Competir no e ao centro

(José Pacheco Pereira, in Público, 28/04/2018)

JPP

Pacheco Pereira

(Caro Pacheco. Grande palestra de balneário. Estás para a política como o Jorge Jesus está para a bola, és o rei da táctica para o PSD de Rio. Esqueces vários detalhes. Um deles, e de não pouca importância, é que se à esquerda do PS existir 20% do eleitorado, não há “centro” tal como tu o vês. E é para esse objectivo que PCP e BE vão lutar. E, como os portugueses, tem a noção perfeita de que o PS só prosseguiu muitas das políticas que beneficiaram muitos devido ao peso da esquerda nos acordos de governo, talvez não seja difícil que alcancem essa fasquia. E lá se vai o “centro”.

Comentário da Estátua, 28/04/2018)


Há quem se dê bem com os quadros de análise esquerda versus direita. Não é o meu caso, que de há muito penso que é uma maneira muito redutora de olhar para a realidade política dos nossos dias. Mas a verdade é que, apesar de sempre o fazer com muita resistência, não pude escapar a essa dicotomia e usei-a nos últimos anos. Uma das razões é que a radicalização da nossa vida política nos anos do ajustamento tornou a fractura direita-esquerda uma realidade impossível de evitar, visto que a viragem drástica à direita materializada no Governo PSD-CDS, acompanhada pelo abandono por parte do PSD do seu património genético social-democrata, criou uma frente de direita de facto. Por seu lado, o acordo PS-BE-PCP gerou uma resposta com uma protofrente de esquerda. A dicotomia não era perfeita, porque o PS conseguiu manter uma identidade de centro-esquerda, facilitada pela viragem do PSD, que deixou parte do terreno político vazio e que o PS ocupou, impedindo a existência de uma frente de esquerda perfeita.

O que se passa nos dias de hoje é que, com a mudança da liderança do PSD, que abandonou parte dos aspectos mais agressivos da viragem à direita nos anos de Passos Coelho, a política recentrou-se para fora dos extremos, o que teve efeitos no PSD e no PS e a reacção entre irritada e utilitária do CDS e do PCP e do BE. As negociações entre PSD e PS, mesmo com escassa substância, tiveram o efeito de ajudar o PS a poder fazer uma política em duas frentes e o PSD de se demarcar da oposição muito agressiva que caracterizara os dois primeiros anos da “geringonça”. Não é, insisto e insisto muito, uma viragem consolidada e segura, mas é uma viragem. Pode agora começar a falar-se do centro, esse fantasma da política portuguesa que ninguém quer na bandeira, mas de que PS e PSD sabem precisar para ganhar eleições.

As próximas eleições que poderiam realizar-se no modelo frente de esquerda (PS+BE+PCP) versus frente de direita (PSD+CDS) podem agora realizar-se numa competição pelo centro político, uma entidade difícil de definir, mas que agrega uma parte muito significativa do eleitorado urbano, politicamente mais qualificado e informado, e que pode, quando no seu terreno aparece uma alternativa, escolher sem clubite identitária. Ou seja, premeia ou pune o partido que lhe pareça merecer essas atitudes, e que historicamente se desloca do PS para o PSD e vice-versa, em particular em função da performance governativa. Soares, Sá Carneiro, Cavaco, Guterres, Sócrates, Passos Coelho (em 2011), todos beneficiaram desse efeito, ou o desbarataram.

O problema para o PSD é que, à data em que escrevo, o PS tem muito mais condições para usufruir dessa ocupação do centro político, até porque mesmo com a “geringonça” pode manter-se no terreno do centro-esquerda e o PSD só agora se deslocou para o centro-direita-centro–esquerda, com o terreno ainda muito minado pelo seu passado recente e pelo corte muito ambíguo com as políticas do “ajustamento”. Na verdade, enquanto, do ponto de vista do eleitorado central, o PS tem feito quase tudo bem, o PSD fez apenas o recentramento com as negociações com o PS, mas errou ou não explorou todos os outros factores que pesam na competição ao centro.

