é “perturbação da vida política” espanhola, sobre a qual não tem que se manifestar. Na mesma linha, Marcelo Rebelo de Sousa, o actual figurante na função dessa inútil reminiscência monárquica denominada presidência da República comunicou que “O Presidente da República, tal como o Governo, reafirma o respeito pela unidade do Estado espanhol, incompatível com o reconhecimento da invocada declaração unilateral de independência da Catalunha, que, além de não respeitar a Constituição [espanhola], não contribui para a salvaguarda do Estado de direito democrático e o regular funcionamento das instituições”.

    Se ambos reconhecem tratar-se de um assunto específico do estado espanhol, não lhes compete meter o nariz no assunto; por razões bem mais elogiosas deveriam empertigar-se no caso de direitos humanos que assola os rohingyas. Como zelosos guardiões dos interesses pátrios deveriam ter em conta que o conflito na Catalunha não perturba a unidade patriótica em torno da geringonça, como aliás, também aconteceu com os fogos; e, por outro lado, também não se faz sentir grande pressão junto do governo por parte dos grupos de idiotas que reclamam a devolução de Olivença… mesmo que nunca se tenha ouvido um clamor dos oliventinos para o regresso à pátria lusitana. Em contrapartida, ninguém no estado espanhol, alguma vez terá comentado as quezílias entre o governo de Lisboa e o Jardim das delícias que floresceu na Madeira.

    A unidade e o funcionamento da ordem constitucional espanhola é assunto dos espanhóis, do seu governo e das suas comunidades autonómicas, independentemente do que no exterior se pense sobre isso, como aliás frisado por Juncker e Tusk; e, nesse sentido, o da aplicação da constituição espanhola, António Costa e o seu fabuloso antecessor nunca manifestaram opinião e menos ainda, repúdio, sobre um caso de direitos humanos da autoria do governo Rajoy – a ley mordaza que também se mostra um bom negócio fiscal.

    Antonio Costa e Marcelo para emitirem algo de válido e digno sobre a questão catalã, teriam de referir que “A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos” e, não o contrário, como se assiste, na ação do neofranquista PP; a qual “deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto” (Declaração Universal dos Direitos do Homem artº 21º nº 3). Mais concretamente, teriam de referir que a independência ou não, da Catalunha só pode resultar da vontade dos seus cidadãos, muito acima das simpatias ou antipatias de todos os que não estão incorporados no cenário catalão.

    E, para terminar, uma referência ao que Costa e Marcelo poderiam ter feito e não se atreveram a fazer. Fazendo jus à relação entre o povo português e os povos do estado espanhol, bem como às proximidades políticas e ideológicas entre as suas instituições governativas – diremos que se poderiam ter apresentado para intermediar o diálogo entre as duas partes do conflito centrado na Catalunha. De certo modo, compreende-se porque não o fizeram, pois andaram ambos, um a tentar apagar fogos e o outro, a dizer as banalidades habituais, entre abraços e beijos, aos quais acrescentou a importante declaração, nos Açores, sobre as suas capacidades… para coser botões; o que Cavaco não terá aprendido, porque tinha a consorte à disposição.

    Costa e Marcelo, como homens de direito e de direita, conhecerão e saberão interpretar a Constituição que, aliás, têm a obrigação de cumprir.

    • Diz o artº 7º nº 2 que “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos…”. Ora o governo de Madrid mantém-se na lógica imperial que é apanágio da dinastia Bourbón e insiste em formas de humilhação e agressão sobre o povo catalão que até agora, tem privilegiado apenas formas pacíficas de reivindicar os seus direitos; e, no âmbito da agressão, vai permitindo (se não mesmo incentivando) a atuação de grupos fascistas não só na Catalunha, como em Madrid, Aragão e Valência, como num regresso aos gangs falangistas dos pais fundadores do PP;

    • O mesmo artigo constitucional, no seu nº 3, estatui que “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.” Perante a realidade actual, Costa e Marcelo espezinham a Constituição que, aliás tem tido um tratamento deplorável por parte da classe política, a que se deve juntar o forte e primordial traço antidemocrático da própria Constituição e do modelo de representação naquela contido.

    Os catalães são um povo e não uma bancada de fãs do futebol ou de um cantor na moda. Para que Marcelo e Costa emitam posições de subserviência ao hegemonismo repressivo de Madrid e, simultaneamente, interpretem bem a Constituição terão de dizer que não há povo catalão e que os milhões de independentistas são arruaceiros; se, na Catalunha, só há arruaceiros, não têm aplicação os conceitos seguintes insertos no artigo acima referido.

