Setembro, uma rentrée de alto risco

(Jorge Nascimento Rodrigues, in Expresso Diário, 03/09/2018)

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O regresso de férias não augura uma rentrée pacífica. Pelo contrário, os analistas apontam para cinco riscos mais importantes que vão marcar os mercados financeiros em setembro, um mês que pode tingir-se de vermelho desde as bolsas ao mercado da dívida e cambial.

Agosto terminou com as bolsas mundiais a registarem uma subida modesta. Com exceção de Nova Iorque, as praças financeiras registaram perdas nas bolsas, com a América Latina e a Zona Euro a destacarem-se em terreno negativo. O mês que findou teria acabado no vermelho à escala mundial, se os índices das duas bolsas norte-americanas não tivessem registado máximos históricos com os preços das ações a revelarem alguma exuberância. Nos mercados cambiais, a situação piorou para várias economias emergentes importantes, em particular para as cinco que dão corpo ao novo acrónimo do mundo financeiro, os BRATS – para Brasil, Rússia, Argentina, Turquia e África do Sul – que viram as suas moedas afundarem-se mais um mês face ao euro e ao dólar. Na zona euro, os temores de novo contágio, agora provocado pela Itália, renasceram, com os juros da dívida transalpina a 10 anos a manterem-se em máximos de quatro anos, acima da linha vermelha dos 3%.

O índice global de incerteza política subiu em junho – últimos dados disponíveis divulgados pela Kellogg School of Management, da Universidade Northwestern, nos EUA – para níveis muito superiores aos de setembro de 2008, quando a crise financeira atingiu o auge, mas ainda se mantém abaixo dos picos registados aquando da vitória do Brexit e da tomada de posse de Donald Trump como presidente dos EUA:

As perguntas para setembro são por isso muitas. Vão as bolsas norte-americanas continuar em euforia ou uma escalada na guerra comercial travada pela Casa Branca vai finalmente fazer estragos em Wall Street? Os principais mercados emergentes vão gerar uma crise transversal? Itália vai provocar uma nova vaga de crise nas dívidas soberanas dos periféricos do euro, nomeadamente em Portugal? A política monetária dos dois principais bancos centrais do mundo vai apertar-se ainda mais? O Brexit vai gerar um divórcio amigável ou caminha-se para um cenário de não se obter acordo até final do ano?

Muitos analistas consideram que as perspetivas para setembro são pessimistas e abrangem cinco riscos.

1 – ESCALADA NAS GUERRAS COMERCIAIS DE TRUMP

O presidente norte-americano decidiu usar a guerra comercial como arma geopolítica em direção a diversos parceiros comerciais e adversários geoestratégicos. Muitos analistas não esperam que essa estratégia abrande antes das eleições para o Congresso dos EUA no meio mandato presidencial a 6 de novembro. O pior risco para a economia mundial é que haja uma confluência de várias guerras comercias e uma escalada dificultando um recuo.

As frentes de guerra comercial são múltiplas. A mais importante diz respeito ao confronto com a segunda maior economia do mundo, a China. A guerra comercial poderá escalar para a aplicação, já no início de setembro, de taxas aduaneiras norte-americanas em relação a mais 200 mil milhões de dólares (€172 mil milhões) de importações da China, implicando uma retaliação adicional de Pequim em relação a exportações dos EUA no valor de 60 mil milhões de dólares (€52 mil milhões).

A renegociação do Tratado de Comércio Livre da América do Norte (conhecido pela sigla inglesa NAFTA) ainda está por terminar com o Canadá, objetivo que Trump considerou não ser de “necessidade política”, e tem três meses para que o México dê o ‘sim’ final ao acordo preliminar já obtido. O presidente norte-americano ameaçou o Congresso do seu país para não se intrometer no assunto da renegociação da NAFTA, se não “acabará com o Tratado por completo”.

A negociação com a Comissão Europeia, nomeadamente no sector automóvel, vai voltar à agenda, depois da trégua assinada por Trump e Jean-Claude Juncker, tendo o presidente norte-americano considerado recentemente que as propostas europeias “não são ainda suficientemente boas”.

As sanções norte-americanas ao Irão e à Rússia vão estar na ribalta. No caso de Teerão, as sanções poderão vir a ter um impacto no mercado petrolífero global. Em relação a Moscovo, o pacote norte-americano abrange a exclusão da Rússia do mercado de crédito nos EUA e proibição de exportação de produtos sensíveis em termos de segurança. Os efeitos colaterais já se estão a sentir, com uma quebra de mais de 50% do investimento direto estrangeiro na Rússia no primeiro semestre de 2018.