De facto, a competição pelo centro é diferente do confronto frente de esquerda–frente de direita. Para o eleitorado mais informado e qualificado do centro, contam à cabeça três coisas com que o PSD tem tido muita dificuldade em lidar, quer por erros próprios, quer por falta de massa crítica partidária de um PSD muito desertificado de quadros políticos, muito dependente de políticos de carreira no interior do partido e por uma ruptura com vários sectores da sociedade, processo que se tem acentuado desde que Cavaco Silva deixou de ser primeiro-ministro.

O primeiro dos factores é fundamental para travar o populismo e a deriva abstencionista: a imposição de um quadro mínimo de atitudes éticas com medidas exemplares e oportunas de demarcação ante a corrupção, o tráfico de influências e actos de moral duvidosa, mesmo que não necessariamente ilegais. Rio vem com uma imagem de rigor ético e falou da necessidade de um “banho de ética”, o que era uma vantagem face a um PS ainda muito enterrado no “caso Sócrates”. Porém, sucede que nestas matérias a primeira impressão conta muito e raras vezes dá a oportunidade de uma segunda impressão, e os casos de Elina Fraga e Barreiras Duarte mancharam essa primeira impressão.

O segundo factor é a escolha das pessoas e das equipas, que, numa competição ao centro, é muitas vezes o grande equalizador entre quem está na oposição e quem está no governo. E aqui as escolhas de Rio para áreas fundamentais, quer no partido, quer no governo, são más. Há excepções, mas são poucas. No partido, as escolhas para cargos relevantes de pessoas que traziam um historial pesado de suspeitas e acusações de carácter judicial, ou que pura e simplesmente eram muito medíocres, trouxeram-lhe logo à partida o risco da perda da inocência ética e acabaram por ficar como zombies políticos incapazes de ter qualquer protagonismo nas áreas que justificavam o seu recrutamento. Nas escolhas para um protogoverno-sombra, há pessoas cuja experiência governativa foi insatisfatória e nalguns casos que transportam histórias obscuras quase desde sempre. É duro dizer isto, mas toda a gente, repito, toda a gente, sabe que é verdade. Rio devia estar a milhas dessas pessoas e não tem estado.

A sua única desculpa é que no PSD não abundam pessoas com capacidade para assegurar muitas áreas quer da oposição, quer da futura governação, e muitas das que existiam já há muito se afastaram. A quebra de prestígio partidário nos últimos anos torna relutante a colaboração de muitos independentes, com os quais o PS tem maior margem de manobra, mesmo com Sócrates às costas. Acresce que o aparelho partidário, na “jota” em particular, tem “queimado” qualquer recrutamento e ascensão de pessoas qualificadas e que saibam fazer mais do que viver nas redes sociais mandando “bocas” e servindo como fontes de intriga para os jornais. Neste contexto, era preferível ir buscar gente completamente nova e dar-lhes oportunidade de “se fazerem”. Aqui o CDS sempre foi melhor.

Por último, a competição ao centro faz-se muito pelo confronto de causas e propostas que correspondam aos problemas reais do país, que estão longe da agenda imediata e mediática. Não é só o programa eleitoral — é a condução quotidiana de um grande partido político reformista e moderado que seja capaz de reconstruir o seu património com posições e propostas de forma estudada e criativa, assente na sua identidade genética. E aí há muito para fazer, na educação, na saúde, no sistema político, no mundo do trabalho, na cultura, na Segurança Social, na emigração, na habitação, no equilíbrio regional, etc.

Embora os factores anteriores sejam um lastro negativo para assegurar a qualidade do trabalho programático, penso que tem todo o sentido haver um benefício de dúvida. Se o PSD souber ancorar-se no centro político, vai descobrir todo um terreno de actuação que é efectivamente alternativo ao PS e lhe pode dar um impulso eleitoral, caso o mereça. Para isso é também preciso recusar a histeria da “novidade” e da intervenção permanente, introduzir algum tempo reflexivo e mais lento, sem temer o papão do “vazio” que é hoje um instrumento para subordinar a política aos ritmos da actual comunicação. Aqui Rio tem vantagem e pode explorá-la.

