(José Pacheco Pereira, in Público, 27/10/2018)
Existe uma tese de que um antepassado meu, Duarte Pacheco Pereira, teria sido o descobridor do Brasil e não Pedro Alvares Cabral. Essa descoberta teria sido mantida sigilosa para que, na competição com Castela, fosse possível deslocar a divisão do Tratado de Tordesilhas de modo a incluir o “desconhecido” Brasil, sendo Duarte Pacheco Pereira um dos signatários do tratado. Camões gostava tanto da personagem que lhe dedicou quase um canto como “Aquiles Lusitano”. O seu retrato austero e guerreiro, de espada e armadura, dominou sempre aquilo que antes era a “sala de visitas” de casa dos meus pais e está hoje perto de mim, numa “sala de retratos”, junto dos Pachecos antigos, sombras da minha sombra.
Digo isto porque vamos perder o Brasil por alguns anos de ferro e fogo, se Bolsonaro ganhar as eleições, processo em que se sabe como vamos entrar, mas não se sabe como vamos sair. Vão ser anos terríveis para quem, como eu, admira o Brasil e muitas vezes o dei como exemplo de uma vitalidade que há muito, pelo menos desde o 25 de Abril, já não temos. Um país em que a língua portuguesa explodiu em criatividade e diversidade, cheia de expressividade e alegria, para desgosto dos puristas, e não foi a ortografia, em nome da qual nos mutilaram o português das suas raízes latinas e por isso nos empobreceram, que nos afastou do português do Brasil, porque este será sempre outra coisa. E será outra coisa, porque o povo, os artistas, desde os autores de literatura de cordel aos grandes cantores, a esse fabuloso João Guimarães Rosa, não param quietos. Beberam, como estava escrito numa legenda Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, que ardeu, “água que passarinho não bebe”, ou seja, cachaça.
Apesar de Salazar e os seus “lusotropicalistas”, apoiados por uma colónia portuguesa cujas figuras gradas eram próximas da nossa ditadura, foi no Brasil que os professores universitários perseguidos, como os matemáticos expulsos à volta de Rui Luís Gomes, e muitos exilados encontraram solidariedade e recursos para poderem trabalhar com uma liberdade que não tinham cá. E foi vindas do Brasil que coisas tão improváveis como as telenovelas ajudaram a mudar os costumes no Portugal profundo, trazendo mulheres que falavam com normalidade do sexo, criando preocupação à nossa Igreja, porque chegavam a sítios onde só se ouvia a voz do padre. Ainda hoje uma manifestação em Portugal, muito antes do Bolsonaro, se tiver brasileiros e em particular brasileiras, os nossos amigos e amigas que para cá vieram trabalhar e estudar, é uma coisa diferente. Onde estão varrem tudo. Não sei se isso vai acabar, porque vamos perder o Brasil por alguns anos, e porque a alegria do seu português vai ter de endurecer, enraivar, servir para lutar.
Algumas dessas qualidades, como sempre acontece, são também defeitos. É difícil encontrar, em todo o mundo, país mais mal governado do que o Brasil, classe política mais corrupta, exclusão, racismo e guetização dos pobres, violência dos pobres e dos ricos. E não estou a falar da ditadura militar, estou a falar da democracia, estou a falar do PT, de Lula e Dilma. E milhões de brasileiros votaram nesta gente. Bolsonaro emergiu deste magma para lhe dar uma expressão ainda mais perigosa e continuar a mesma tradição de mau governo e violência. Chamar-lhe fascista não é rigoroso, é apenas um epíteto negativo. Aliás, é quase um elogio, porque Mussolini sabia escrever e fez os comboios chegar a tempo e nem isso Bolsonaro vai conseguir.
Bolsonaro vai estragar o Brasil, mais do que ele já está. Vai deixar um rastro de mortos, bandidos e inocentes, porque é de sua natureza fazê-lo. Se acreditasse em milagres, punha cem velinhas a uma santa de adoração dos brasileiros, mas não acredito.
Mas, se ele perder, eu ponho as velas na mesma e compro um boi para a festa. Falta a bala e a bíblia para junto com o boi fazer os três B, mas disso prescindo, do boi não. Mas, sem milagre, vai ser precisa muita coragem, muita cara fechada, muita falta de complacência para com aqueles que o poder sempre alicia e compra, muita reflexão sobre o passado e o presente, muita vassoura para varrer quem fez a cama ao monstro, e muita solidariedade para com os brasileiros e todos os que amam a democracia.
