Jornalistas entretidos

(João Ramos de Almeida, in Ladrões de Bicicletas, 25/09/2018)

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Em Outubro de 2016, houve uma greve de taxistas contra a Uber.

Nessa altura, um taxista apanhado pela repórter da SIC Notícias protestava contra os jornalistas – que – contentes com a oferta da Uber – não viam os riscos nem que um dia alguém também viria roubar-lhes o trabalho. Achei essa ideia exemplar da forma como os jornalistas se acham acima – ou ao lado – do mundo em que vivem.

Os dois últimos anos têm dado razão àquele taxista e mostrado que a vida dos jornalistas se degradou.

Os despedimentos têm aumentado em espiral recessiva – menos jornalistas, menor capacidade produtiva, produção mais acelerada de informação, menor interesse da oferta, menor procura do oferecido, menores receitas, mais despedimentos. As plataformas de notícias roubam-lhes o trabalho (sem oposição mobilizada e eficaz dos jornalistas ou do seu Sindicato).

As multinacionais Google e Facebook – totalmente desreguladas e sem qualquer ameaça do poder público – roubam a publicidade das empresas detentoras dos órgãos de comunicação social tradicionais, inviabilizando-as. As redacções ampliam o fosso entre pessoal experiente e respectivas remunerações, entre um corpo de direcção e um corpo redactorial, que se torna menos autónomo. Os jornalistas – por indicação dos seus superiores – adulteram o produto para se assemelhar ao das plataformas: cada vez mais entretenimento, cada vez menos notícias interessantes.

O recente episódio do Expresso, com a possível manutenção da procuradora-geral da República, é sintoma desse desnorte. Os posts do João Rodrigues sobre o porno-riquismo– aqui no Ladrões – são outro sinal do desvirtuamento do papel da comunicação social.

Pois face a este panorama leia-se um diálogo que uma jornalista de um jornal de referência nacional colocou no Facebook sobre greve dos taxistas e os comentários que gerou, nomeadamente de jornalistas mais séniores. Às vezes, parece que aqueles que deveriam ser os guardiões da democracia andam entretidos algures, num emprego de entretenimento do povo:

Ontem, um taxista explicou-me por que ia aderir ao protesto de hoje.
– O Estado tem de perceber que se eu não trabalhar não pago impostos. Se eu não trabalhar não posso mandar um donut de manhã para o meu filho, para comer na escola…
– Manda um pão com manteiga, que é mais barato e mais saudável… ou uma maçã.
– … Se for ao talho, não posso comprar bife do lombo, mas uns ossos para fazer uma sopa.
– Fica mais bem servido e se deixar de comer carne, o ambiente agradece…
– Não está a perceber!
– Estou a perceber que faz más escolhas alimentares. Se continuar a mandar um donut para a escola o miúdo fica diabético e depois o peso no SNS é maior. O bife de lombo também contribui para o colesterol.
– Não, não está a perceber que se eu não comprar o donut e o bife de lombo, o supermercado ou o talho também vão despedir os seus trabalhadores. Esses também pagam impostos, como eu, também têm de comer! Se formos cinco mil trabalhadores nos táxis e formos todos casados já somos dez mil, se tivermos todos filhos, dois filhos, já somos 20 mil. Estão a pôr em risco 20 mil pessoas ou mais! Os gajos da Uber e da Cabify não pagam impostos!
– Mas também têm famílias, também querem comprar donuts e bifes…
– Não podem.

Agora, leiam os comentários que se seguiram:

– Estás sempre a aprender imenso com taxistas… muito bom!.
– Os motoristas da Uber e quejandos também te dizem estas coisas? 😉
– Embora tenha as app da Uber e da Cabify no telef, acabo por levantar sempre a mão para chamar um táxi… nunca andei, acreditas?
– Tens que experimentar…:)
– Ainda vai sair um livro. palavra de táxi.
– Isto foi verdade????😳
– Explica-me desde quando é que o bife do lombo contribui para o colesterol?
– A carne faz mal, não sabias?
– Podes escrever o manual de cultura integral segundo os taxistas que te saem na rifa…abraço de Roma
– Estas lógicas matam-me! Vou partilhar ❤ e começa a pensar em compilar estas histórias.
– Se o fizesse, um dia aparecia morta, atropelada!
– Contas de merceeiro? Nada! De taxista “chico esperto”.
– Teorias estranhas🤔😉

E é isto…

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