    • Se ambos os trintanários de serviço reconhecem existir um povo catalão e se lhe retiram implicitamente, o direito à autodeterminação, independência e o direito de resistir à opressão, então não cumprem a Constituição. E aí entra mais uma blindagem constitucional que favorece o regime cleptocrático vigente; o Tribunal Constitucional não tem iniciativas, é apenas um analista do que lhe é colocado pela classe política. O desrespeito pela Constituição adormece tranquilo no ninho da serpente;

    • Assim sendo, a atuação servil e oportunista da dupla que se tem evidenciado em posições favoráveis ao governo de Madrid e ao sublime Rajoy, só pode encarar-se como de subserviência ditada pela situação de dependência económica de Portugal, muito mais pobre do que Espanha, no seu conjunto. Em 2015, Espanha acolhia 29% das exportações portuguesas e apenas 10% das suas exportações se destinavam a Portugal, num contexto de grande desequilíbrio financeiro pois as exportações portuguesas valiam $ 3800 M e as importações de Espanha $ 7200). E, por outro lado há uma dependência financeira, tendo em conta o papel dos bancos espanhóis em Portugal, o país onde existem mais filiais de empresas espanholas (335 que empregam cerca de 37000 trabalhadores).

    2 – As contradições no seio do estado neofranquista

    Franco preparou a sua sucessão repescando uma monarquia que havia sido abolida por iniciativa popular, após eleições locais em abril de 1931, com a constituição republicana aprovada pelas Cortes em dezembro desse ano. Foi uma Segunda República, pois entre fevereiro de 1873 e dezembro de 1874, vigorou a Primeira República.

    Essa sucessão recaiu num indivíduo superficial – Juan Carlos – que só valia por ser um Bourbón, um idiota útil para restaurar a monarquia e prosseguir, com nova roupagem, uma Espanha una e temente a Deus. Juan Carlos só teve de estar do lado certo no 23-F notabilizando-se depois disso, como matador de elefantes em África e de ursos na Roménia, para além das burlas que envolveram a família real e que levaram à sua abdicação.

    O centralismo ultranacionalista e autoritário que vigora no neofranquista PP gera um imobilismo repressivo com fundas tradições e que se não manifesta, a contrario, nas perdas de funções e soberania inerentes aos poderes das multinacionais, do sistema financeiro e das instituições zeladoras dos seus interesses, como a OMC, a Comissão Europeia, o BCE e os tratados instituintes da exacerbação dos direitos das multinacionais sobre o que resta dos estados-nação de pequena ou média dimensão. Essa vocação nacionalista mostra estar a exacerbar-se quando Rajoy e os seus pares (Ciudadanos e PSOE) dão rédea solta e maior visibilidade aos grupos fascistas, recordando a todos que Espanha foi o único país europeu onde o fascismo não foi derrotado, nos anos setenta mas, apenas reestruturado; no caso, através da habilidade de Adolfo Suárez em recrutar Felipe González e Santiago Carrillo para uma transição democrática muito cosmética.

    Sob a luz do que se passa na Catalunha entende-se perfeitamente que os governos espanhóis de hoje e de sempre, tenham sido sempre muito cuidadosos a propósito de secessões:

    • No caso do Kosovo, a Espanha não reconheceu a sua existência como estado independente, ao contrário dos outros países da UE; e não foi por pruridos face à sua natureza de entidade artificial que vive da enorme base americana de Bondsteel, dos apoios financeiros da UE e de vários tráficos mafiosos. A questão é que Espanha tem dificuldade em aceitar secessões não consensuais alheias, que poderiam funcionar como exemplo para as autonomias do estado espanhol, mormente a Catalunha e o País Basco, duas das regiões mais ricas do estado espanhol, ao contrário do Kosovo face à Sérvia. E, qualquer secessão que envolva o governo de Madrid não será facilmente consensual uma vez que o Pentágono não irá bombardear Madrid como fez em Belgrado para impor um novo estado-nação;

    • Espanha achou-se com o direito de incluir tropas nos esquadrões da NATO, em “humanitária atuação” no Iraque e no Afeganistão, naquilo que foram invasões, fora de qualquer ameaça daqueles países ao estado espanhol. Ficou célebre a presença de Aznar na Cimeira das Lajes e a sua colaboração na burla das armas de destruição massiva, bem como a terrível retaliação ocorrida na Atocha em 2004, que fez Aznar perder as eleições, depois de ter acusado a ETA. Não sabemos de Aznar foi um pré-Rajoy ou se Rajoy é um género de Aznar.2;