Ontem no expresso da meia noite ouvi um sr. brasileiro a dizer mais ou menos isto: a ideia de que a corrupção nasceu com o pt passou e ganhou vida e no entanto os factos provam que o pt é o 9º, nono, partido em numero de deputados com mandatos “cassados”, ele até deu números, o mais corrupto tinha 40 e tal por cento de deputados “cassados” por corrupção, o PT aparecia com um digito no nono lugar. Estive para parar aquilo e tirar os números. Alguém conhece aqueles números? Sabe de onde “cairam”? Sabe porque é que o jornaleirismo português os desconhece? E apesar disso a “objetividade” do sempre bem informado pacheco fala do lula e da Dilma, a Dilma que não tem nada a ver com corrupção, e deixa de fora um Temer e a corja de corruptos que destituiram a Dilma porque as iurdes mandaram. Objetividade? Ou lixivia crista(s)lina?
Manel, pá, não te indignes assim tanto que isso assim te faz mal ao coração até porque foi, exactamente, por o sistema político brasileiro ser assim tão disperso (não sei mesmo se não é ingovernável…) que um senhor que exercia o cargo de chefe da Casa Civil no governo de Lula da Silva, entre as 9 às 11 da manhã, e o resto do tempo era um coveiro ao serviço da classe operária abriu uma cratera, graaaaaannde!, para o enterro do Partido dos Trabalhadores durante o chamado Mensalão. Ou seja, como não sigo obsessivamente a vida política brasileira não te sei dizer com rigor se o núcleo central do PT corrompia também os seus próprios deputados num sistema que raiava a autofagia (!), mas o Mensalão foi o nome do esquema de corupção mediante o qual se verificou a compra de votos de parlamentares* no Congresso Nacional, e que ocorreu entre 2005 e 2006.
Deputados, de outros partidos.
Nota, sobre o asterisco (e sigamos o cherne). O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, membros do Partido dos Trabalhadores (PT), Popular Socialista (PPS), Trabalhista Brasileiro (PTB), República (PR), Socialista Brasileiro (PSB), Republicano Progressista (PRP), Progressista (PP), e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
segundo diz a wiki-wiki que está aqui mais à mão de semear.
Republicou isto em No fim da picada.
lamento que o articulista não está a par dos desvios de conduta democrática dos últimos governos, especialmente do PT em que tantas esperanças depositamos, razão que levou o povo brasileiro a votar em alguém que possa tirar do lamaceiro onde este país se encontra, talvez o preço seja alto, mas não tanto se os populistas aproveitadores continuassem no poder.
João Miguel Tavares, intelectualmente mauzinho, hoje acho
(mas para pensar ao serão).
[…]
Eu até fui daqueles que,
confrontado com a hipótese
académica de escolher entre
Haddad e Bolsonaro admitiu votar
Haddad, mas não me passaria
pela cabeça passar atestados de
menoridade democrática a quem
se recusou a optar entre o delfi m
de Lula da Silva e um confesso
admirador da ditadura brasileira.
A opção estava muito longe de
ser evidente, mas, sendo ela tão
evidente para tantos portugueses,
eu não percebo como é que as
mesmas pessoas que hoje têm
tantas certezas sobre o futuro do
Brasil tinham tão poucas certezas
sobre o Portugal de 2009, quando
José Sócrates tinha acabado de
exterminar o espaço noticioso
mais infl uente do país, estava
a tentar comprar o canal de
televisão mais visto de Portugal,
tinha sob o seu controlo a CGD
e o BCP (do BES ainda não se
sabia a missa a metade), fazia o
que queria na PT, era acusado de
corrupção no caso Freeport, tinha
atrás de si um rasto infi ndável
de suspeitas nunca justifi cadas,
perseguia professores por
causa de anedotas, processava
jornalistas por dá cá aquela
palha, tinha os serviços secretos
na mão, namorava Hugo Chávez
e Khadafi , espalhava insultos e
grosserias através de blogues
amigos e ministros desbocados
(hoje grandes referências
institucionais da nação),
manipulava informações via
Câmara Corporativa, controlava a
ERC de forma obscena, colocava o
arquivador-mor na ProcuradoriaGeral
da República, e por aí fora.
Fonte: P., 1.11.2018, p. 48.