A terra queimada da direita brasileira

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 08/10/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Quando a crise chegou, a elite brasileira percebeu que estava chegada a hora das vacas magras. Isso implicava medidas sérias. As manifestações de 2013, que exigiam melhores serviços públicos, não pediam a demissão de Dilma Rousseff. Se o PT tivesse percebido o que a esquerda raramente percebe quando está no poder, teria aproveitado essa oportunidade para acelerar reformas progressistas. Preferiu ver ali inimigos. A direita aproveitou o erro de cálculo e rapidamente as ruas foram tomadas pela direita revanchista, que chutou os partidos de esquerda para fora das manifestações. Na “Globo”, os “baderneiros” passaram a ser tratados como “patriotas”.

Num país de políticos corruptos, a direita inventou um crime inexistente para demitir Dilma Rousseff. Uma Presidente sem mácula de corrupção foi afastada por corruptos. A operação Lava-Jato rapidamente começou a ganhar o destino político claro. Houve investigados de outros partidos, mas nenhum que pudesse beliscar uma alternativa ao PT. A campanha mediática construiu o herói: Sérgio Moro, um juiz de Curitiba sedento de fama. E construiu um vilão: Lula da Silva. Que, num processo kafkiano que deixa transtornado qualquer jurista sério, foi cercado, destruído, preso e impedido de concorrer às eleições em que era favorito, apesar do processo não ter transitado em julgado. O ato de impedir Lula de votar é a mais clara confissão do objetivo de criminalizar uma escolha política. A única coisa que não conseguiram foi apagar as vidas que o PT mudou. E é por isso que Fernando Haddad foi à segunda volta, porque o PT espalhou pelo país que “Haddad é Lula, Lula é Haddad”. A enorme dificuldade vai ser explicar que, na segunda volta, Haddad não é Lula, é a democracia.

Depois do golpe, Michel Temer fez o que tinha de fazer. E nem as acusações de corrupção com provas contundentes – que só sublinham a motivação política do processo contra Lula –, fizeram os deputados recuar. Com apoio de 3% dos brasileiros e cercado de corruptos em todo o Governo, manteve-se no poder para fazer a reforma das leis laborais e da previdência e dirigir uma rápida ofensiva contra os direitos sociais conquistados no tempo do PT. Ele não estava ali para ser popular ou ganhar eleições. Estava ali para fazer o que um Governo eleito teria dificuldades em fazer. De uma vez só e apanhando os brasileiros e a esquerda aturdida.

Foi a direita brasileira que, através da partidarização da Justiça, de um impeachment inconstitucional e da manutenção de um Governo ilegítimo, criou o caos político que a devorou e que está a devorar a frágil democracia brasileira. Na sua vontade de matar o PT, suicidou-se. Seria de festejar a ironia do destino, não fosse a forte possibilidade de um fascista se tornar Presidente do Brasil

A direita brasileira, e sobretudo o PSDB, ficou amarrada a este Governo e deixou o espaço do descontentamento para Bolsonaro. Sem Lula nas eleições, sem um candidato credível à direita, ele tinha o campo aberto. E ainda teve a sorte de uma facada o livrar dos debates, onde a sua absurda impreparação ficaria mais evidente. Foi a direita “democrática” (depois do golpe, tenho dificuldade em usar o adjetivo) que, através da partidarização da Justiça, de um impeachment inconstitucional e da manutenção de um Governo ilegítimo, criou o caos político que a devorou e que está a devorar a frágil democracia brasileira. As maiores vítima do golpe acabaram por ser os seus autores. Na sua vontade de matar o PT, a direita brasileira suicidou-se. Seria de festejar a ironia do destino, não fosse o preço da sua irresponsabilidade e a forte possibilidade de um fascista se tornar Presidente do Brasil.

Apetecia-me, com algum otimismo, escrever que a elite brasileira se arrependerá de Bolsonaro. Mas não se arrependerá. Ele foi uma excelente forma de direcionar a revolta dos brasileiros, garantindo que o essencial do status quo fica na mesma. Como a ditadura anterior, ele não vai pôr o poder que conta em causa. Nem a desigualdade, nem a corrupção como forma de Governo. Apenas responde ao desejo de uma elite que o teve como segunda escolha: ordem sem progresso.

Sim, o PT tem culpa por Bolsonaro. Não foi agora, foi antes. E não foi por ser socialista. Foi porque acreditou que, no Brasil, é possível redistribuir sem irritar ninguém. Manteve uma estrutura económica terceiro-mundista e extrativista, totalmente dependente dos preços das matérias primas. Não aproveitou as manifestações de 2013 para dar salto maior. Não percebeu que o sistema judicial brasileiro é tão corrupto como todo o sistema de poder e que as portas que foram abertas para o justicialismo seriam usadas apenas contra si. Não quis mudar o sistema partidário e político que tem na compra de deputados a única forma viável de fazer maiorias. Não conseguiu fazer alianças à esquerda, do PSOL ao PDT. Não limpou o partido de todos os corruptos e até os manteve nestas eleições. E acreditou que podia governar com o que de pior existe no Brasil, não percebendo que na primeira oportunidade seria devorado por aqueles que meteu no seu Governo. Ninguém agradeceu ao PT a moderação e ela não impediu que a direita agitasse o fantasma da Venezuela. Mas que não se faça confusão nas responsabilidades: quem abriu os portões do Planalto a um fascista foi quem apostou na política de terra queimada.

