César e Catarina, e se não fizessem um favor à direita?

(Por Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 27/03/2019)

Estiveram os dois mal

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Quando, numa eleição, se sabe à partida quem será o vencedor e o perdedor os combates eleitorais tendem a não se fazer entre os principais partidos mas nas suas franjas. À direita, já se percebeu que guerrilha interna do PSD continuará e os seus promotores terão como principal objetivo desviar votos para o CDS e novos movimentos. À esquerda, a guerra será entre o PS e o Bloco de Esquerda. Não por qualquer razão ideológica ou por o PS ter mais dificuldades em trabalhar com o BE do que com o PCP, mas porque aquela é a sua fronteira eleitoral mais porosa. O PS e o Bloco partilham muito eleitorado e os socialistas sabem que é ali que podem perder ou ganhar mais votos. Com o Bloco acontece o mesmo.

Tudo isto me parece saudável. Este é o momento para sublinhar as diferenças entre os partidos da “geringonça”. E é neste pressuposto que ouvi Carlos César dizer que foi “penoso” negociar com os partidos à sua esquerda. O subtexto é evidente: estivesse o PS sozinho e tudo o que foi conseguido teria sido mais simples e rápido. Não é fácil vender este peixe quando se conseguem aprovar quatro orçamentos com um superavit primário histórico e quando assistimos ao descontentamento dos funcionários do Estado. Mas BE e PCP tentarão dizer o oposto: sem eles este governo teria sido igual a todos os que o PS teve antes. Até aqui, parece-me uma guerra normal. Preferia que se concentrassem um pouco mais nas suas verdadeiras divergências políticas, mas na hora de conquistar votos não podemos esperar grande sofisticação.

O erro que nenhum dos três partidos deve cometer é assumir a retórica da direita. Isso seria mortal para todos eles. Nem aquela que diz que o PS, no fundo, é igual ao PSD, tendo sido este entendimento contranatura, nem a que aponta o BE e o PCP como irresponsáveis em que nenhum partido sério pode confiar. Isso é matar os últimos quatro anos de maioria de esquerda, que são o melhor património que os três têm. Ou preferem que as pessoas se lembrem de Sócrates ou do chumbo do PEC?

Mas pior do que assumir esta retórica é fugir para o beco em que a direita quer acantonar as duas próximas campanhas: afastar a política dos holofotes e resumir tudo a um combate ético. É natural que o PSD e o CDS tentem ir por aí. A economia está por agora melhor, as contas públicas também, as pessoas estão satisfeitas e as medidas sociais deste governo têm largo apoio. Resta cavalgar uma espécie de excecionalidade imoral dos socialistas, que tem e continuará a ter Sócrates como pano de fundo. Agora são as famílias dos ministros, depois será outra coisa qualquer. É absurdo que a esquerda siga este guião nos seus confrontos. É sair do terreno onde toda ela ganha para ir lutar noutro, onde tudo o que se conseguiu nestes anos será esquecido.

Ao descentrar a campanha das grandes escolhas políticas, levando-a para a conversa sobre os familiares do PS, Catarina Martins faz um grande favor à direita. Não por fragilizar o PS, a quem tenta disputar votos, mas porque desconcentra dos resultados sociais e económicos destes quatro anos. São esses ganhos que ela deve disputar ao PS. Os que se conseguiram e os que não se conseguiram e se podiam ter conseguido. Dos passes sociais e salário mínimo aos défices mais baixos do que alguma vez foi exigido por Bruxelas. Duas coisas que deixam a direita sem nada para dizer, na realidade.

Como seria de esperar, a resposta veio rápida e em versão piorada, com Carlos César a dizer que o seu parceiro, por ter irmãs no mesmo grupo parlamentar, não pode dar lições a ninguém. A direita, que tem uma longa história de linhagens familiares nos seus partidos, ri-se por ficar de fora do alvo e conseguir que não se fale do que realmente vale votos para o PS, BE e PCP. E ainda se ri mais por o PS ter escolhido Carlos César para falar de nepotismo.

Olhem para a relação entre o PSD e o CDS ao longo destes anos. Não ficam a dizer o mesmo mas evitam os ataques mais rasteiros. Seria bom aprenderem com eles. Confrontem-se na política. As divergências são mais do que suficientes para fazerem duas campanhas e ainda ficar muito por dizer. É um confronto que vale votos e ajuda a clarificar muitas coisas para o futuro. Deixem o resto para a direita, que quer falar de tudo menos do que melhorou na vida das pessoas.


2 pensamentos sobre “César e Catarina, e se não fizessem um favor à direita?

  1. «Ou preferem que as pessoas se lembrem de Sócrates ou do chumbo do PEC?»

    Sócrates ou PEC IV?
    Ó cabeça expresso-dada explica à gente porque uma coisa e a outra e vice-versa não são o mesmo. Expressamente, até, segundo o o Bloco.
    Porque segundo o ponto de vista de Sócrates ele é o autor do PEC aprovado em Bruxelas que evitava Passos e a troika e o Bloco é o que votou para derrubar o governo e favorecer Passos e a vinda da troika.
    Logo o DO, afinal, fala segundo o ponto de vista do Bloco (saudades?): isto é, de duas coisas que são uma única.
    Os jogos florais do Bloco são ingénitos.

  2. Nota, prévia.

    O Daniel Oliveira não é aquele rapaz que, aqui há tempos, conseguiu pôr-se no topo desta discussão e ser ridicularizado, ou seja, passar a ser a cereja no topo do bolo… do disparate? Lembro-me de que o Luís Aguiar-Conraria escreveu qualquer coisa, mas não sei.

    Laços de família, risco de corrupção e conflitos de interesse (27.2.2099)

    A cereja no topo do bolo dos argumentos pró-Mariana foi um artigo de Daniel Oliveira no Expresso. Além de nos informar que toda a gente sabe que ela é fantástica, diz-nos que “foi formalmente promovida a uma função que na prática já desempenhava”. A ânsia de a defender é tão grande que qualquer disparate vale. Ela vai ocupar a pasta da Modernização Administrativa. Como é que isto é fazer o mesmo que fazia quando era secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro?

    https://www.publico.pt/2019/02/27/politica/opiniao/lacos-familia-risco-corrupcao-conflitos-interesse-1863429

    E a sogra? Ninguém nomeia a sogra? (27.3.2019)

    Por exemplo, já ficámos a saber por Carlos César — que, salvo erro, tem a mulher, o filho, a nora e o irmão em cargos políticos ou de nomeação política — que a irmã de Luís Marques Mendes é deputada e que Joana Mortágua é irmã de Mariana Mortágua. Informação surpreendente! Olhando para a cara delas, ninguém diria. É provável, e desejável, que no futuro fiquemos a conhecer mais casos. Nada melhor do que a transparência.

    https://www.publico.pt/2019/03/27/politica/opiniao/sogra-ninguem-nomeia-sogra-1866909

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