Duas parece coincidência, três parece intenção

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 05/06/2018)

LOUCA3

(O PS vai por mau caminho. É só provocações ao PCP e ao BE, e muitas omissões e meias verdades no relacionamento. Quer alijar do barco os parceiros de esquerda e “empurrá-los” para um chumbo do orçamento de 2019, o que dará, segundo anunciou já Marcelo, lugar a eleições antecipadas. Julga que, assim, terá os votos da direita mais pragmática, tentando atingir a maioria absoluta. Talvez tenha esses votos, sim. Mas perderá a função pública, e os trabalhadores, sobretudo os urbanos. 

António Costa anda a trocar os pés pelas mãos, como se viu no último debate na Assembleia da República, onde teve o pior desempenho desde que é Primeiro-Ministro. Dizer que os professores não tem razão porque “não há dinheiro” é assinar a sentença de morte da Geringonça. Passos Coelho não teria resposta diferente nos tempos da troika.

Comentário da Estátua, 06/06/2018)


Se me pergunta se o Governo está a provocar crises e crispações, a resposta é sim. Está, sabe o que faz e é mesmo isso que quer. É uma estratégia e está a ser seguida meticulosamente.

Começou no congresso do PS, que foi o que foi: a festa de um partido que sonha com a maioria absoluta, um príncipe a promover o recentramento político com o ousado elogio da saudosa terceira via e o líder a prometer um programa para o regresso dos jovens emigrados, tudo inaugurado com um bandeirante espetáculo a La Feria e servido com especulações sobre as linhagens da sucessão longínqua. Acha pouco? O congresso gostou.

Nuno Melo, com a indiscreta elegância de um pterodáctilo, foi lá apedrejar o que chamou de Disneylândia. Não percebeu o que se passou, não descortinou como o PS ocupa o centro e vence em todos os critérios que a direita definiu para si própria, a começar pelo défice, que era o santo dos santos. Assim, se alguma coisa sai do congresso, é confiança. Tanta confiança que o congresso ignorou o irritante, como agora se diz, de o Governo depender de acordos com outros partidos. Mas houve algo mais que mudou depois de um congresso cuja novidade foi mesmo não olhar para trás nem para o lado.

O Governo quer um verão e um outono em conflito social, porque acha que essa é uma estratégia que rende votos. Esta escolha merece atenção. Agora é que começou a campanha eleitoral de 2019 e foi o Conselho de Ministros quem deu o tiro de partida – e com muita pólvora

Primeiro, num ápice o Governo arrumou a negociação com as entidades patronais (e a UGT, o hábito faz o monge) sobre o Código do Trabalho. Os negociadores ficaram contentes e Saraiva mais do que todos: sabe que as medidas para limitar o trabalho temporário são contornáveis e que a taxa sobre a rotatividade é letra morta, e sabe que a extensão do período experimental cria uma nova forma de contrato sem contrato, ou que a votação de banco de horas em pequenas empresas é para ser ganha pelo patrão. Sabe também o sinal político que é dado. Se o Código Laboral era um dossiê tão essencial para a esquerda e o Governo negociou diligentemente com o patronato, mas esqueceu-se de sequer informar em tempo útil os seus parceiros de alguns dos detalhes das suas propostas, e não dos menos importantes, o recado fica dado.

Segundo, estando o Governo a acompanhar o trabalho de António Arnaut e João Semedo para uma nova Lei de Bases da Saúde, resolveu opor-lhes uma comissão, chefiada por Maria de Belém, com um mandato prolongado e resultados previsíveis. Se o Governo recusou encurtar esse tempo, foi porque preferiu tornar inviável um trabalho de preparação de um projeto de Lei que represente uma convergência maioritária na defesa consistente do SNS. Aliás, Mariana Vieira da Silva deu o assunto por encerrado numa entrevista recente. Vão duas.

