Pobre TAP, pobre contribuinte

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 20/06/2018)

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Aqui há uns tempos escrevi por aqui sobre a TAP, e concluí: “uma empresa não pode andar ao sabor das conveniências políticas, ora sendo tratada como uma empresa privada ora como empresa pública. Um e outro modelo de gestão têm vantagens e inconvenientes. Este não modelo de gestão tem os inconvenientes de ambos e, ao que parece, nenhuma das vantagens. A TAP é demasiado importante para viver nesta ambivalência. O Governo que se decida, ou a empresa é pública ou não é. Mas de uma vez por todas. Escolham lá um modelo de governação. Este não serve a empresa. Não serve o País. Não serve os clientes. E não serve os trabalhadores. Serve, e mal, para o combate político sectário”.

Nem de propósito, o Tribunal de Contas vem agora dizer o que já temíamos: o Estado recuperou algum controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa.

Um clássico português: mandamos pouco ou nada enquanto a empresa tiver pernas para andar, mas pagamos os custos das decisões tomadas assim que ela entrar em dificuldades. Os dados são claros, e o Tribunal de Contas, a pedido da Assembleia da República, faz aqui um trabalho meritório: descodifica a dimensão da tragédia.

Desde logo a tragédia da privatização apressada, que não garantiu os interesses do Estado e, depois, a renacionalização parcial da empresa, que partindo, é certo, daquela base pouco sólida, mostrou também ela fragilidades procedimentais. A ausência de uma política coerente e prudente, com sucessivas alterações contratuais agravou as responsabilidades do Estado e aumentou a sua exposição às contingências adversas da empresa.

Se na privatização o Estado ficou a garantir mais de 600 milhões de dívida da TAP – facto que se esqueceram de nos comunicar na altura – sem ter qualquer intervenção na gestão da empresa, agora temos uma influência limitada mas respondemos pelos montantes necessários para recapitalizar a TAP sempre que os capitais próprios atinjam valores inferiores a 571,3 milhões de euros negativos. Isso é quando e quanto? Não sabemos.

O Estado tem 50% do capital da empresa, mas apenas 5% dos direitos económicos. Os privados têm 45% do capital, mas 90% dos direitos económicos. Traduzindo: se a empresa der dinheiro ele é do privado. Se der elevados prejuízos, é nosso. Já sabemos quem saiu a ganhar, e para variar não foi o contribuinte.

Um gestor privado que comprasse metade do capital de uma empresa para ficar com 5% dos eventuais lucros e responsabilidade ilimitada por prejuízos acima de um determinado montante era despedido em 5 minutos ou menos.

E, claro, não podiam faltar – como nunca faltam nestas festas – os consultores privados. Só na privatização, podem encontrar isso em letras pequeninas na página 13 do Relatório do Tribunal de Contas, o Estado gastou meio milhão de euros em assessoria jurídica e um milhão e meio em assessoria financeira. Nenhuma das quais, note-se, responde minimamente pelo lindo resultado que ajudaram a construir. O costume, portanto.

Então e agora? Agora, aposto já aqui, nada.


Fonte aqui

Um pensamento sobre “Pobre TAP, pobre contribuinte

  1. «Um clássico português: mandamos pouco ou nada enquanto a empresa tiver pernas para andar, mas pagamos os custos das decisões tomadas assim que ela entrar em dificuldades.», diga-se apenas que ele foi assessor no governo de José Sócrates (e, por uma vez, sabe do que fala).

    Da série “Socorro, o tipo voltou!”

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