O PSD português e o PP espanhol

(Carlos Esperança, 05/09/2018)

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O PSD nasceu na sequência de uma rotura revolucionária que lhe exigiu dirigentes de passado dissonante com a ditadura. Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão, os três principais fundadores, tinham dado provas públicas de desconforto com a ditadura, situação comum ao CDS. Nenhum dos dois partidos reclamou a herança salazarista ou se atreveu a pôr em causa a legitimidade revolucionária da Revolução de Abril. Eram, aliás, suficientemente inteligentes, tal como Freitas do Amaral e Amaro da Costa (CDS), para saberem que a guerra colonial deixara de ser uma teimosia nacional e passara a ser um crime internacional.

O PP espanhol foi fundado por oito ex-ministros do mais sanguinário genocida ibérico de todos os tempos, na designada transição pacífica. A Constituição integrou vontades do déspota que em 1936 se sublevou contra o governo republicano legítimo e manteve a guerra com o apoio da Itália fascista, da Alemanha nazi e do Portugal germanófilo.

Em Portugal, o MFA garantiu eleições livres e a liberdade partidária, com os cúmplices da ditadura afastados do poder e os generais fascistas, em sentido perante os capitães, a receberem guias de marcha a caminho de casa.

Foi na génese da restauração das democracias ibéricas que se afirmaram as diferenças. A Constituição espanhola nasceu à sombra do ditador e dos seus sequazes, com o medo do retrocesso a pairar ainda. Por isso, recebeu de contrabando uma monarquia franquista e a herança da ditadura com os seus cúmplices. O espírito da Falange foi preservado nas casernas, sacristias, tribunais e gestão do território.

A Constituição Portuguesa foi votada com fascistas escondidos nas sarjetas e cúmplices a conspirarem sem apoio popular. Por isso nasceu liberta de constrangimentos.

Hoje, na ressaca das democracias, afloram em Espanha e em Portugal saudosismos das ditaduras. Espanha já tem Pablo Casado à frente do PP, um franquista com o mestrado oferecido de presente pela Universidade Juan Carlos, e que quer arquivar a História da ditadura sob o túmulo de Franco, que louva a apoteose do fascismo no Vale dos Caídos.

Em Portugal, Cavaco não era mais democrata do que Aznar, mas era cedo para reabilitar o ditador, e não sucedeu a Fraga Iribarne. Balsemão era mais liberal e não foi cúmplice da ditadura.

A vitória de Rui Rio adiou provisoriamente o regresso do PSD ao tenebroso período de Cavaco e Passos Coelho. Não sei o que o futuro reservará, mas a direita terá de remover Rui Rio para criar o seu Viktor Orbán. Em Espanha já existe. Chama-se Pablo Casado. Pretende revogar a Lei da Memória Histórica e substituí-la pela Lei da Concórdia, uma espécie de vassalagem da democracia e das vítimas à ditadura e aos seus algozes.

A democracia precisa de ser defendida em Portugal e Espanha, e é de crer que o futuro das instituições democráticas ibéricas será comum.

4 pensamentos sobre “O PSD português e o PP espanhol

  1. Proponho um exercício: e se os militantes/dirigentes “socialistas” (hoje em dia no centro-direita) não fossem cegos, como seria este artigo:
    — “O PS Português e o PSOE Espanhol”

    E agora imagino como seria o texto:
    — “Quando o PS nasceu, foi sem amarras do regime fascista. Nasceu portanto e naturalmente Socialista. Já quando o PSOE nasceu, foi com pinças que se apresentou alternativa, nunca destoando muito de um certo nacionalismo monárquico espanhol, que ainda permance no coração da maioria dos espanhóis, tantos anos depois da “transição” do regime que os difundiu”

    E acrescento:
    — “Quando o comunismo e o socialismo já não assutam ninguém neste mundo do capitalismo selvagem neoliberal, os partidos outrora mesmo Socialistas, agora só de nome, ocupam o lugar que antes o centro-direita ocupava na Europa, espaço esse que foi deixado vago à medida que toda essa direita moderada e democrática se foi Orbán-izando, Trump-izando, fascizando mesmo!”

