Como se faz fortuna na China

(Dieter Dellinger, 03/06/2018)

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O jornal „Negócios“ da Cofina resolveu oferecer um exemplar gratuito quando comemorou há dias o seu 15º aniversário. Aquilo vinha com as biografias dos principais magnatas da nossa praça e em todas podíamos ver que são herdeiros de país ou avôs que fizeram fortuna. Até o homem da Simoldes que diz que começou de baixo, trabalhou no campo e depois numa serralharia, era na verdade neto de um ex-sócio minoritário de uma fabriqueta de moldes que foi corrido quando a empresa começou a dar lucro e depois com o filho e o neto instalaram uma oficina de moldes que foi progredindo até tornar-se no gigante que é hoje.

Digo isto para explicar que, salvo raras exceções, não se fazem fortunas inimagináveis de um dia para o outro. No mundo capitalista, as fortunas crescem ao longo de mais de uma geração, apesar de termos os casos singulares de Bill Gates, Zuckerberg e do tipo do Amazon por terem aparecido com ideias mais ou menos novas nos novos suportes informáticos de há pouco mais de vinte anos.

Na China não tem sido assim. Há fortunas incalculáveis feitas em poucos anos sem que se saiba como foram feitas. Fundamentalmente o grande segredo está na mão-de-obra a preço de escravatura e quando o Partido Comunista da China acredita e apoia um empresário todas as portas estão abertas, incluindo fantásticos créditos bancários.

Vem isto a propósito do eng. Li Shufu que adquiriu há dias 103.619.340 ações da Daimler Benz AG, a fábrica dos célebres Mercedes, por mais de 7,4 mil milhões de euros, já depois de ter adquirido a Volvo sueca e as fábricas Proton da Malásia e dos London Táxi.

O homem não herdou nada e vem de uma sociedade em que ninguém possuía algum bem de produção, mas em 1982 quando se formou em engenharia (dizem) adquiriu uma máquina fotográfica para tirar fotografias a turistas e a quem quisesse ter uma foto sua, já que as máquinas não abundavam e eram fabricadas na China. Para um conhecedor da China, Li Shufu conseguiu a máquina por estar ligado como informador aos serviços secretos do PCC e terá convencido os chefes que podia fazer um bom “trabalho” a tirar fotografias.

Já com o apoio da polícia secreta, Li consegue em 1985 ficar de uma maneira pouco clara com uma pequena fábrica que fazia peças para frigoríficos e pouco tempo depois começa mesmo a fabricar o eletrodoméstico completo, provavelmente com pessoal muito barato e especializado que “alguém” lhe enviava.

A China tinha conhecido a Revolução Cultural que levou ao fecho de numerosas fábricas, pelo que havia muitos operários dispostos a trabalhar por um pouco de arroz.

Uns anos depois, em 1994, iniciou o fabrico de uma cópia de uma scooter japonesa e queria mesmo fabricar carros, mas os seus mentores acharam que estava a querer dar passos demasiado grandes. Aquilo vendeu-se muito bem e até se exportou pois as mais-valias produzidas pelos trabalhadores ultrapassavam os 95%, ou seja, ganhavam 5% do valor do seu trabalho.

Dado esse êxito, novamente “alguém” arranja-lhe uma prisão abandonada que serviu durante o maoismo para fabricar camiões pequenos e aí, em 1997, Li Shufu resolveu iniciar o fabrico de cópias aparentemente fiéis dos Mercedes da Classe E, pelos quais tinha uma paixão enorme. Claro, não tinha dinheiro para comprar as prensas de mil e duas mil toneladas utilizadas na indústria automóvel para moldar as chapas, pelo que começou a fabricar carroçarias em plástico reforçado com fibra de vidro como se fazem os barcos e adquiriu componentes como motores, transmissões, etc. à FAW (Primeira Fábrica de Automóveis da China), algo só possível com muita influência de cima.

Muitos dos antigos prisioneiros voltaram à fábrica que já não era prisão para ganharem apenas o suficiente para comerem e receberem uns fatos de macaco. Não tinham para onde ir. Nos tempos do Mao, a fábrica “contratava” pessoal, prendendo ao calhas os especialistas que precisavam, mas a situação acabou mal porque alguns técnicos eram membros do partido e aquilo causou muito barulho interno até fechar e terá mesmo sido dada a Li Shufu.

As cópias dos Mercedes não deram resultado. O mercado percebeu que aquilo era de plástico e até entortava com o sol e os motores eram de fabrico chinês. Só o aspeto é que dava a impressão de ser verdadeiro.

Li Shufu passou a fazer cópias de carros mais modestos e lentamente arranjou dinheiro de “alguém” para comprar prensas modernas para chapa, mandar produzir chapa zincada e adquirir o sistema elétrico Bosch e outras coisas, incluindo motores Renault.

Não dizem, mas parece que Li Shufu foi o comprador da Roover que desmontou no Reino Unido e instalou na sua fábrica para fazer as mais diversas cópias e fabricar os Mercedes C sob licença com o apoio da Mercedes que até lhe forneceu prensas e componentes mecânicos.

Em 2005, a empresa de Li, a Geely, foi à bolsa de Hong Kong para angariar o capital necessário à aquisição das máquinas na Alemanha.

Em 2010, Li adquire a Volvo, começando a fabricar os Volvos de luxo na China, mantendo o fabrico dos mais pequenos na Suécia. Na China só se vendia o luxo, pois, como ainda é hoje, ou se é milionário ou quase miserável. Só agora é que começa a aparecer lentamente uma classe média mais ampla que vai ser a demolidora da ditadura comunista chinesa.

Enfim, de oferta em oferta Li Shufu chega a uma fortuna impensável, calculando-se de cada euro da sua fortuna 90 a 95 cêntimos resultaram do trabalho não pago aos seus trabalhadores ou mais valia no sentido marxista do termo.

Li é o exemplo de como as teses de Karl Marx dão um resultado fenomenal em termos de exploração do trabalho e formação de fortunas incalculáveis e está longe de ser o único na China.

Na foto acima: A prisão fábrica onde Li iniciou a produção de automóveis com os antigos escravos que trabalhava a troco de um pouco de arroz e fatos macacos, dormindo em esteiras como nos tempos em que a justiça Chinesa mandava qualquer um para a prisão.

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