Ignorância e ódio velho

(Por Alfredo Barroso, in Jornal i, 04/03/2019)

1. EFEMÉRIDE – Espanta-me como criaturas completamente imbecis da direita mais reaccionária, intelectualmente desonestas e hipócritas, ignoram tão facilmente uma enorme porção de escândalos – como os do BCP, do BPN, do BPP, do BES, do BANIF, da Tecnoforma, do ‘canudo universitário’ do falso doutor Miguel Relvas, da herdade dos sobreiros, da compra dos submarinos, dos ‘Vistos Gold’, dos pequenos depósitos bancários feitos por um tal Jacinto Leite Capelo Rego que somaram um milhão de euros, e tantos outros pequenos, médios e grandes escândalos de corrupção em que estiveram mergulhados até ao pescoço vários políticos ‘graúdos’ do PPD-PSD e do CDS-PP – e como hoje em dia tais imbecis se atrevem a dizer que “estes agora são bem piores, escândalos atrás de escândalo, o ps no seu melhor” (sic), sem todavia nos dizerem que escândalos são esses. A hipocrisia, o fanatismo e o facciosismo são, de facto, características dominantes desses e dessas imbecis irresponsáveis da direita que surgem no ‘facebook’ a odiar, a insultar e a acusar sem provas.

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O ódio vigilante dos medíocres não dá tréguas. Ainda há poucos dias, a evocação de um facto político ocorrido há mais de 30 anos – ilustrado por uma foto da varanda da sede, na praça do Saldanha, da primeira candidatura vitoriosa de Mário Soares a Presidente da República, na noite de 16 de Fevereiro de 1986 – foi para mim uma grata recordação, mas também foi, para alguns imbecis ignaros, mais um pretexto para manifestarem a sua ignorância e o seu ódio sempre vigilante.

Comentei essa foto, publicada no dia 16 de Fevereiro por uma ‘amiga de facebook’, explicando que, nesse momento, preferi resguardar-me atrás da janela e não quis chegar-me à frente, sobretudo quando vi alguns ‘paraquedistas’ e ‘apoiantes de última hora’ disputarem como doidos um lugar à frente na varanda. Mas foi, de facto, uma noite memorável. Lembro-me de ter estado, horas antes, com o meu primo-irmão Mário Barroso em casa do ainda candidato – com ele e a nossa tia Maria Barroso – à espera que chegasse a confirmação da vitória, por uma ‘unha negra’ – ainda mais saborosa por isso mesmo – ao cabo duma inesquecível eleição presidencial a duas voltas. Eu tinha 41 anos e o novo Presidente 61.

Dias depois, quando ferviam notícias nos jornais sobre quem é que Mário Soares iria escolher para Chefe da sua Casa Civil – e choviam nomes de gente famosa, todos eles sem acertarem no alvo – o Presidente eleito chamou-me ao seu gabinete, na sede de campanha, que era ao lado do meu gabinete, e perguntou-me se eu aceitava ser o Chefe da sua Casa Civil. Ninguém acreditará mas é mesmo verdade que não estava à espera, e nem sequer essa possibilidade me passara pela cabeça. Mas aceitei, com muita honra. E lá fomos os dois para o Palácio de Belém, e lá ficámos durante dez anos. Saí de lá com 51 anos e Mário Soares com 71. Mas, depois desses dez anos deveras interessantes, e não só do ponto de vista político, decidi dar por terminada a minha vida política activa, não regressando sequer à militância partidária. Ainda fiz uma ‘perninha’, de que muito me arrependi, como administrador da Fundação de São Carlos, convidado pelo ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho…

2. ÓDIO VELHO – Eis senão quando, de volta ao ‘facebook’, leio o comentário duma Fulana, de rara singeleza: “Lembro-me bem de essas eleições, foi nessas eleições que Cunhal mandou os comunistas fecharem os olhos e votarem Soares” (sic). Depois leio com perplexidade o que escreveu Beltrano: “Quanto mais teria sido feito se Freitas do Amaral tivesse sido eleito? Provavelmente muito” (sic). E logo a seguir leio o que escreveu um Sicrano afogado em ignorância: “E assim se prosseguiu no descontrolo das contas públicas, e a dívida a crescer” (sic). “Sancta simplicitas”!

Note-se que omiti os nomes verdadeiros, para não os humilhar. Mas não lhes vou poupar os factos reveladores de tamanha ignorância. O erro de Fulana nem é grave: o que Álvaro Cunhal disse aos comunistas foi que tapassem a foto de Mário Soares no boletim de voto mas não se enganassem e pusessem a ‘cruzinha’ à frente dela. Se fechassem os olhos, não conseguiriam votar. Quanto à fantasia de Beltrano, deu-lhe, coitado, para sonhar com o seu pequeno ‘paraíso perdido’, já habitado por Cavaco e ainda à espera de Freitas. Havia de ser lindo! Já se sabe que, se não tivesse havido o ‘25 de Abril’, também não teria havido liberdade e democracia! E Beltrano e amigos reaccionários, em vez de Freitas e Cavaco, teriam tido Tomás e Caetano…

Já Sicrano, perfeito imbecil que representa uma irritante e ignara estupidez, merece que exponha a sua ignorância. De facto, à luz da Constituição, só o Governo detém o poder executivo – e legislativo, administrativo, económico e financeiro – sendo dele a responsabilidade de gerir bem as contas públicas e, obviamente, a possibilidade de as ‘descontrolar’. Mais: quando Soares foi eleito, em Fevereiro de 1986, o Presidente da República nem sequer tinha ‘autonomia financeira’ relativamente ao seu próprio orçamento, que era estabelecido, exclusivamente, pelo Governo. E esta verdadeira aberração jurídica e constitucional só seria corrigida dez anos depois, já durante o primeiro mandato do Presidente Jorge Sampaio. Falo por experiência própria: fui o Chefe da Casa Civil do PR Mário Soares, durante os seus dois mandatos.