    • Se o regime neofranquista se achou com o direito de invadir terras estranhas e longínquas, mais legitimidade Rajoy encontra para uma intervenção na Catalunha, que toma como feudo de um tal Bourbón, a quem todos devem prestar vassalagem; embora goze de muita indiferença ou antagonismo por parte de republicanos, firmes defensores da unidade espanhola ou autonomistas e independentistas que, por maioria de razão, não aceitam o avatar;

    • Não deixa de ser curioso que Rajoy e o regime bourbónico seja tão inflexível em deixar os catalães decidirem sobre o seu futuro quando, nos anos 70, Espanha abandonou o Sahara Ocidental e o seu povo à ocupação marroquina e no âmbito da qual muitos saharauis se encontram refugiados, há décadas, mormente em Tindouf, na Argélia. É interessante perceber que Madrid não quer largar o filet mignon catalão mas que se livrou dos pobres saharauis, sacudindo as mãos; tal como preferiu no século XVII conjurar a revolta catalã em detrimento da intervenção em Portugal, empobrecido e com colónias a mais para defender, por parte de uma Espanha acossada e enfraquecida.

    • Curioso é também o comportamento do poder em Espanha (sempre partilhado entre PP e PSOE) face a Gibraltar, ocupado pelos ingleses há pouco mais de 300 anos. É certo que, em dois referendos, os gibraltinos votaram a favor da sua consideração como território britânico e com votações massivas que recusaram até qualquer soberania conjunta GB-Espanha. De facto, Gibraltar, pela sua dimensão geográfica e demográfica, tem a sua economia baseada na sua qualidade de offshore e, não quererá perdê-la como acontecerá às dúzias de outros registos espalhados pelo mundo. Com origem em Portugal, Gibraltar, nos últimos seis anos recebeu € 248.4 M, o que, anualmente corresponde a € 1380/habitante no Rochedo; e, certamente, Portugal não é a fonte mais relevante dos capitais fugidos à tributação ou angariados no crime que circulam em Gibraltar, bem como este território também está longe dos lugares cimeiros para onde se destinam capitais vindos de Portugal. Gibraltar pode ofender o orgulho dos espanhóis mas recebe diariamente trabalhadores andaluzes que lá vão ganhar a vida e… cabe perguntar se os magnatas e mafiosos espanhóis são suficientemente patriotas para não utilizarem os “serviços” de fuga fiscal e de lavagem de ganhos corruptos oferecidos em Gibraltar;

    • A respeito de Gibraltar há um aspeto mais relevante politicamente. No caso de Espanha se mostrar muito reivindicativa da soberania sobre o Rochedo… teria o embaixador marroquino na Moncloa a exigir a devolução de Ceuta, Melilla, Peñon de Velez, Peñon de Alhucemas e ilhas Chafarinas, com as alterações daí advindas sobre a soberania das águas e fundos submarinos; como sinal de boa vontade negocial… o embaixador talvez entregasse a Rajoy o testículo do seu venerado Franco, (ao que consta) perdido na guerra do Rif, nos anos 20 do século passado…

    • Se o governo espanhol se mostra muito reivindicativo face a Gibraltar terá de o ser também no capítulo das bases dos EUA lá próximas – Rota e Morón. Em Rota, no perímetro da base, há uma praia privativa para os americanos e suas famílias que tem uma alta rede que entra pelo mar e que a separa da praia pública, apinhada de gente. Cerca de 2010 uma movimentação popular exigiu o direito de frequentar a “praia da base” o que foi conseguido desde que os andaluzes se apresentem e identifiquem junto do portão da base; um apartheid na Andaluzia;

    • A UE mostra em 2017 uma atitude face às eventuais secessões no estado espanhol diferente da que adoptou em 1991 no que respeitou à Jugoslávia, sem se preocupar muito com as guerras e violências extremas, divisões familiares, ódios étnicos e religiosos que do seu desmantelamento advieram. Como se sabe a Alemanha queria alargar o seu mercado para os Balcãs e o Vaticano queria ter influência sobre as comunidades católicas da Eslovénia e da Croácia e apressaram-se a reconhecer a independência da Eslovénia e da Croácia. E os EUA, usaram a subtileza típica do Pentágono, para rapidamente avançarem em força e validarem uma Bósnia-Herzegovina que não se sabe bem o que seja enquanto estado-nação. Os sérvios eram o inimigo a abater. Primeiro porque tinham maltratado a Alemanha hitleriana enquanto muitos croatas católicos (os tenebrosos ustachas), saudosos da suserania austríaca até 1918, colaboraram com Hitler. Em segundo lugar, sendo os jugoslavos, na sua maioria, eslavos, a Sérvia, tradicionalmente próxima da Rússia era um inimigo a abater e daí que lhe tenham amputado o Kosovo para aí constituírem uma plataforma do crime organizado e, mais tarde empurrado o minúsculo Montenegro para a secessão, falhando contudo o mesmo propósito na Voivodina. O mundo germânico nunca gostou de eslavos, do norte, do sul ou do leste e, nem sequer Marx, como homem do século XIX, esteve isento dessa tara racista.