    Em relação ao PSOE:
    — “É preocupante ver o PSOE que perante as cargas de porrada contra cidadãos que só queriam expressar a sua opinião através do voto, apenas se limite a dizer: “se calhar, não era preciso tanto, mas no essencial concordamos” – isto a respeito da tentativa de referendo de 1-de-Outubro, boicota pela metade da população nacionalista monárquica espanhola residente na Catalunha e pela Guardia Civil, cuja violência foi ordenada a partir de Madrid, isto décadas depois da opressão ao Catalão exatamente com o objetivo de o tornar minoritário e impedir que o futuro trouxesse justiça pela via democrática no pós-Franquismo.”

    Concluo este texto hipotético com o PS:
    — “Um partido (PS) que chegou a estar de convite aceite (seria oradora a deputada “socialista” Ana Catarina Mendes) para um fórum/conferência sobre a Liberdade, a Democracia, a República, organizado pelo BE, e com convites a Catalães do movimento civil para a independência, camaradas dos atuais presos políticos, e um representante de cada um dos partidos independentistas na Catalunha. A maior vergonha da história do PS passou pelos pingos da chuva (tal como a inexistência de cobertura deste evento) numa comunicação social capturada pela tal direita neoliberal e cada vez mais saudosista. O PS cancelou à última hora a presença da sua deputada, porque as “boas relações” com o PSOE pesaram mais do que o conteúdo desse fórum, que relembro: Liberdade, Democracia, República – um debate sobre presos políticos, sobre a liberdade de voto, sobre o direito à Auto-Determinação reconhecido pela ONU”

    Agora que já escrevi o que o Carlos Esperança escreveria se não estivesse cego na sua partidarite aguda, pergunto-lhe: só se preocupa com a fascização dos outros, mas não se preocupa com a inação dos tradicionalmente ex-anti-fascistas que eram os partidos Socialistas da Europa? É que uma coisa lhe garanto: se não houver ação firme dos verdadeiros Socialistas, e Sociais-Democratas (como eu), não será a Terceira-Via (ou Sociais-Liberais, como o atual PS, e PSOE, e todos os P”S” da Europa) que conseguirá servir de barreira ao regresso do fascismo, como aliás se está a ver por toda a Europa, em que o eleitorado da esquerda, abandonado pelos atuais “socialistas” (só de nome) se vêem obrigados a votar em populistas de direita (Reino Unido, Itália) e nalguns casos mesmo fascistas (Polónia, Hungria, e também Itália), e neo-nazis (Áustria).

    Dito de outra forma, por cada abraço entre E.Macron e V.Orbán, por cada passou-bem entre A.Costa e D.Tusk, por cada dia que passa sem o PSOE aceitar fazer um referendo na Catalunha, estaremos mais perto de repetir certas tragédias que pensávamos estarem enterradas há 100 anos atrás…

    A tragédia anunciada, que Sociais-Democrats como eu antecipam, e a que a Terceira-Via fecha os olhos:
    Macron 2017 = Le Pen 2022.

    A esperança possível, que os Sociais-Democratas como eu desejam, e que a Terceira-Via abomina:
    Corbyn 1º Ministro = fim do UKIP e do populismo/nacionalismo de direita no RU.

    Voltando a Espanha, há duas opções:
    PSOE aceita referendo = consolidação da Democracia em Espanha e Catalunha, ou com resultado semelhante ao da Escocês, ou com uma independência.
    PSOE não aceita referendo = vitória do Franquismo (antes PP, no futuro o Ciudadanos) sobre a possibilidade da transição ficar completa.

    Que o PP é herdeiro de Franco e caminha para se afirmar assim cada vez mais, já o sabemos. Que o Ciudadanos é por sua vez o herdeiro do PP, mas agora com uma imagem mais catita (copiando o que a Marine fez para se distinguir do pai Le Pen), também já começamos a descortinar. Resta saber como será o PSOE: o partido que ameaça o PS português e o impossibilita de participar num fórum do BE sobre Liberdade, Democracia, e República? Ou o partido que consolida a democracia na Ibéria, mesmo que isso lhe custe votos no curto prazo?

