MP ocultou despacho que afastava suspeitas contra Sócrates

(Micael Pereira, in Expresso, 09/02/2019)

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Ao fim de três meses de análise às contas de José Sócrates e da sua mãe na Caixa Geral de Depósitos (CGD) e do empresário Carlos Santos Silva no então BES, tudo se precipitou no mesmo dia: 19 de julho de 2013. Nessa data, numa investigação informal que estava a ser desenvolvida com o formato de processo administrativo (PA) e que acumulava já várias centenas de páginas — o PA 806/2013, iniciado com base num relatório produzido pela CGD em que o alvo era José Sócrates —, um procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) assinou um despacho com efeitos imediatos. Só uma parte desse despacho era conhecida até hoje. O seu conteúdo, no entanto, pode vir a ter implicações no desfecho da atual fase em que se encontra a Operação Marquês, o processo de corrupção que tem como protagonista o ex-primeiro-ministro, e na avaliação que o Tribunal Central de Instrução Criminal terá de fazer sobre se o Ministério Público cumpriu as regras de defesa dos direitos dos arguidos — ou, pelo contrário, andou a contorná-las durante a sua investigação a Sócrates.

Na primeira parte desse despacho de 19 de julho de 2013, o procurador Rosário Teixeira escreveu: “No que se refere às pessoas objeto da comunicação inicial, José Sócrates Pinto de Sousa e sua mãe Maria Adelaide Monteiro, entendemos não terem sido reunidos elementos que confirmem as suspeitas iniciais suscitadas pelas operações, quando vistas isoladamente, pelo que se não justifica quanto aos mesmos, salvo melhor informação, o prosseguimento da investigação em inquérito e se determina o arquivamento do presente PA.”

Ficavam, assim, afastadas as suspeitas levantadas num relatório enviado pela CGD a 12 de abril de 2013 para a Polícia Judiciária (PJ) e o DCIAP de que a conta da mãe do ex-primeiro-ministro poderia ter servido de “conta de passagem” para fazer chegar-lhe mais de meio milhão de euros vindos de Carlos Santos Silva.

Em contrapartida, na segunda parte desse despacho, o procurador pronunciava-se sobre os factos descobertos no âmbito de um outro PA, o 201/2012, que tinha sido fundido com o PA 806/2013 por ter também a ver com o empresário Carlos Santos Silva, e mandava extrair uma certidão para abrir um inquérito-crime. “Entendemos assim que os elementos já recolhidos em sede de prevenção fazem indiciar quanto a Carlos Santos Silva a prática de crime de fraude fiscal e mesmo de branqueamento de capitais, justificando-se assim o prosseguimento da investigação em sede de inquérito.” Esse inquérito teria início horas depois, com a conversão do PA 806/2013 na Operação Marquês.

No entanto, só esta segunda parte do despacho foi copiada para os autos da Operação Marquês. A primeira parte, sobre o arquivamento das suspeitas a Sócrates, manteve-se oculta até janeiro de 2019, quando o procurador foi obrigado a disponibilizar a versão integral do PA 806/2013, cumprindo uma exigência feita pelo juiz Ivo Rosa, responsável pela fase de instrução do processo-crime.

A ESTRATÉGIA DE BASTIDORES DO MP

Apesar das suspeitas contra Sócrates terem sido arquivadas no âmbito do PA a 19 de julho de 2013, o Expresso verificou que as transações entre Carlos Santos Silva, Maria Adelaide Monteiro e José Sócrates constam logo a partir da página 10 do primeiro volume dos autos da Operação Marquês. O facto de o processo ter começado tendo apenas como suspeitos formais Carlos Santos Silva e a Codecity — uma empresa do antigo administrador da Portugal Telecom Rui Pedro Soares, para a qual o empresário transferiu 600 mil euros em 2012 e que deu origem ao PA 201/2012, que veio a ser integrado no PA 806/2013 — teve consequências importantes para a investigação.