    • Em 2006, houve um referendo no Montenegro, ganho por aqueles que preferiram a independência em vez da continuidade da união com a Sérvia que se verificava desde o final da I Guerra Mundial, a despeito de uma cultura e língua comuns. O veredito popular foi aceite pacificamente pela Sérvia e o Montenegro foi reconhecido pela UE, tendo entretanto adoptado o euro como moeda, que também é moeda corrente, ainda que informal, na Sérvia. A Espanha reconheceu o Montenegro, como todos os outros países da UE; como aquele país não brilha no futebol, Rajoy não saberá da sua existência porque não aparece nas suas leituras únicas e compulsivas de jornais desportivos;

    • E o zigue-zague habitual dos avatares acampados em Bruxelas em animadas e corruptas conversas com os lobistas aceitou pacificamente a chamada separação de veludo, entre checos e eslovacos, deixando certamente roídos de inveja alguns moravos, rutenos ou sudetas. E não consta que o estado espanhol tenha contrariado ou ficado amuado com checos ou eslovacos e, menos ainda com os burocratas de Bruxelas. Pelo contrário, o exemplo poderia servir para monitorar uma eventual secessão da Catalunha.

    Vítor Lima

    https://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/10/homenagem-catalunha.html

  2. “Todos os povos têm o direito de decider livremente e sem constrangimentos….)

    Gostaria de perguntar aos distintos subscritores do manifesto, e ao ilustre autor do comentário supra, quando pensam iniciar uma campanha pelos direitos à autodeterminação dos povos Quimbundos, Bacongos, Ovimbundos, Mundimbas, e demais povos de Angola, para não falar dos Macuas, Macondes, Rongas, Tongas, e outros de Moçambique? Ou será que esses excelsos direitos apenas são extensiveis aos povos Europeus? E já agora seria bom saber se pensaram nas consequencias de tão nobres sentimentos ?

  3. Todos os povos, etnias, grupos linguísticos, de qualquer parte do mundo têm esse direito.

    Porém, a coisa é mais profunda.

    O modelo estado-nação é um género de demarcação de propriedade que inclui os viventes nesse domínio e direitos de senhorio sobre os mesmos por parte dos possuidores de riqueza e seus agentes (as classes políticas) agindo através do controlo de uma coisa invasiva, obscura, cleptocrática e repressiva chamada Estado; incutindo obrigações e um sentido de pertença a esses viventes que, muitas vezes pouco mais têm do que a roupa que trazem no corpo. Mas isso interessa menos aos detentores do poder do que a exigência de respeito por sacralizados trapos coloridos chamados bandeiras e musiquinhas guerreiras chamadas hinos; em tempos mais recentes passaram a exigir à plebe, competitividade, empreendedorismo e a inserção num género de espirais do DNA onde se enterlaçam o consumismo e a dívida

    Em suma, o estado-nação, nascido para acompanhar e solidificar o capitalismo, nunca foi mais do que prisão de povos; o que não invalida que um povo considere que ter um estado-nação próprio é menos mau do que estar submetido ou confinado num outro que considera estranho, opressivo

    Ora, a globalização iniciada com Colombo, Gama e Magalhães atingiu, sob o impulso neoliberal, um ponto perante o qual, a criatura estado-nação deixa de ser interessante para a acumulação de capital. E daí que o recurso à constituição de um novo estado-nação, pode instituir um novo poder que se poderá incrustar nas redes do capital fora da integração num plano mais alargado e ganhar maior autonomia.

    Como nascido na parte ocidental da Ibéria, defendo uma união dos povos da Península, democrática (a sério, não sob a forma das atuais democracias de mercado, com gangs partidários, com capitalistas e afins); no seio de uma União dos Povos da Europa com as mesmas caraterísticas

    Compete-nos procurar ver para além da poeira política e mediática do momento

    PS – Quanto ao texto dos peticionários é o habitual – o mundinho do evanescente trotsko-estalinismo com uns compagnons de route para dar um colorido à coisa

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