No jornalismo o mais importante é a informação

(José Pacheco Pereira, in Público, 12/01/2019)

JPP

Pacheco Pereira

Um dos problemas do jornalismo contemporâneo português é a sua pouca atenção à informação e a sua substituição pela opinião. A opinião é um elemento importante do tecido democrático que estende pelo espaço público o debate, mas não substitui a informação, o velho programa do jornalismo de “quem, o quê, quando, onde, porquê e como”. Ora o que se está a passar é uma contínua degradação da informação e, pior do que isso, da “vontade de informar”, em detrimento de uma informação opinativa, uma forma de “narrativa” que envolve subjectivamente o seu autor naquilo que relata, e o prende a uma sucessão de opiniões e a uma escassez ou deturpação de informações.

Já tenho várias vezes denunciado esse processo que se tem acentuado à medida que as redacções se tornam mais desertificadas, mais hierarquizadas e mais feudalizadas. E é um processo mais grave na imprensa de referência. Quem cobre um partido, ou uma área da cultura, ou do espectáculo, ou uma manifestação de rua, é hoje pouco mais do que um jornalista ou dois, e muito menos uma equipa, mesmo nos grandes jornais. Esse(s) jornalista(s) é (são) “especializado(s)” num assunto, o que em si é positivo, mas detêm o controlo da “narrativa” sobre esse assunto, o que é mau. Isto soma-se ao efeito do “jornalismo de rebanho” que isola as opiniões solitárias e tende a uniformizar o produto final, e a diminuir o pluralismo.

São eles também que falam com as “fontes”, muitas delas abusivamente anónimas, e com todos os problemas que essa relação tem, havendo quase sempre uma espécie de tradoff entre jornalista e “fonte”. E não adianta rasgar as vestes porque toda a gente sabe que é assim, a que acresce a relação muito menos transparente com as agências de comunicação. Ainda me estão por explicar por que razão quando uma empresa, um escritório de advogados, uma consultora, paga a uma agência de comunicação consegue “colocar” as sua notícias e quem não tem ou não paga o serviço, não consegue publicar nada, independentemente do seu valor informativo. Os casos mais evidentes são as páginas especializadas, por exemplo, do jornalismo económico.

Existe jornalismo tendencioso por simpatia política, mas nem sequer é disso que estou a falar, embora o produto final possa caber nessa categoria. Um exemplo, do falhanço de informação, que neste caso não cumpriu a obrigação de informar, foi o completo desconhecimento na campanha eleitoral brasileira para as presidenciais em Portugal, de que havia uma forte simpatia a favor de Bolsonaro, que depois se revelou nas urnas. Os nossos jornais dedicaram muito mais atenção ao PT, nem sequer se interessando por um fenómeno também nacional.

Mas voltando à feudalização crescente nos jornais – o jornalista A “manda” no que se publica sobre a Europa, o B sobre a crítica de livros, o C sobre o PS, etc. – e condiciona a “narrativa” sobre essa matéria, e nesse caso acaba por ser envolvido no que escreve. Se diz que um autor ou um artista são muito bons, muito dificilmente dirá que são maus, mesmo que as suas obras futuras sejam de inferior qualidade. O mesmo se passa com a apreciação das pessoas em que factores de simpatia ou antipatia são inevitáveis e acabam por condicionar a “narrativa”.

O que acontece é que se algum facto ou actuação colocar em causa a apreciação jornalística, quem fica em causa é também o jornalista, porque algures cometeu um erro de julgamento ou de apreciação, ou porque se envolveu tanto com uma opinião pessoal ou de grupo, que não pode, consegue ou deseja sair desse casulo em que se meteu. E é por isso que as “narrativas” não mudam, porque há uma resistência psicológica à mudança, quando ela põe em causa todo um perfil, toda uma série de apreciações, toda uma sucessão de opiniões. É por isso quando alguém é bom, ou esperto, ou hábil, ou responsável, fica sempre assim, porque não são os factos que mandam, mas o julgamento opinativo do jornalista. E quem é mau, ignorante, desleixado, incompetente, fica também sempre assim, pelas mesmas razões.

Com a solidificação da “narrativa”, os factos deixam de contar porque ou são híper-valorizados para acentuar uma opinião, ou são ignorados se se tornam “factos incómodos”, porque colocam em causa a apreciação que o jornalista tem feito, nalguns casos de há muito tempo para cá.

Não é difícil fazer uma lista de amizades, ódios, gostos e desgostos, em que se percebe bem demais a simpatia ou a antipatia em todas as áreas do jornalismo. Com a escassez de pessoas e o pouco trabalho de equipa, a feudalização e o mandarinato, os jornais são sucessões de opiniões com muito pouca informação por trás. No caso dos jornalistas individuais, isto pode ser psicologicamente compreensível, mas é mau jornalismo.

Um pensamento sobre “No jornalismo o mais importante é a informação

  1. “Ora o que se está a passar é uma contínua degradação da informação e, pior do que isso, da “vontade de informar”, em detrimento de uma informação opinativa, uma forma de “narrativa” que envolve subjectivamente o seu autor naquilo que relata, e o prende a uma sucessão de opiniões e a uma escassez ou deturpação de informações.”

    “Com a solidificação da “narrativa”, os factos deixam de contar porque ou são híper-valorizados para acentuar uma opinião, ou são ignorados se se tornam “factos incómodos”, porque colocam em causa a apreciação que o jornalista tem feito, nalguns casos de há muito tempo para cá.”

    O Pacheco, velho passarão sofístico vindo da esquerda (m-l) totalitarista percebe-se melhor quando fala de si ao falar dos “jornalistas”, isto é, dos outros que escrevem e opinam para fazer opinião tal qual ele faz nos mesmos jornais, mesmas televisões, mesmas revistas, mesmas convenções e conferências e mesmos lados todos onde debita opinadelas.
    Toda a fidelidade da ideia que retrata neste artigo é o seu retrato chapado do que é e foi o seu percurso de opinador.

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