Marcelo, já tens o sermão pronto para os suecos e os gregos?

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 24/07/20’18)

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A 17 de Junho de 2017, no concelho de Pedrógão Grande, deflagrou um incêndio que viria a causar 66 mortos. No dia seguinte, Marcelo Rebelo de Sousa deslocou-se ao local e deixou à Nação uma conclusão do que tinha visto, ouvido e cogitado:

«O Chefe de Estado defendeu que, perante o cenário que lhe foi descrito, "o que se fez foi o máximo que se poderia ter feito".

"Não era possível fazer mais, há situações que são situações imprevisíveis e quando ocorrem não há capacidade de prevenção que possa ocorrer, a capacidade de resposta tem sido indómita", considerou.»

Estas declarações, quiçá as mais objectivas e intelectualmente honestas a respeito do fenómeno a que se pode chegar, de imediato foram sentidas como um soco no estômago pela direita decadente. Marcelo surgia-lhes a cometer o crime de lesa-pulhice ao parecer blindar a tragédia contra qualquer aproveitamento político. A revolta que de imediato transpirou para o exterior, agravada pelo acumulado de ressentimento contra quem se comportava desde o início do mandato como o mais decisivo e desconcertante aliado de Costa e ainda pelo contexto de pré-campanha para as autárquicas, deve ter sido um bilionésimo daquela que se fez sentir nos bastidores e que chegou a Belém. Rapidamente, Marcelo percebeu que tinha cometido uma gafe com imprevisíveis consequências estratégicas, pois os aparelhos partidários e mediáticos da direita – e não só – iriam explorar sem pudor nem freio a comoção nacional nascida do elevado número de mortos e da espectacularidade tétrica da maioria deles ter ocorrido nas estradas ao serem apanhados de surpresa ou ao tentarem fugir das suas casas. Inevitavelmente, nas semanas e meses seguintes, iria ser lançada no espaço público uma mole de falhas de tudo e todos através dos testemunhos, especulações, inquéritos e investigações. Este vendaval de suspeitas e roupa suja deixaria o Presidente da República gravemente diminuído caso não conseguisse liderar politicamente o rescaldo. A sua resistência pública contra a indecência que vinha a caminho durou apenas uns dias, começando a alinhar o discurso para um julgamento político após ter recebido Passos Coelho em audiência a 23 de Junho. Esse julgamento viria a ser feito por ele próprio na oportunidade criada pelos incêndios de Outubro, ocasião em que humilhou (violentou?) o Governo e exigiu a cabeça de Constança Urbano de Sousa. Nos meses seguintes e até ao presente, passou a repetir ameaças, meio difusas e meio tontas, onde os incêndios de 2017 apareceram completamente instrumentalizados pela sua agenda política.

Hoje, temos parangonas com os 74 mortos na Grécia (número provisório) e a devastação histórica causada na paisagem e no património pelos incêndios. Na semana passada, foram os inauditos fogos na Suécia a encherem o noticiário, inclusive por causa do pedido de ajuda internacional que os ricalhaços, íntegros e organizadíssimos suecos tiveram de fazer por falta de meios. Entre os dois acontecimentos não há ponto de comparação quanto à geografia, flora e densidade habitacional, mas por isso mesmo a sua associação é relevante. Ao lado destes dois fenómenos temos o outro de uma alteração climática que derruba recordes de altas temperaturas em diversos pontos deste planeta. Um planeta a descobrir com cada vez mais danos em vidas, bens e disrupção de sistemas ecológicos no que consiste o Antropoceno. A lição é básica: nem que todas as nações estivessem unidas contra as alterações climáticas elas deixariam de causar imprevistas e inelutáveis perturbações catastróficas dado o ponto a que já se chegou. O sistema climático é demasiado complexo para o actual conhecimento humano e tecnologias disponíveis.

Este o contexto em que Marcelo usou os incêndios de 2017 como peso e trunfo políticos. O medo e a pressa foram mais fortes do que a força de carácter e o patriotismo. Só posso desejar que nenhum outro chefe de Estado que se veja confrontado com acontecimentos semelhantes lhe siga o exemplo.


Fonte aqui

10 pensamentos sobre “Marcelo, já tens o sermão pronto para os suecos e os gregos?

  1. “O sistema climático é demasiado complexo para o actual conhecimento humano e tecnologias disponíveis.”
    Contudo, o conhecimento político-pardidário português é tão demasiado simples e alheio a complexidades que sabe imediatamente não só quem é o culpado do fogos como sabe como deveriam ter sido prevenidos, tratados e apagados à nascença.
    Basta escutar os Presidentes Marcelo e Marta Soares.

  2. «Esse julgamento viria a ser feito por ele próprio na oportunidade criada pelos incêndios de Outubro, ocasião em que humilhou (violentou?) o Governo e exigiu a cabeça de Constança Urbano de Sousa.», eh eh eh que caraças!

    Valupi, larga o tinto e larga os Antropocenos alheios!

    _____

    Valupi, larga o tinto (e cai na real: deita-te, dorme e acorda de manhã que isso já é de ontem).

    Ó Valupi, então o Zé Neves já consegue ser mais amado no Aspirina B do que tu pá?

    Hey, malta, lembram-se daquele inquérito sobre aqueles tipos que têm macaquinhos no sótão como vocês?
    O José Sócrates já respondeu, o Valupi também.
    Esperam o quê, pá?

    Valupi, larga o tinto (e o margalho do Santos Silva mais a bacorice).

    • Nota, prévia. Sejsmos críticos, Manuel G.. Spin porque as coisas não se passaram assim, idiossincrasias que vêm do tempo do José Sócrates… fraquinho e que prejudica o Aspirina B (e o PS do António Costa).