3. IGNORÂNCIA – Ao ler a crítica que lhe fiz, Sicrano, caso perdido, escreveu este mimo: “O ‘socialismo’, sr. Alfredo, essa marca que 4 décadas passadas tanto tem contribuído para uns tantos. E qual é o nosso lugar, como país, cada vez mais na cauda da Europa? Endividados como nunca…” (sic). Sicrano é ‘poucochinho’, nocivo e ignaro. Convirá, por isso, lembrar factos históricos indesmentíveis.

Desde logo, deverá ser recordado que um dos grandes ‘descontrolos’ das finanças públicas se ficou a dever aos três Governos da Aliança Democrática (AD), entre 1979 e 1983, designadamente: a perda de competitividade da economia; o agravamento brutal do défice externo; enorme endividamento em dólares das empresas públicas; e recusa de financiamento por parte do sistema financeiro internacional, face a um défice externo recorde. Pois bem, foi ao Governo do ‘Bloco Central’ (PS-PPD/PSD), chefiado por Mário Soares, entre 13 de Junho de 1983 e 6 de Novembro de 1985 (já que Cavaco rompeu a coligação mal foi eleito presidente do PPD-PSD), que o país ficou a dever: a recuperação da competitividade da economia; o controlo das contas públicas; o excedente da balança de transacções correntes; a eliminação do défice externo; a restauração da credibilidade de país face às instituições internacionais; a abertura do processo de reprivatização de importantes sectores da economia que tinham sido erradamente nacionalizados; a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE, hoje União Europeia); a abertura ao mercado espanhol e as transferências de fundos de Bruxelas, graças à integração europeia.

Convirá, enfim, salientar os graves erros dos Governos de Cavaco. Como escreveu, em 2005, Teodora Cardoso: “Ao contrário da moda recente de criticar a opção pelas infraestruturas, não me parece que esta tenha sido um erro. Erros sim – e graves – foram a incapacidade: de usar eficazmente os fundos de formação profissional; de levar a cabo uma reforma do sistema de ensino que privilegiasse as necessidades da sociedade e da economia; de proceder a um correcto reordenamento do território e a uma reforma do processo orçamental que permitisse a descentralização racional da gestão pública; de criar uma administração pública e parceiros sociais preparados para encaminhar Portugal no sentido que a integração europeia e mundial lhe impunham. Ao contrário do que por vezes se diz, o facto de se construir estradas não impedia que se melhorasse a qualificação dos portugueses. Pelo contrário, face à abundância dos fundos estruturais e ao crescimento rápido da economia e da sua capacidade de financiamento, ambas as opções eram não só possíveis como, até, indispensáveis”. Foram, aliás, as consequências de tais erros – défices excessivos do sector público administrativo; aumento da despesa pública superior a 12 % entre 1990 e 1995; taxa de crescimento muito baixa (0,8 % em vez de 2, 8 %, como ele tinha prometido, entre 1991 e 1994); taxa de desemprego a crescer (superior a 7 % em 1994) – que levaram Cavaco, após o célebre ‘tabu’, a decidir afastar-se, não só da chefia do Governo mas também da liderança do PPD-PSD, passando, pois, a ‘batata quente’ para as mãos de Fernando Nogueira, que lhe sucederia na presidência do PPD-PSD e que viria a ser derrotado pelo PS de António Guterres nas eleições legislativas de 1995. Esta é a verdade dos factos, que nada tem a ver com a colossal ignorância que alimenta o ódio velho de tantos imbecis nas redes sociais!

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


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5 pensamentos sobre “Ignorância e ódio velho

  1. quero saudar um texto que coloca a nu e desmistifica a parábola da direita quanto as contas certas e ao investimento ,e a realidade e só uma com os governos da direita o pais retrocede !

  2. O Eduardo Barroso também chegou a confidenciar em público – ainda embriagado com o populismo de 3º grau do Carvalho – que o tio um dia lhe disse que dava um bom presidente de câmara. Quanto não vale um tio.

  3. Em Portugal não há Esquerda nem Direita , mas sim um Conjunto de Salafrários que se alternam nos sucessivos Governos para ver quem rouba mais (sic) Jose Saramago – Nobel da Literatura

  4. A direita tem ao longo dos anos mentindo, manipulando descaradamente a informação política que chega aos portugueses. Aqui está um comentário lúcido que traduz a verdade dos factos durante os anos que a direita e os seus algozes governaram o país.

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