“As princesas não fumam”, diz o nosso Ministério da Saúde

(Paula Cosme Pinto, in Expresso Diário, 31/05/2018)

fumar

(Mas que pirosice de campanha. Quem é que acha que as mulheres ainda querem ser princesas à espera do príncipe encantado e casar com vestido branco e ramo de flores de laranjeira? Será que levantar de madrugada, apanhar transportes públicos, marchar para um trabalho mal pago, regressar a casa estafada, fazer o jantar, tratar das crianças e dormir a correr, não fará mais mal do que o cigarro? É que é esta a vida quotidianamente repetida de muitas mulheres. Quando se fará também uma campanha a denunciar tal realidade?

Comentário da Estátua, 31/05/2018)


Deixe de Fumar. Opte por Amar Mais”. Eis o título da campanha antitabagismo dirigida às mulheres portuguesas, promovida pelo Ministério da Saúde. É impressionante como quando se quer chegar ao sexo feminino, se cai tão facilmente no cliché do apelo ao amor, às emoções, à culpa e à maternidade. A sério que não conseguimos fazer melhor do que um vídeo melodramático, que mostra uma mulher com cancro do pulmão, em fase terminal, a sentir-se culpada pelo mau exemplo que deu à filha por ter sido fumadora? Tirando o mote da mesma (porque os números de consumo de tabaco em Portugal são preocupantes), está tudo errado nesta campanha.

Vamos primeiro aos tais números para percebermos melhor porque surge este spot e curta-metragem que vão ser divulgados nas redes sociais e salas de cinema: a cada 50 minutos morre uma pessoa em Portugal por causa de doenças atribuíveis ao consumo de tabaco. O Ministério da Saúde, a Direção Geral de Saúde e demais autoridades nacionais ligadas a estas matérias têm feito um esforço claro no incentivo à redução do tabagismo, mas os indicadores continuam a não mostrar grandes efeitos práticos. Em Portugal fuma-se muito, principalmente na faixa etária entre os 25 e os 34 anos. Uma das maiores alterações passa provavelmente pelo aumento do consumo de tabaco entre as mulheres, que continua a crescer exponencialmente. Posto isto, decidiu-se fazer esta campanha, dirigida especialmente às mulheres fumadoras, com o objectivo de “chocar” admitiu ao “Público” o secretário de Estado Adjunto da Saúde, Fernando Araújo. Chocada fico eu com o resultado.

Claro que me parece desde logo necessário que estas campanhas cheguem aos consumidores em geral, uma vez que o tabagismo é problemático para a saúde das pessoas em geral, independentemente do seu género. Contudo, até consigo conceder que uma parte desta campanha tivesse um enfoque nos consumidores mais recentes e em crescimento (as mulheres), desde que percebêssemos desde logo que a questão não se resume ao facto estatístico que mostra que as mulheres fumam mais nos tempos de hoje. É importante perceber que esse consumo maior, acelerado e exponencial, se deve à emancipação feminina: as mulheres fumam cada vez mais porque sentem maior de liberdade para o fazerem, sem serem julgadas socialmente. Tal como com o consumo de álcool, por exemplo. Claro que, no que toca à saúde, isto não é positivo e medidas de sensibilização para os efeitos nefastos destes consumos têm de ser postas em prática. Mas é preciso melhorar a forma de passar a mensagem.

Ora bem, apostarmos numa campanha que, como ponto de partida, utiliza a questão da maternidade enquanto papel estrutural inerente à mulher, ainda por cima explorando os sentimentos de culpa – que não é mais do que mexer com o eterno medo e insegurança de se ser ‘má mãe’, algo que, já se sabe, aterroriza boa parte das mulheres que desejam ter filhos – é uma péssima opção. Precisamente porque está assente em estereótipos sociais associados à conduta e comportamentos considerados “próprios” do sexo feminino, servindo como catapulta para ajudar a acentuar os tais estigmas sociais que fizeram com que as mulheres não fumassem durante séculos.

Se pusermos uma micro lente de género para ver esta curta-metragem, é fácil percebermos quão tendenciosa é a construção desta narrativa. Além de nos remeter automaticamente para o eterno papel de mãe associado à figura feminina, diz-nos que uma ‘boa mãe’ não deve fumar. O castigo parece ser o cancro e a culpa do mau exemplo, uma vez que a menina do vídeo até já fuma cigarros de chocolate a imitar a mãe (quem nunca?). Escusado será dizer que o exemplo dos consumos em frente às crianças deve ser uma preocupação dos adultos em geral, e no caso dos progenitores, é igual para mães e pais. Depois há a questão do apelo aos afetos. Tanto uma coisa como a outra, custa-me muito a acreditar que entrassem como eixo central de uma campanha feita para os homens fumadores.

O próprio título – “Deixe De fumar. Opte por Amar Mais” tem mensagens subliminares: Então uma mulher que fuma ama menos, é isso? É menos devota nos seus afetos familiares? Uma mulher que fuma é má mãe (seja lá o que isso for)? No fim, a frase melodramática “uma princesa não fuma”, dada como conselho final à menina que chora nos braços da mãe moribunda, é a cereja podre no topo do bolo.