      XXXX, fui um dos primeiros a comentar para um azar Valupiano.
      23 DE JANEIRO DE 2018 ÀS 13:44
      «Não há nada nessa prestação que se possa considerar errado se a objectividade guiar a análise. O registo foi natural perante as circunstâncias, com uma gravidade na pose, etiqueta nos pêsames e determinação no discurso que não teriam causado qualquer reacção negativa caso o contexto fosse de normalidade institucional.», Valupi deves perceber que as pessoas não têm tempo para estarem sempre a voltar atrás e a desdizerem os disparates que a posteriori vais escrevendo. Aliás, nem percebo qual é a sua utilidade (tanto objectiva, já que estás nessa, como subjectiva…) para além de um prazer dilentante mais ou menos sadio em te entreteres com esta e outras cenas (cujo resultado para o Aspirina B é, a maioria das vezes, ficar-se por aqui e não ter pachorra para ler o resto do post… que é o que fiz hoje).

      • «Este o contexto [a sério, pázinho?] em que Marcelo usou os incêndios de 2017 como peso e trunfo políticos. O medo e a pressa foram mais fortes do que a força de carácter e o patriotismo. [eh eh eh!] Só posso desejar que nenhum outro chefe de Estado que se veja confrontado com acontecimentos semelhantes lhe siga o exemplo.», schi c’a nojo.

        • Toma lá Manuel G., está nos meus arquivos (nota, importante: escrevi exactamente aquilo antes da desgraçada comunicação ao país de António Costa, que antecipa por um dia a intervenção de Marcelo em Pedrógão. O artigo do Nicolau Santos está no meio, ou seja veio depois de mim e antes do PM). E sobre a importância do que disse o PR escrevi também alguma coisa (ao contrário, já na altura a personagem Valupiana, a Estrela Serrano e tal com aquele spin de merda deveriam ter percebido que, há muito, que estavam a falar quase sozinhos).

          XXXX
          16 DE OUTUBRO DE 2017 ÀS 13:37
          Boston, We Have A Problem!

          XXXXXX: o António Costa se, neste caso, quiser ser suficientemente lúcido tem de encontrar um peso-pesado para a pasta do Ministério da Administração Interna. E a ministra Constança Urbano de Sousa, se quiser permanecer lúcida também, poderá partilhar por mil vezes o azar que lhe bateu à porta (e terá muita razão em fazê-lo, decerto) mas as coisas são como são e há que passar adiante. Perfil para uma nova equipa: o de alguém que seja um bulldozer a mandar e que tenha capacidade nos domínios do ordenamento florestal, da administração interna, que saiba reconhecer e “tratar” devidamente dos lobbies instalados (e que seja incorruptível neste ponto, essencial) e que, por fim, tenha visão política. Conclusão: e uma ex-adjunta do MAI não preenche estes critérios, reconheça-se.

          Expresso | Nicolau Santos: “A ministra tem de demitir-se, não há outro caminho possível, o PM fala às 20h.

          [Na mouche, acho.]

          • Adenda, em tempo e, ainda, ao tempo sobre a importância da intervenção do Marcelo Rebelo de Sousa (sobre o assunto o Pedro Adão e Silva realça também a sua oportunidade porque, depois da intervenção zen do António Costa, a solidariedade nacional do PR constituiu um fortíssimo abraço dado em nome das instituições do país porque se corria o risco de o todo se “deslaçar”, e concordo bastante).

            Um Presidente popular | Aspirina B, há dias (esta é a primeira da série de tangas, que surgiu depois de o tipo andar a apanhar bonés em mais uns exercícios que prejudicam a sua coluna vertebral).

            XXXX
            18 DE OUTUBRO DE 2017 ÀS 16:11
            Valupi, tens duas peças de retórica sucessivas.

            A do primeiro-ministro António Costa, miserável e que levanta questões fundamentais sobre a capacidade política de quem a escreveu ou reescreveu. A do presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, sem “marcelices” mas com conta, peso e medida (e nem tenho a certeza de que assim pudesse ser!). O resto é o teu gosto intelectual por te entalares sozinho, ou quase que por aqui também há idiotas para tudo.

            Nota, importantíssima. Ainda não pesquisei, mas vi ontem na capa do P. que houve dirigentes (?) e ministros do governo PS que se agitaram. Este é um excelente case study para se perceber como actualmente se processa a condução política do governo e do partido, e oxalá hajam novidades.

            XXXX
            18 DE OUTUBRO DE 2017 ÀS 17:03
            Adenda, ainda em tempo. Venha o case study, nas páginas [do] Expresso por exemplo.

            Aqui, um draft: Ondas de choque dos incêndios atingem Governo – Público

            • Ó RFC, sofres de “valupiite” aguda?! Além de “socratite” crónica?! Como dizia o Variações: “Toma o comprimido” que isso passa! 🙂 🙂 Um abraço da Estátua.

              • Obrigado, mas sinceramente aquilo com que eu sofro mais é com as parvoíces alheias (e ambas as duas -ites normalmente aparecem onde menos, perdão!, mais se esperam). Ali e aqui, claro.

                16 DE OUTUBRO DE 2017 ÀS 13:37
                18 DE OUTUBRO DE 2017 ÀS 16:11
                18 DE OUTUBRO DE 2017 ÀS 17:03
                23 DE JANEIRO DE 2018 ÀS 13:44

                Julho 25, 2018 às 12:09 pm
                Valupi, larga o tinto e larga os Antropocenos alheios e larga o margalho do Santos Silva mais as bacorices!

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