Como não estavam nesse momento em causa indícios de corrupção mas apenas de fraude fiscal e lavagem de dinheiro, o procurador Rosário Teixeira conseguiu evitar ter como polícia de investigação do caso a PJ — que tem uma equipa especializada nesses tipos de crime — e viu ser-lhe aprovada em vez disso uma equipa da Autoridade Tributária coordenada pelo inspetor tributário Paulo Silva, com quem vinha a fazer uma espécie de parelha no MP em grandes processos-crime, desde a Operação Furação, em 2005.

Outros elementos encontrados no PA 806/2013 reforçam a ideia de que o arquivamento ditado por Rosário Teixeira às suspeitas sobre Sócrates terá correspondido apenas a uma estratégia de bastidores do MP.

Para justificar a abertura da Operação Marquês, o procurador não deu ênfase aos 600 mil euros transferidos de Carlos Santos Silva para a Codecity de Rui Pedro Soares, mas antes à “manifesta incongruência” entre os 3,8 milhões de euros de rendimentos declarados por aquele empresário entre 2004 e 2012 e os mais de 20 milhões em “movimentos financeiros e investimentos imobiliários detetados” nesse mesmo período.

Já depois de a Operação Marquês ter início, o procurador assinou um ofício a 5 de agosto de 2013 no âmbito do PA que era suposto já ter sido encerrado. Esse ofício era endereçado ao Banco de Portugal e nele Rosário Teixeira pedia informações sobre a adesão de Santos Silva aos RERT II e III, os regimes extraordinários de regularização tributária lançados em 2010 e 2012 para quem quisesse repatriar voluntariamente dinheiro escondido no estrangeiro a troco de uma taxa de imposto de apenas 5% e da garantia de segredo sobre a sua origem.

A justificação que o procurador dava para pedir o acesso aos RERT de Santos Silva era de que havia contas em Portugal do empresário “por onde transitaram fundos que se suspeita não serem do mesmo, mas estarem sim a ser utilizadas para fazer circular fundos de terceiros, estes com indiciada ligação a funções públicas”. Sem mencionar o seu nome, parecia referir-se claramente a Sócrates. Esse ofício, que nunca teve resposta, foi enviado ao Banco de Portugal no âmbito do PA 806/2013 um mês antes de os RERT terem sido referidos pela primeira vez, a 5 de setembro de 2013, nos autos da própria Operação Marquês, num relatório produzido pelo inspetor Paulo Silva e num despacho subsequente em que Rosário Teixeira pedia ajuda ao juiz Carlos Alexandre para quebrar o segredo dessa informação. O que veio a acontecer.

10 pensamentos sobre “MP ocultou despacho que afastava suspeitas contra Sócrates

  1. parece que os conjurados estão a ficar com a careca à mostra.isto e de rir para não chorar,e no final vão ter de pedir desculpas e indemnizar o engenheiro José Sócrates , para onde vais justiça ?.

    • Hum.

      Nota. Sem resposta, ó Manuel G.? Queres ver que este é um daqueles sinais de que os bandidos da PGR, numa equipa liderada pelo grande bandido Rosário Teixeira, se estão todinhos a rir daqueles desmiolados que sempre falaram numa operação política (!) concertada entre os tipos do MP concubinados com os mauzões do CM e da imprensa popular? Por agora, a firma Valupi, Tangas & C.ª, Limitada permanece em silêncio… foi outro tiro para o ar que acabou por acertar em cheio na moleirinha do José “dark side” Sócrates?

      #ameninadosteleones, hibernou?

      [A seguir.]

      • Fica a promessa, RFC. Um destes dias escrevo um artigo aqui no blog só dedicado a responder às tuas diatribes e ao teu patológico ódio ao Sócrates. Já te disse que ultrapassas o JMT pela direita baixa. Já tenho dados mais que suficientes para fazer a “psicanálise” às tuas fobias. Aposto que não irás gostar, mas que queres, como dizia o Tó Guterres: “É a vida…”.

        • Ó Manuel G., não te erices.