Vamos mesmo cair no cliché das princesas, até quando falamos de tabagismo no sexo feminino? Uma mulher tem de aspirar a ser uma princesa? E uma princesa é menos princesa – com tudo o que a palavra “princesa” significa abstratamente na sua construção social – porque fuma?

Percebam que não estou com isto a apelar ao consumo de tabaco. Mas até eu, que não fumo, fico com vontade de fumar um cigarro depois de ver uma campanha governamental que parece não ter tido em conta os estereótipos de género associados à mensagem final. Se queremos que as mulheres fumem menos, que seja por causa da sua saúde. Que não seja por vergonha social quanto às expectativas que nelas recaem por serem mulheres. Além de redutor, é castrador e paternalista.

Podem ver o vídeo completo clicando aqui.

8 pensamentos sobre ““As princesas não fumam”, diz o nosso Ministério da Saúde

  1. Confesso que já não tenho pachorra para os artigos sobre os malefícios do tabaco.
    Desde logo porque invariavelmente todos zurzem no fumador, qualificando-o como alguém que não pensa no mal que faz aos outros, mas também porque não vejo um que defenda o fumador, questionando a bondade dos argumentos proibicionistas.
    Sou fumador de dois maços de cigarros diários.
    Tendo antecedentes médicos de índole tumoral (Nódulo Frio da Tiróide, Astrocitoma), faço com alguma frequência exames radiológicos aos pulmões, o último dos quais tem três semanas.
    Em todos eles os meus pulmões apresenta uma alvura que muitas peças de roupa não têm. Talvez por isso sobressai a cicatriz de uma pleuresia.
    Com tanto alarme na sociedade, com tanto alarido e proibições, com tantas sirenes sobre os riscos do tabagismo em inúmeras doenças, consultei o meu médico e perguntei-lhe se o Rx não estaria avariado, se não existia algum problema.
    Não, está tido bem. O que se passa é que o Senhor é um fumador de boca. Perante o meu olhar de quem lhe estão a falar do que não sei o que é isso, o médico esclarece-me que sou fumador de boca porque não travo, não engulo o fumo.
    Desculpe, mas se eu que estou a fumar, que não travo e por isso não engulo o fumo, então quem está ao pé de mim também não o engole.
    Não, não engole, responde-me o médico.
    Então, isso significa que não há fumadores passivos? Não, não existem fumadores passivos. Aliás, existem e você é o exemplo de um fumador passivo, porque fuma mas não engole o fumo.
    Então porque é tanto alarido, tanto alarme que o tabaco e o fumo faz mal ao fumador e a quem está ao pé dele?
    Simples, se dissessem que fumar faz mal ao fumador, ninguém se preocupava com isso, nem com o fumador, sendo esse um problema dele. Dizendo que faz mal aos outros, pretendia-se cativar para a causa milhões de adeptos, receosos que o fumador o colocasse em perigo.
    Mas qual o interesse deste alarmismo?
    Sabe o que é um Parecer Jurídico? É uma cadeia argumentativa tendente a fundamentar e fazer prevalecer uma tese, e é pago por uma das partes de um processo judicial. Os pareceres jurídicos são como as baterias. Têm dois pólos: um negativo e outro positivo, Quem faz um Parecer Jurídico com pólo positivo, também faz um com pólo negativo. Só com um problema, pois quem faz um, não pode apresentar outro de sinal contrário.
    Um estudo Científico é muito semelhante em tudo a um Parecer Jurídico, pois é pago por alguém, é também ele uma cadeia argumentativa tendente a fundamentar e fazer prevalecer uma tese, e quem faz um Estudo Científico que comprove uma situação, não pode fazer outro Estudo que comprove o contrário.
    Tudo isso para chegar onde Senhor Doutor?
    Os Laboratórios Farmacêuticos tinham investido largos milhões no estudo e produção de medicamentos para deixar de fumar, mas que estavam encalhados nos armazéns. Havia pois que escoá-los. Assim, pagaram um Estudo Científico a comprovar os malefícios do Tabaco e a seguir fizerem lobby no Parlamento Europeu, onde anualmente gastam centenas de milhões de Euros. Começaram assim as medidas proibicionistas, que rapidamente chegaram a Portugal via Directiva Comunitária.
    Marginalizados pelos outros, e sitiados pelas medidas proibicionistas, os fumadores procuram medicamentos para deixar de fumar e consultas antitabágicas.
    E assim os Laboratórios começaram a escoar os produtos encalhados, com os quais tiveram lucros abissais.
    Com um Estudo Científico publicado, com os órgãos de informação a ajudar a propagar a tese, com os profissionais de saúde a colocarem a tónica nos malefícios do tabaco, é com naturalidade que as pessoas não duvidam disto, e abominam os fumadores, marginalizando-os.
    Confesso que até a mim o médico quase me tinha convencido dos malefícios. Por isso consultei mais três médicos, um dos quais pneumologista, a quem coloquei o problema. E não é que todos disseram o mesmo?
    Numa última tentativa enviei um mail para um profissional da DGS e, contrariamente ao que seria de esperar, não só concordou com tudo, como referiu apenas um mal. É que o fumo contem Cotinina, uma substância que só é detectada na urina, e que é cancerígena.
    Fui ver o que era isso da Cotinina e fiquei siderado. É uma substância que existe na maioria dos tubérculos, na batata, no tomate e nos chás.
    E está todo o mundo preocupado com os fumadores e está em risco com estes produtos.
    Todos também não me disseram que fumar faz bem, que não faz, mas disseram-me que iria morrer um dia, mas não seria do tabaco ou por causa do tabaco, pelo menos se continuasse a não travar.
    Também me recordaram a Pandemia da Gripe das Aves, quando os Laboratórios tinham um medicamento encalhado e que, de repente, se esgotou nas farmácias. E já nem existe. para um produto tão milagroso, é estranho que depois do alarme passado, já nem existe.
    Entretanto o Estado português gastou 22,6 milhões de Euros para comprar o Tamiflu, que apodreceu sem ser utilizado num armazém.
    Mas nem com todos estes sinais as pessoas param para pensar. Para quê? O tabaco incomoda (sim, incomoda), para quê alterar a situação?
    Quanto aos médicos, todos me garantiram que desmentiriam que alguma vez me tivessem dito o que disseram, porque os braços dos Laboratórios são longos e eles precisam de trabalhar.
    E de repente assistimos a novo ataque aos fumadores. Porque será? Estará algum medicamento encalhado?
    Quanto ao vídeo é apenas deplorável, mas que é a imagem da DGS. Marginalizar é o seu lema.

