Um tweet

(Marisa Matias, in DN, 11/02/2019)

marisa1

“Fixem bem este nome: Lara. Tinha 2 anos e foi assassinada pelo pai. A 7 de fevereiro, a violência doméstica conta já com dez vítimas mortais. Da próxima vez que disserem que não há desigualdade de género, que não há discriminação ou violência contra as mulheres, lembrem-se da Lara.”

Escrevi estes 240 caracteres na minha conta de Twitter e não me lembro de tamanha onda de insultos. Não falo de debate de ideias, falo de insultos. Aparentemente, uma coisa não tem nada que ver com a outra que também não está relacionada com a outra coisa. As coisas são: o assassínio de uma criança pelo próprio pai, a violência doméstica e a desigualdade de género. Pois, insisto: não devemos esquecer este nome, o horror e as suas causas. Falo de um crime abjeto com um motivo deixado escrito pelo próprio homicida: culpar a mãe. A mãe que foi vítima de violência doméstica. A violência doméstica que resulta da desigualdade de género.

O caminho para o reconhecimento da violência doméstica e da sua causa principal, a desigualdade de género, foi longo. Mas, em 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas publicou a Declaração para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, na qual a definiu como uma manifestação das relações de poder desiguais entre homens e mulheres. Em 1995, a Declaração de Pequim reiterou esta posição, assim como, em 2005, a Organização Mundial da Saúde.

Esta menina, como tantas meninas e meninos, foi uma vítima trágica da violência doméstica, tal como a sua avó. Falhámos à menina, à mãe e à avó e não podemos silenciar essa falha. Ontem, aqui mesmo no Diário de Notícias, podia-se ler: “Por acaso”, descreve a Polícia Judiciária, “uma mulher não entrou para a estatística negra das mortes por violência doméstica, que neste ano já chegam a dez”. Infelizmente, em pouco mais de um mês, são já dez vítimas de violência doméstica, sendo as últimas Lara e a avó. Esta senhora poderia ter sido a 11ª. Em pouco mais de um mês, são já um terço das vítimas de 2018 e metade das vítimas de 2017. Em Portugal, o homicídio baixa e o femicídio aumenta.

A agressividade perante o tweet levou-me a ver os perfis de algumas das pessoas que se recusam a ver o problema. Encontrei de tudo, desde quem lhe pareça normal autodescrever-se como “CEO de minha casa (só às vezes)” até quem tem por hábito publicar vídeos que ridicularizam mulheres ou quem ache que ataca o primeiro-ministro por compará-lo a uma mulher. O nível de tolerância – de homens e de mulheres – perante a desigualdade de género e a violência doméstica é assustador. É como se metade da sociedade pudesse não contar tanto como a outra metade e nenhum problema houvesse com isso. Educação, prevenção e perceber que se trata de factos e não de matéria de opinião são caminhos fundamentais para começar a lidar com o problema. Isso e não calar.


Eurodeputada do BE

3 pensamentos sobre “Um tweet

  1. Os 40 anos de condução do país pelos partidos (PS, PSD e CDS) que sempre foram ignorando o problema da Educação (da ileteracia, ou seja, da incapacidade de cada cidadão autonomamente ser capaz de analisar o mundo à sua volta e ver factos, causas e consequências) pois lhes daria jeito para gerirem o país à medida dos interesses de cada partido no momento e individuais de cada governante, levou a que a ignorância fosse levada a afirmar-se sobre a cultura.

    • se não fosse o PS ter governado o país durante muitos desses anos Eu queria ver a que nível estava este País. se só tivesses sido governado pelos herdeiros de salazar, filhos (alguns bastardos) da assembleia nacional aí sim é que tú estavas bem, para não falar acerca da euforia das cooperativas e ucps se não tem sido travada coitados dos Portugueses. não reclames de tudo de bom (com alguma coisas menos boas) que te tem proporcionado, AGRADECE, nunca te canses de agradecer.

  2. É difícil reconhecer os erros das cedências às políticas de direita que o PS fez! Desde logo ter-se deixado conduzir pela CIA (pelo embaixador americano durante e depois do 25 de Abril de 1974) na contra-revolução e apoiado ou ignorado os actos do ELP e Spínola nessa senda e a hipoteca e venda das grandes empresas portuguesas ao desbarato!

Leave a Reply to costanetosterCancel reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.