Moro. Num País Tropical

(Valdemar Cruz, in Expresso Diário, 02/11/2018)

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Já está. Moro não resistiu a dar o golpe de misericórdia na credibilidade da justiça brasileira. Demasiado cheio de si próprio para evitar cair na tentação de dar o salto que ,em nome da decência, não devia, não podia dar, assume em definitivo o papel de justiceiro. De caudilho providencial. De iluminado num país de trevas.

Sérgio Moro vê-se a si próprio como o guardião mor das virtudes abastardadas. Para isso, e ao aceitar o cargo de ministro da Justiça, junta-se a uma encarnação tosca de aprendiz de fascista.

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Moro é o juiz que tripudiou todas as regras para precipitar a prisão de Lula da Silva, de modo a impedi-lo de se candidatar a Presidente da República do Brasil quando liderava todas as sondagens. Abriu assim uma larga estrada para a vitória de Bolsonaro. O mesmo a propósito de quem, na sua última edição, e num editorial raro, o Expresso sentiu a necessidade de reafirmar o seu posicionamento em defesa dos valores essenciais da democracia e “contra o fascismo”. Moro abandona 22 anos de magistratura para se colocar ao serviço do homem que mais beneficiou com as suas decisões na “Operação Lava-Jato”. Tudo isso o descredibiliza.

Gleisi Hofman, presidente do Partido dos Trabalhadoresdenunciou o que apelidou como a “fraude do século”.

Moro agora em transição para ministro, é o mesmo Moro que hás anos, numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, negava com todas as letras a hipótese de poder vir a entrar na política. “Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política“, disse. Como em política dois anos podem ser muito tempo, em junho do ano passado, em entrevista a Christiana Martins, do Expresso, quando questionado sobre se mantinha a recusa em entrar na política, respondeu: “Sim, já repeti várias vezes. Não existe nenhuma possibilidade”. Como definição de caráter, estamos conversados.

A jornalista, escritora e documentarista brasileira Eliane Brum, multipremiada, inclusive com o Inter American Associated Press Award, escreveu um twiitt a dizer que a decisão de Moro “é indecente de tantas maneiras diferentes que precisaremos encontrar palavras novas. Por enquanto, escolho uma: obscenidade. O ego de Sérgio Moro ainda vai levá-lo à latrina da História”.

O anúncio da participação de Moro no Governo de Bolsonaro fez a Bolsa de Valores de São Paulo bater recordes históricosOs investidores mostraram-se eufóricos com o nome do novo ministro.

Tudo isto é Moro. Num país tropical que ameaça transformar-se num novo tipo de República das Bananas.

3 pensamentos sobre “Moro. Num País Tropical

  1. Off, ou assim (um elogio às ideias turvas que derivam duma bebedeira e, também, da velhice).

    Está Dito

    “É ESTE TIPO DE INTOLERÂNCIAS QUE CRIA OS BOLSONAROS”
    Manuel Alegre

    O ex-candidato presidencial manifestou-se muito incomodado com a posição defendida pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, que admitiu debater a redução do IVA sobre as entradas em alguns espetáculos culturais, deixando de fora a tauromaquia, por considerar que esta é uma questão “de civilização”. Público online, 02/11/2018

    No Expresso, online.

  2. Pelo visto o jornalismo português pratica natação no mesmo lamaçal que o jornalismo brasileiro.
    As denúncias de corrupção contra o Lula começaram a pipocar desde a tortura e morte do ex-prefeito petista, Celso Daniel e das 10 testemunhas do caso. Isto lá pelos idos dos anos 2.000.
    Anos depois veio o mensalão para sanar qualquer dúvida. Lula foi o presidente com maior aceitação na história do Brasil, mas não podia andar em público que era vaiado. Entranho, não?
    Depois veio o petrolão, e tivemos a sorte de ter um juiz como Sérgio Moro para dar um fim nos projetos do Lula.
    Agora, vem os jornalistazinhos de além mar dizer que Lula é um coitado e Moro planejou tudo isto para chegar a ministro? Moro começou a planejar isto quando? Na morte de Celso Daniel?
    Nos poupe de seus delírios e respeite o povo brasileiro.

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