5 pensamentos sobre “A terra queimada da direita brasileira

  1. «E é por isso que Fernando Haddad foi à segunda volta, porque o PT espalhou pelo país que “Haddad é Lula, Lula é Haddad”. A enorme dificuldade vai ser explicar que, na segunda volta, Haddad não é Lula, é a democracia.», o Daniel Oliveira com teorias deste calibre não se safava no Brasil (nem no PT, qu’isto é converseta de um gajo que fala numa assembleia geral e a que ninguém liga).

  2. Uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade: O PT é o principal responsável pela sua própria queda. Sócrates o culpado pela bancarrota de Portugal. Igualmente o Labour de Gordon Brown é réu por ter deixado o Tesouro Britânico enxague. A crise do sub-prime nunca aconteceu. A Banca mundial estava em 2008/09 de excelente saúde e a Economia pujante. O que escrevo em seguida é fake news e deve ser ignorado.
    1
    Durante os 13 anos de poder do Partido dos Trabalhadores ocorreram algumas mudanças:
    A percentagem da população abaixo da linha de pobreza foi reduzida de 15% em 2003 para 3.5% em 2012 e para 2.8% em 2014.
    2
    Em 2004 apenas 1.2% dos estudantes pertencentes aos 20% da população mais pobre estudavam em Universidades Estaduais. Esse numero aumentou para 7.6% em 2014.
    3
    Em 2004 apenas 16.7% dos estudantes universitários eram Não Brancos. Em 2014 essa percentagem subiu para 45.5%, numero mais de acordo com a etnicidade do Brasil, cuja população Não Branca é de 52%.
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    Durante os Governos de Lula e Dilma, 18 novas Universidades Federais foram criadas. Cerca de 1 milhão de estudantes tiveram Bolsas atribuídas para frequentarem Universidades privadas. O numero de Institutos Técnicos subiu de 11 em 2002, para 420 em 2014. O Orçamento destinado à Educação aumentou de R$ 18 biliões em 2002, para R$ 115,7 biliões em 2014.
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    As infra-estruturas Brasileiras foram melhoradas consideravelmente – Mais 8.655 km de auto-estradas federais e mais 2.007 km de linhas férreas.
    6
    No sector da Habitação enormes progressos fora conseguidos pelos Governos do PT: Entre 2009 e 2014 foram construídas pelo Estado 3.4 milhões novas habitações, resultado de uma campanha, (conhecida por “Minha Casa, Minha Vida”), financiada por um investimento público de US$ 53 biliões, destinada a dar uma habitação digna às populações vivendo em condições sub-humanas.
    Uma das maiores iniciativas de construção de habitações jamais conseguida no Mundo.
    7
    O Governo do PT implementou um ambicioso plano de investimentos na região mais pobre do Brasil, o Nordeste, uma zona historicamente vitima de terríveis secas e fomes. Foram construídos 600 km de canais de irrigação aumentando assim a produção agrícola e dando condições para fixar as populações, que anteriormente teriam emigrado para a periferia das grandes cidades em busca de sustento.
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    O que foi conseguido constituiu a maior e mais rápida redestribuição da riqueza e a maior redução da pobreza feita por um Governo de um País Democrático na história da Humanidade.

    1- Relatório do UN Monitoring Millenium Development Goals Report sobre o Brasil.
    http://alacde2015.org/papers/13.pdf
    https://inclusaoprodutiva.org/2015/11/17um-pais-menos-desigual-pobreza-extrema-cai-a-28-da-populacao-2/
    2 – http://bbc.co.uk/news/world-latin-america-22825246
    3 – http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/ensino-superior-avanca-25-pontos-percentuais-entre-jovens-estudantes-em-10
    4 – http://www.valor.com.br/brasil/4342534/ibge-acesso-de-negros-universidade-cresce-maioria-ainda-nao-branca
    5 – http://consciencia.net/sobre-o-momento-atual/
    6 – http://economia.estadao.com.br/noticias/geral.dilma-diz-que-investiu-mais-do-que-lula-em-infraestrutura.1703214
    http://www.rioonwatch.org/?p=14887
    http://tpf.eu/projects/the-sao-francisco-river-transposition

  3. Então, pázinho das alucinações, dos factos alternativos na merda do Aspirina B e dos strips, o presidente honorário da juventude do Partido Trabalhista inglês já é presidente do Brasil novamente?

  4. Meus 3 centavos.
    1- ha quem diga que Dilma queria ser sair da presidência pois a política econômica já estava apontando para um arrocho neoliberal
    2- essa classe C despolitizada que não lutou por nada e recebeu tudo do governo sem nenhum esforço foi o fiador do golpe.
    3- não descarte a geopolítica do petróleo, o resentimento de militares que ficaram de fora da modernização do estado(e a penetração da Odebrecht no setor de defesa) e a cumplicidade de petistas com a lava-jato, alguns até com rabo preso como certos políticos petistas do Paraná.

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