Finalmente, o presidente norte-americano já ameaçou com o abandono da Organização Mundial do Comércio por parte dos EUA.

2 – CRISE TRANSVERSAL NOS MERCADOS EMERGENTES

O abrandamento do crescimento económico na China e o seu impacto nas cadeias de fornecedores, a subida das taxas de juro pela Reserva Federal norte-americana (Fed) encarecendo o endividamento em dólares, as guerras comerciais em curso e problemas políticos e financeiros internos em diversas importantes economias emergentes estão a provocar estragos nas bolsas e nos mercados cambiais desses países.

Os analistas já cunharam o acrónimo BRATS para o grupo mais vulnerável que compreende o Brasil, Rússia, Argentina, Turquia e África do Sul. A Argentina, recentemente intervencionada pelo Fundo Monetário Internacional, e a Turquia têm estado na ribalta.

As bolsas das economias emergentes perderam quase 4% em agosto e já acumularam um recuo de 9% desde início do ano. Em agosto, o peso argentino, a lira turca, o rand sul-africano, o real brasileiro e o rublo russo perderam entre 41% e 8% face ao euro.

O risco é se os BRATS contagiam o mundo emergente e em desenvolvimento e geram crises globais como as de 1981/82 e 1994/1999.

3 – CONTÁGIO ITALIANO REACENDE CRISE DAS DÍVIDAS SOBERANAS

Setembro vai marcar o primeiro confronto entre o governo italiano e a Comissão Europeia a propósito das metas do orçamento transalpino para 2019. O risco é que o governo em Roma opte por fazer regressar o país ao procedimento por défice excessivo, com o défice orçamental acima de 3% do PIB, desencadeando uma escalada política com Bruxelas.

Com a probabilidade desse cenário em crescendo, os mercados financeiros têm reagido negativamente. O índice MIB da bolsa de Milão registou uma queda de 5,4% em agosto, liderando os recuos mensais à escala mundial. Os juros das obrigações italianas a 10 anos fecharam em 3,24%, um máximo de quatro anos, e o Tesouro em Roma teve de pagar 3,25% no último leilão de agosto de títulos naquele prazo. O prémio de risco da dívida italiana subiu para quase 300 pontos-base, o equivalente a 3 pontos percentuais acima do custo de financiamento da dívida alemã, e quase duas vezes mais do que o prémio de risco da dívida portuguesa.

O risco apontado pelos analistas é que os juros da dívida italiana prossigam a escalada acima da linha vermelha de 3% e façam regressar o temor de uma nova crise das dívidas soberanas dos periféricos do euro, nomeadamente da Grécia, Chipre, Portugal e Espanha.

4 – BCE E FED REALIZAM REUNIÕES IMPORTANTES DE POLÍTICA MONETÁRIA

Os dois mais importantes bancos centrais do mundo, a Fed norte-americana e o Banco Central Europeu (BCE) reúnem-se em setembro para tomar decisões de política monetária.

O BCE é o primeiro a reunir a 13 de setembro, antes do programa de compra de ativos, nomeadamente de aquisição de dívida pública emitida pelos membros do euro, ser reduzido mensalmente para metade a partir de 1 de outubro. O BCE já antecipou que deverá descontinuar o programa no final do ano, mas que esse objetivo depende do andamento dos dados económicos. Prosseguirá, no entanto, o reinvestimento do capital recebido aquando das amortizações dos títulos que detém em carteira e prevê não mexer nas taxas diretoras antes do final do verão do próximo ano. Os mercados da dívida, em particular dos periféricos do euro, incluindo Portugal, são particularmente sensíveis a nuances nesta estratégia anunciada.

Por seu lado, a Fed deverá proceder a uma nova subida dos juros na reunião de 26 de setembro e os mercados de futuros preveem ainda uma última subida do ano na reunião de 19 de dezembro. Os analistas monitorizam o impacto destas subidas da taxa diretora na evolução dos juros dos títulos do Tesouro norte-americano, nomeadamente a 10 anos, situando-se acima de 3%. A subida das taxas da Fed têm um impacto mundial, particularmente agudo nas economias mais endividadas em dólares.

5 – BREXIT AMIGÁVEL OU SEM ACORDO

Os analistas e os investidores vão estar particularmente atentos à conferência do Partido Conservador, no governo, a 30 de setembro e a um cenário pessimista de não obtenção de um acordo ate à cimeira europeia de 18 de outubro.

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