Terceiro, temos a reunião de ontem do Ministério da Educação com os sindicatos dos professores. Percebo que o Governo negoceie a partir da sua proposta de que, do tempo de congelamento, só contem para a progressão das carreiras os seus dois anos, nove meses e dezoito dias em vez dos nove anos, quatro meses e dois dias que ficaram devidos. O Ministério das Finanças é quem mais ordena. Mas é inusitado e revelador que, não tendo os sindicatos aceitado o ultimato, o Governo declare punir os professores com a eternização (ilegal) da não contagem do tempo de serviço para as carreiras. A não ser um arroubo do ministro, esta resposta agressiva só poderia estar definida pelo Governo antes da reunião. Se assim for, é simplesmente uma provocação.

Duas seriam dificilmente coincidência. Três é intenção. Em tão pouco tempo depois do congresso, o Governo fechou a porta a medidas de reposição da contratação coletiva, adiou a discussão da saúde e exigiu aos sindicatos das professoras e professores que façam greve (e ainda acrescentou a autorização para um furo de petróleo em Aljezur sem estudo de impacto ambiental).

O Governo quer um verão e um outono em conflito social, porque acha que essa é uma estratégia que rende votos. Esta escolha merece atenção. Agora é que começou a campanha eleitoral de 2019 e foi o Conselho de Ministros quem deu o tiro de partida – e com muita pólvora.

 

3 pensamentos sobre “Duas parece coincidência, três parece intenção

  1. É para o lado que durmo melhor, se por teimosia do PS, este se PASOKizar para 10% ou menos do eleitorado, e se o BE capturar esse eleitorado (muito mais à esquerda que os “líderes” e “elites” dos partidos do “centro”).

    A Geringonça é irrepetível, não porque a esquerda recuse voltar a dar a mão a um PS minoritário com políticas de centro-esquerda, mas porque ou haverá um PS da Terceira-Via novamente sem ideia nenhuma de esquerda, ou porque será a esquerda a ter a maioria na correlação de forças com o PS.

    E como se tem visto, nunca um PS, lá fora ou em Portugal, aceitou dar as mãos à esquerda de modo a tirar a direita Neoliberal do poder. Porque como se tem visto, que pensa como a direita, é de direita, e o PS, pela recente lei laboral, pela austeridade excessiva, e pelo fim das reposições salariais, confirmou que é de direita.

    Foi A.Costa que disse não poder cumprir a lei no caso dos professores porque “não há dinheiro”… mas poderia igualmente ter sido Passos Coelho. Isto num ano em que o PS já violou o acordo orçamental (e desrespeitou a esquerda e o eleitorado) em 0.8% do PIB, ou seja, em 1600 Milhões de € (a diferença entre os 1.1% de défice orçamental, e os 0.3% de défice que se anunciaram entretanto, sendo que ficará em 0.7% devido a mais uma ajuda à banca privada… só para se ter ideia, a ala pediátrica do S. João ficaria em apenas 20 milhões, e o descongelamento dos salários dos professores fica em +70 milhões ao ano).

    Que o eleitorado chegue a 2019 e se lembre disto, e da condenação que o PS fez aos mais jovens, que agora irão trabalhar “à experiência” até aos 30 e tal anos, em contratos que o patronato vai obviamente terminar no 180º dia que a nova lei permite (quem é o jovem que volta para Portugal quando isto permanece uma fascistolândia?!?), e volte a dar ao PS não mais do que os 32% que deu em 2015, e de preferência até menos que isso.

    E já agora, se não há reforma da Zona Euro, se a Alemanha continua a violar as regras com o seu excessivo superávit, se a união bancária não passa de um golpe transferir ainda mais os capitais da periferia para o centro, e se a próxima crise se aproxima, o que é o que o PS vai fazer? Vai preparar a saída do Euro, ou vai voltar a chamar a troika? Não existe Terceira Via para enfrentar o que aí vem! Esta é a grande pergunta para 2019-2023, que, conhecendo a comunicação social da reação como conheço (já nem a RTP se salva), é uma pergunta que não será feita na campanha eleitoral.

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