A justiça da aparência

(Daniel Oliveira, in Expresso, 29/12/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Em entrevista ao Expresso, Maria José Morgado anunciou que tinha deixado de existir uma justiça para ricos e outra para pobres. Ou que essa ideia tinha desaparecido. Passou a ser mais barato aceder à justiça? Passaram os pobres a ter advogados públicos que lhes garantam uma verdadeira defesa? Deixou de ser possível arrastar processos durante anos, numa corrida de fundo que só os mais abonados podem pagar? Quem não pode esperar anos para que se resolva a ilegalidades do patrão, da grande empresa ou do Estado tem agora uma justiça rápida e segura? Nada disso.

Se há coisa que em Portugal continua a ser muito diferente para os ricos e para os pobres é a justiça. Mas eu estou a falar da justiça quotidiana, que não dá manchetes, não transforma magistrados em estrelas mediáticas e pela qual a cúpula do nosso poder judicial nunca será avaliada.

Maria José Morgado estava a falar da aparência da forma como a justiça trata alguns poderosos.Digo que é aparência porque nem essa mudança é real. Quase nenhuma das poucas pessoas em que Morgado estaria a pensar foi ainda condenada. Só aí saberemos se o Ministério Público fez o seu trabalho. Acusar é fácil. Pôr escutas e interrogatórios nas televisões, organizar julgamentos mediáticos e fazer buscas a ministérios por causa de bilhetes de futebol também. Difícil é preparar uma investigação sólida que leve um juiz a condenar, mesmo perante o excelente advogado que a defesa conseguir pagar.

Como vemos no caso e-toupeira, mesmo quando um crime entra pelos olhos dentro, o Ministério Público deixa o peixe graúdo fugir. Pressinto que isto se repetirá. Nem sequer foi o MP que fez ruir o castelo de corrupção mais relevante deste país. Nem os jornalistas. Foi a crise financeira que, ao fazer colapsar o Banco Espírito Santo, destapou a rede subterrânea de interesses que Ricardo Salgado administrava. Antes disso, a justiça pouco fazia e o jornalismo económico passeava os banqueiros num andor.

A autossatisfação do Ministério Público não vem dos resultados, vem da popularidade. Importante não é fazer justiça, é que o povo sinta que ela está a ser feita. E que atribua isso aos procuradores. Como o desejo de popularidade exige discursos simples, instalou-se uma narrativa que deveria ser estranha à justiça: a do “nós” contra “eles”, a do “povo” contra os “poderosos”.

Deste discurso para o ataque demagógico aos eleitos vai o passo de um Ventinha. E é por isso que temos o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a dizer que a proposta de Rui Rio (de que discordo) é uma tentativa de o poder político impedir que a corrupção seja investigada.

Que um líder populista ponha sob suspeita toda a classe política é natural. Que isso seja feito por alguém que, por dever de ofício, devia sentir repugnância por qualquer tipo de generalização criminal é bem mais grave. E assusta que seja precisamente quem os procuradores escolheram para os representar. Mas é fácil de perceber o que se passa.

Quando os magistrados começaram a sentir que o século XXI seria “o século do poder judicial” (até o escreveram na apresentação de um congresso de juízes, em 2008), passaram a preocupar-se com a sua popularidade. E quem se preocupa com a popularidade dá prioridade à aparência. Num sistema de justiça cheio de problemas, o Ministério Público não passou a fazer melhor. Passou a fazer o mesmo com muito mais espalhafato.

 

Um pensamento sobre “A justiça da aparência

  1. Quem publica artigos de opinião deve ser objectivo e imparcial só assim fará um bom serviço ,assim quando fala do E-toupeira ,que deu em E-Nada está a opinar com olhos verdes ? Deve concretizar o que pretende dizer, a não ser que tenha informação relevante ,a juíza do processo analisou e deu a sua sentença ,não é do seu agrado podia ter-se constituído assistente e recorrer agora para instâncias superiores ,é por isso que o Expresso está como está e o grupo Impresa também;quando sair o Cashball quero ver a sua opinião ,mas pelos vistos está difícil,por isso o herói das seringas dizia que tinha 2 juízes 1 procurador e não sei que mais ,sabe isso é corrupção e moralmente mesmo que não seja ,da fama não se livram.

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