Cativações e outras tontices orçamentais

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 21/11/2018)

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Andamos ocupados a discutir o Orçamento e as suas cativações como se fosse aí que podemos apreender a realidade da despesa pública.

Lamento informar, mas como qualquer estudante de Finanças Públicas com nota 10 ou superior consegue recitar sem hesitações o Orçamento do Estado é, no que concerne à sua função económica, uma mera previsão de receitas e despesas.

Em Portugal, discutimos o Orçamento à exaustão mas nunca ninguém olha para o documento que interessa: a Conta Geral do Estado. Na Conta apuramos não o que se previa, mas o que ocorreu. Não projetamos um cenário, tomamos o pulso à realidade.

Mas voltemos às cativações. As cativações limitam-se a reservar uma parte da despesa prevista para um regime mais exigente de autorização, implicando a assinatura do ministro das Finanças, que assim adquire um mecanismo de controlo da execução. Quando se fazem cortes cegos não são precisas tantas cativações; quando se quer permitir uma expansão controlada da despesa, aí sim, elas fazem falta. É o que tem acontecido.

Andou aí uma notícia que pretendia medir cativações entre Governos, o que é quatro vezes parvo:

  • Primeiro, porque medir cativações em valor absoluto em vez de peso no Orçamento é espúrio, porque nada nos diz sobre que parte da despesa está realmente cativada. No limite, num orçamento de 10 estarem cativos 3 parece mais do que num orçamento de 5 estarem cativos 2. Quando é o oposto;
  • Segundo, porque deixar implícito que o montante da previsão se relaciona com a real prioridade política é um erro de palmatória de quem não sabe distinguir Orçamento de Conta;
  • Terceiro, porque é redutor olhar só a valores não descativados sem apurar se o não foram porque não foram pedidas descativações (quem gere aquele orçamento não achou que precisava daquele montante) ou se elas foram pedidas e recusadas e, neste segundo caso, com ou sem boas razões de gestão financeira pública;
  • Quarto, porque a parvoíce cometida em 3 também implica que não se compara taxas de descativação, isto é, qual a prevalência de acesso às verbas cativas.

Há duas áreas onde se tem ouvido falar – mal – das supostas consequências nefastas das cativações. Saúde e Educação.

Notícias como esta agravam essa percepção, que tem o ligeiro inconveniente de ser mentira. Até parece que ninguém se deu ao trabalho de ir verificar o que aconteceu do lado da execução (Dados da CGE, disponíveis no site da DGO). Parece, porque não quero acreditar em tal coisa. Em todo o caso, e porque não custa nada:

1) Na Saúde a despesa real executada subiu, em três anos, mil milhões de euros. Eu também gostava que tivesse sido mais, mas não vamos agora fingir que as cativações impediram que se gastasse mais. Tanto que não impediram, que se gastou:

2) Do lado da despesa em Educação, temos uma história semelhante: a despesa real executada aumentou 360 milhões de euros.

Podemos agora discutir, e se calhar devíamos, quanto desta evolução da despesa resultou apenas da reposição de salários, quanto investimento poderia ter sido feito e ficou por fazer (e porquê).

Mas não. Querem-nos a discutir previsões manipuláveis em vez da dura realidade. E nós deixamos? Deixamos, se quisermos. O site da DGO é grátis e de acesso público.

8 pensamentos sobre “Cativações e outras tontices orçamentais

  1. Isto de % tem que se lhes diga. Como a sentença do meritíssimo. Atendendo ás dificuldades do arguido para viver, vai pagar 1\5 do salário, em vez de 1\6!

  2. A manipulação da escala dos gráficos é impressionante! Grande habilidade para levar a mente a visualizar um crescimento completamente desproporcional da coluna em relação aos valores absolutos.
    Mas se a despesa aumentou, quanto aumentou a receita? Qual foi a variação proporcional da despesa de saúde em cada ano?

  3. Há dois anos na minha escola realizou-se uma festa de final de ano que teve vários patrocínios privados e onde a escola através do trabalho extra de professores, funcionários e alunos realizou algum dinheiro vendendo comida e rifas. A escola é obrigada a declarar e a dar esse dinheiro ao ministério da educação, para este depois o devolver. Só que o ministério ficou com esse dinheiro quase um ano! Uma quantia pequena e que a escola aproveita para suprir necessidades que deveria ser o ministério da educação a resolver, tais como aquisição de computadores novos ou o melhoramento de espaços para alunos com deficiência. Qual é a moralidade de uma cativação/roubo deste género? Quanto à reposição de salários isso significa voltar a ter o que já se teve. No meu caso: docente do 3º escalão que ainda não teve qualquer progressão desde 2010, nem nunca voltei a ganhar pelo meu trabalho (sim porque ninguém me está a dar nada, está a pagar-me por aquilo que faço!) aquilo que recebi em 2010 quando entrei neste escalão, para mim não há reposição nenhuma, é uma falácia que tem sido papagueada por aí, igual à dos 600 milhões que custaria contar o tempo de serviço! Quando muito diminuiu-se apenas o corte que estava a ser feito nos salários e mesmo assim há quem ainda ande sempre a falar disto como se fosse uma benesse! Há quem pareça querer permanentemente assustar e tenha o desplante de afirmar que gastando-se em salários não se gasta em obras ou coisas assim. Pensamento mesquinho e muito mais à direita do que deveria estar este PS! Votei PS na última eleição. Não o vou fazer de novo.

    • O problema para os professores, não foi em quem votaram em 2015, na ultima eleição.
      O problema dos professores, foi toda a luta que tiveram em 1010/2011, para dar o poder a quem , já se sabia, que queriam por-nos a todos, a pão e laranjas.
      E agora, se não quer votar no PS, está no seu direito e eu devo dizer-lhe que, além de sempre ter votado neles, não o fiz na última eleição e não o voltarei a fazer, enquanto não tiver a garantia de que o PS, é mesmo um partido que se preocupa com os trabalhadores, como no tempo do Mário Soares e do José Sócrates!

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