  2. Ouvi de um cineasta espanhol, que trabalhara com Antonioni, uma frase de cujo alcance nao me apercebi na altura. Dizia ele que “ Franco deixara aos espanhóis uma Espanha que eles nao mereciam” . Vivia-se entao por cá ainda a euforia pós-revoluçao, Juan Carlos era legitimado nas Cortes do país vizinho e os espanhóis gritavam “arriba Espanha”, o slogan franquista. Hoje vejo como o tal cineasta tinha razao. Tirar a Espanha do horror que foi a Guerra Civil de Espanha foi uma tarefa homérica que, como sempre acontece, foi consumada com o sacrifício dos vencidos. As origens da guerra civil de Espanha sao muito complexas e nao tenho a mínima preparaçao para aventar hipóteses. ’Talvez’ tenha sido a aproveitamento de uma Espanha rural por uma intelectualidade urbana contaminada pelp ideário político que vingava no início do século e que chamou ao conflito espanhol nao só toda a ordem de observadores internacionais como foi oportunidade para as forças que se lhe opunham para testarem ali as suas potencialidades. Franco nao ‘fez’ a guerra. A guerra já existia quando ele assumiu a defesa de uma das facçoes!
    O clima que a Espanha vive hoje, e para que parece estar a trabalhar para piorar, é semelhante ao que se vive em outros países que as ditaduras pós-guerra arrumaram como puderam.
    A ideia ‘europeia’, desagregadora do ideal nacional – e tudo diferente das ideologias nacionalistas ou internacionalistas – foi, e vem sendo, uma forte contribuiçao para o sistema político ‘pós-moderno’ que a Europa e o mundo vivem. Aos vários elos económicos dos países do primeiro mundo juntam-se, ao sabor de um novo tipo de colonizaçao levada a cabo por outros colonizadores, os herdeiros das várias expressoes linguísticas deixadas pelos antigos colonizadores. Nesse turbilhao passeiam-se, como caixeiros viajantes da economia e da finança, os vários dirigentes políticos, cada um tentando ser o primeiro a chegar e o que tem mais e melhores ofertas a fazer.
    Enquanto isto os espanhóis, povo nada sereno e pouco disponível para pactuar com as ‘maravilhas’ com que por cá se encandeiam os portugueses, cria factos que vao desde a importante e secular questao da Catalunha à inconcebível transladaçao dos restos mortais de Franco. Dos vários patriotas que, consoante as suas convicçoes, deram a vida por aquilo em que acreditavam, Franco foi o sobrevivente que empenhou a sua vida na reconstruçao de uma Espanha em ruínas que ainda haverá quem recorde como vivida. Os vencedores nunca sao bons para os vencidos. Sabem que eles tudo farao para implementar aquilo que nao conseguiram. Assiste-se hoje a isso nas grandes potencias onde os vencedores sabem de ciencia certa que tudo o que foi conseguido será destruído mal as oposiçoes tenham oportunidade para aceder ao Poder e fá-lo-ao com o mesmo abuso dessa condiçao como os os actuais. Porque isso é inerente ao Poder.
    Sabiamente, Salazar nao quis o seu nome associado a nada – a ponte sobre o Tejo foi baptizada à revelia dele…- e qui ser enterrado em campa rasa na sua aldeia, perto dos seus pais. Que descanse em paz. lá onde a saudade de umns e a ingratidao de outros nao teem por onde pegar.

    • Este comentário é abjecto.

      Só faltou a este declarado saudosista e admirador do fascismo, “mccar17″, dizer que a PIDE era uma coisa boa e que não tinha culpa da tortura que perpretava, pois a culpa seria dos torturados que se punham a jeito, que não tinham o ” respeitinho, muito lindo”, pois não respeitavam a lei da ditadura ao atreverem-se a fazer oposição…

      Só lhe faltou dizer que Franco não ordenou a morte da oposição, após a vencer, num claro crime de guerra, fuzilando-os em massa, e despejando-os em valas comuns. Só lhe faltou dizer que isso era uma genialidade financeira que permitia economizar nos enterros individuais…

      Seria o equivalente a um comentário abjecto da minha parte em defesa de Nicolás Maduro, justificando a repressão com o facto dos Venezuelanos insurgentes estarem a ocupar as ruas…

      Há quem coma gelados com a testa. Este “mccar17” nem isso pode fazer, pois nem testa tem!

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