    • Cerca de 20 vezes mais probabilidades de ter cancro do pulmão por comparação com os não fumadores.
      Para já nem falar das outras minudencias como as doenças cardiovasculares e outros cancros …
      Espere pela pancada.

      A campanha é boa porque choca. Quanto mais chocante e polémica melhor. Se não for assim só com uma marreta nas cabeças. Continuo a preferir o vídeo.

      E sim, são PÉSSIMAS MÃES, mesmo antes das crianças nascerem. Não há palavreado político que vença a evidência. Temos pena.

      • Quem é que tem 20 vezes mais probabilidades de ter cancro de pulmão? Os fumadores? Os fumadores passivos? Os não fumadores?
        Os fumadores activos, aqueles que travam, acredito que a probabilidade de ter cancro de pulmão seja maior.
        Os fumadores passivos, aqueles que fumam, mas não travam, não, porque o fumo não penetra nos pulmões, pelo que a probabilidade não é diferente de quem não fuma.
        Finalmente os não fumadores, cujo fumo nunca penetra os pulmões, não entra para as contas.
        Doenças cardiovasculares? Outros cancros?
        Das doenças cardiovasculares, um angioTac recente (2 semanas) revelam um coração são e sem problemas. Está a falar de ideias feitas, de estudos pagos para dizer isso, ou meditou sobre o assunto, e chegou a essa conclusão, para a qual só há estudos, não há evidências práticas entre o nexo de causalidade entre o fumar e uma doença cardiovascular?
        Outros cancros? Por certo que não ignora que o maior risco de cancro advém de questões genéticas, e que a tendência para ter um, tem relação directa para os seus pais e avós.
        Qual a relação de nexo de causalidade entre fumar e um cancro que não o de pulmão? Conhece algum?
        Porque é agressiva no comentário, dizendo que só com uma marreta, como se os outros fossem ignaros e você o sumo da inteligência, como se a verdade e razão fossem suas, e apenas suas? Eu dei-lhe exemplos, e procurei demonstrar-lhe que as coisas não são como o lobby e a propaganda dizem ser. Quais são os seus exemplos? Apenas o discurso que todos conhecemos. É nisso que baseia a sua razão? Pobres argumentos, ou será que é mais uma das financiadas pelos laboratórios farmacêuticos, que pagam férias em lugares paradisíacos, pagam Congressos em bons Hotéis entre outras coisas?
        Eu não sou ninguém para condenar aquela que vai dar à luz um ser humano, independentemente do comportamento da mãe. Espanto.-me que ouse fazer o que estou certo não admitiria que lhe fizessem a si.
        Em suma, convido-a a pensar pela sua cabeça, em vez de seguir o velho e gasto discurso dos Estudos Científicos pagos pelos Laboratórios Farmacêuticos com o objectivo claro de vender medicamentos.
        Aproveite e pense porque existe de novo uma nova campanha contra os fumadores,

  2. No entanto, alteram a lei de imigração e deixam entrar, calcule-se, marginais em Portugal, possíveis terroristas – como se não os houvesse entrado – e está este governo preocupado com os fumadores, marginalizando-os, e dando preferência aos verdadeiros assassinos em massa. É por politicas destas que deixei de votar e vou manter esta posição enquanto os lacaios da UE se mantiverem.

  3. O mesmo se passa em relação a ter animais de estimação. Sempre ouvi dizer que era anti-procedente ter um animal quem tinha problemas respiratórios e não só, falta de asseio. O negócio é lixado!

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