          Nota outra, suplementar. Vê antes as coisas assim, em três passos, ou quatro?, e eis o que me parece ser uma leitura correcta do artigo do Micael Pereira, no Expresso: 1. Houve uns bandidos na CGD, quem exactamente?, que encontraram umas movimentações exóticas entre as contas do menino José Sócrates e a da mamã e, vai daí, coligiram essa informação e, cumprindo a lei e as boas práticas bancárias (!), enviaram tudo embrulhadinho com se fosse um cadeau para o carteiro ir entregar ali ao palácio onde estão os bandidos da PGR e da Joana Marques Vidal; 2. Estes malditos do MP, veja-se só!, que dão trabalho a bandidos e ao mais-pior de todos chamado Rosário Teixeira, desembrulharam com cuidado o tal cadeau enviado pela CGD e investigaram o sificiente mas, depois de verem tudinho à lupa, entenderam que eram transferências entre a mamã e o seu filhinho amado do coração; 3. Então a mula, como se diz no mundo do crime, a mula do pilim era, afinal, um benemérito até então completamente desconhecido da opinião pública portuguesa de nome Carlos Santos Silva (o da compra do apartamento em Paris, o que adquiriu resmas de livros d’A Confiança no Mundo até que essa obra-prima chegasse ao top da Fnac, o que levava montes de papel para lhe dar em mão quando as coisas se descontrolavam com o saldo bancário, semanalmente? menos?, o que fazia seguir envelopes para Paris no popó do João Perna, o que levava montes de notas em mão para pagar as férias cinjuntas, as do lulu e das lulus respectivas, como se já imaginasse o quevira o Carlos Fino fazer no Iraque e antecipando o que se iria passar, uns anos depois, na Venezuela, o mesmo que fazia transferências para a chavala angolana que vive na Suiça, que pagava as viagens até Portugal, que tratava das propinas de uma outra rapariguinha que andava na FLUD, que empregava e que abonava a ex-Sofia nomeadamente com o empréstimo bancário para adquirie um monte alentejao, o que, o que, o que, o que, o que, e, ponto importante, o que tinha comprado, afinal, os andares suburbanos que a mamã herdou do seu pai do volfrâmio e que, hello!, transaccionou o próprio T3 onde morava no Heron Castilho que estaria, aparentemente, por detrás das exóticas transferências familiares… e o que, o que, é melhor ficarmos por aqui), pelo que o Rosário Teixeira fechou, respeitosamente, um buraquinho onde cabia apertadinho um grilo e abriu, então, o arejado portão da garagem socrática de par-em- par e que, imagina tu!, poderia explicar uma parte desta história que se viria a revelar inacreditável, nomeadamente o tal… cadeau embrulhado da CGD.

          Como vês são três passos, simples. E é simples de decifrar, também isto, ou não será?

          https://www.youtube.com/watch?v=Fqsn2DoxbuU

          A data é de 2009, acho, muito antes de 19 de julho de 2013 de que fala o artigio portanto.

          • Adenda, outra.

            Nota. Manuel G., vi que ali ao lado te queixas das maleitas sofridas pelo teu umbigo, nada contra mas… Ainda assim, fica mais uma valsa como diz o excelente Vasco Pulido Valente.

            Rico homem
            9 de Maio de 2009 por Tiago Mota Saraiva
            http://5dias.net/2009/05/09/rico-homem/

            1. O Tiago é um tipo engajado, sabe-se, apesar de manter as suas mãos suficientemente livres acho.
            2. Assinalo ainda o cuidado dos comentários, o que é interessante para quem fazer um coevo state of the art (o Valupi, por exemplo, já tinha nascido pelo que estaria, por esta altura, no seu período pictórico mais exaltante… e desconversaria sobre o quê, a propósito?).
            3. Há um comentário, o das 13:35, que, à luz do que hoje se sabe hoje, veio a revelar-se premonitório.

            10 de Maio de 2009 às 13:35

            _____

            4 de Fevereiro
            O meu amigo Luís Marques Mendes
            é o melhor valsista de Portugal. Anda
            sempre a três tempos. Tem sempre três
            argumentos, três razões, três cenários,
            três obstáculos, três erros, três factos,
            três culpados e três informações muito
            confidenciais. É a pessoa mais ternária do
            mundo.

            No P. de Sábado, em papel.

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