O jeito que o populismo dá aos O’Leary deste mundo

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/10/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Em abril, a companhia aérea Ryanair foi chamada à Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas para dar explicações sobre os problemas laborais, que passam por graves acusações de assédio de trabalhadores em greve e pela alegada recusa em cumprir a lei portuguesa. O pedido foi apresentado pelo Bloco de Esquerda e aprovado por unanimidade. Na altura, a companhia recusou-se a comparecer.

Não sendo uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que tem poderes equiparados a judiciais, ninguém pode ser obrigado a ir a uma comissão parlamentar. Mas pode dizer-se que é natural que uma empresa que opera num país, seja portuguesa ou estrangeira, se sinta no dever de aceitar um convite do órgão que representa, por via do voto, todos os portugueses. Se não for por respeito pela democracia, que seja por cortesia diplomática. E é justo considerar uma recusa desta natureza um ato de hostilidade para com o Estado e o país. Mas, diga-se em abono da verdade, esta recusa não é uma estreia. E teve precedentes em atores nacionais. Não considero que os primeiros responsáveis por este desprezo pelas instituições que nos representam sejam os eleitos. Os primeiros responsáveis e as primeiras vítimas somos nós. Somos nós que elegemos aqueles que depois desprezamos. Mas já lá vou.

Este mês, o presidente executivo da Ryanair, Michael O’Leary, explicou a recusa, deixando tudo mais claro: “Vamos ao Parlamento português falar para quem? Para os deputados? O que é que eles fazem? (…) Nós estamos aqui a criar novas rotas, mais empregos, a incrementar o turismo em Portugal. (…) Nós somos pessoas de negócios, não somos políticos. Deixem os políticos falar, nós continuaremos no nosso negócio.” A ideia é simples: nós somos pessoas de trabalho, que criam rotas e fazem negócios, não temos tempo para estar a falar com políticos, que, ao contrário de nós, não fazem ponta de um chavelho.

O senhor O’Leary gosta da mama do Estado mas embirra com os políticos que lhe dão de mamar. Mas somos nós que engolimos doses cavalares de populismo oferecidas por aqueles que adoravam não ter a maçada de ter de contar com o nosso voto e os limites que ele pode impor. O senhor Michael O’Leary desrespeita o mesmo Parlamento que nós desrespeitamos. E o nosso desrespeito dá-lhe imenso jeito

Um dado importante: as rotas que eles criam não são criadas apenas por eles. O Estado português, como a generalidade dos Estados, financia a criação dessas rotas através de incentivos. No caso de Portugal, as low cost foram as que mais receberam. E entre elas, a campeã foi, ao que julgo saber, a Ryanair. Quando se trata de receber dinheiro do Estado para criar rotas e fazer negócios, o senhor O’Leary, conhecido pelo seu estilo ordinário, pelo serviço de baixíssima qualidade que presta a quem pode pagar pouco e pela forma degradante como trata os seus trabalhadores, não se importa de lidar com políticos. Quando se trata de saber se respeita a lei do Estado que o financia rapidamente se torna altivo e arrogante. Gosta da mama do Estado mas embirra com os políticos que lhe dão de mamar.

A culpa é nossa. Somos nós que desprezamos, acima de todos os poderes, o único que é ocupado por pessoas que elegemos. Somos nós que engolimos doses cavalares de populismo oferecidas por aqueles que adoravam não ter a maçada de ter de contar com o nosso voto e os limites que ele pode impor. Somos nós que estamos a destruir o poder que conquistámos e a devolver ao dinheiro o poder absoluto. O senhor Michael O’Leary desrespeita o mesmo Parlamento que nós desrespeitamos. E o nosso desrespeito dá-lhe imenso jeito. Permite-lhe receber uma mesada sem ter de responder a perguntas. Quando desrespeitamos o Parlamento desrespeitamos o nosso voto e quando desrespeitamos o nosso voto desrespeitamo-nos a nós mesmos. Os O’Leary deste mundo agradecem. Sabem que para fazerem tudo o que querem basta-lhes alimentar o populismo com que nos enfraquecemos enquanto comunidade. Continuemos, então. Enquanto eles tratam dos seus negócios.

3 pensamentos sobre “O jeito que o populismo dá aos O’Leary deste mundo

  1. Será que os deputados se dão ao respeito? Muitas vezes a sua actuação não prestigia
    a Assembleia da República, com insultos e pateadas … fora o tempo perdido na comissões,
    sem conclusões meritórias, basta ver o canal da A.R.!!!

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