Se nas próximas eleições o confronto se fizer ao centro, pode haver vantagem para os portugueses. Há apenas um óbice e esse demasiado importante: o centro pode significar o abafamento da questão europeia, debaixo de um consenso ambíguo que há muito existe sobre o seguidismo do PS e do PSD em relação a uma União Europeia que é hoje uma entidade pouco democrática e desrespeitadora da soberania das nações.

Esta circunstância pode matar tudo, ao impor a Portugal um modelo de estagnação que a prazo gerará radicalização social, com o risco de populismo. Nessa altura, voltamos à grande simplificação e ao reducionismo político, e o centro nunca se implantará como lugar da democracia.

Vamos ver.

3 pensamentos sobre “Competir no e ao centro

  1. O populismo reflecte, também, a vitalidade do pensamento social dos cidadãos. Daqueles que não têm o pensamento num estado comatoso; dos intrépidos à mudança. Em contrapartida, no nosso país, os partidos que ocupam o poder democrático são sempre os mesmos. Veja-se só a reacção a esta coligação não governamental, ou apenas parlamentar, cujos partidos do centro-direita sucumbiram ao medo e ao escárnio por ser um governo de “extrema-esquerda”. O PCP não é um partido que se perfile com a doutrina de extrema-esquerda.

  2. Isto sim, é análise, ó ganda Pacheco. Abençoados anos e escola esquerdista e abençoados anos de poleiro pelo que de facilidade e conforto burguês, respectivamente permitiram.
    Mas cuidado, porque nova crise se avizinha que, por certo, será mais agreste ainda para aqueles a quem nada ligas desde que, de boca e cinicamente, os deixaste de representar. O teu amado capitalismo – agora no seu estado supremo desde que a seita matilhada dos tacher&reagan&cia iniciou no Chile de Allende a era das golpadas que a ONU compreende e deixa passar para não desencantar a voz do dono -, esse compuscardo neoliberalismo continua em agonia vai para 10 anos (coisa nunca vista, nas cíclicas crises já quase quinhentistas), aqui e ali com alguns espasmos qual moribundo em fase terminal; os trilhões de dólares e euros despejados (dinheiro helicóptero) nas economias não resolveram nada, ainda que, vampirescamente como sempre, tivessem sugado o suor, as lágrimas e o sangue dos de sempre – 《os debaixo》em memória au querido e saudoso Miguel -, aumentando o exército do lúpen; a nova teoria económica capaz de salvar, como em 1929 o Keynes salvou, está por inventar; os mí(r)dias burgueses controlados e vendidos os seus jornaleiros(zecos) e comentadeiros nunca, como tu, nunca mais são capazes de deixar de descrever e passar a transformar a Historia; a América Latina está em efervescência e a tampa da panela pode saltar quando em breve a Venezuela for invadida pelas tropas dos 6 países vizinhos onde os governos fantoches se vergaram aos yankees norte-americanos; o gigante chinês, pondo em prática o marxismo (quem duvidar, se quiser tirar as duvidas, basta ler o discurso do secretário geral fo PC Chinês ao último Congresso) vai implementar a nova “ROTA DA SEDA” e dentro em pouco passará para o 1° lugar do ranking, mesmo mantendo os trilhões/triliões da dívida dos yankees e que já tepresentam cerca de 85% da dívida total norte-americana, e toda a sua (da China, pois claro) estratégia continua a excluir a interferência nos assuntos internos dos paises parceiros, ao contrário do vampiresco FMI que dá aos catrógas (o dos pentelhos, lembram-se) umas centenas de milhar por ano e consegue meter o dedo no dito cujo do Zépovinho e nem vaselina usa, quase acaba com a classe média, manda para a pobreza milhões, salva os bancos, c@ga para a saúde, educação e velhice e põe na mão dessa gentalha do centro, do centro esquerda e do centro direita que apregoas – enfim, na mão dos do famigerado “arco” de que que também fizeste parte nos 40 anos das vossas governanças – mais 78 mil milhões, is quais só prá banca, 20, muito provavelmente não vão chegar; e a vida continua!….
    Até quando o Zépovinho Luso vai deixar?!?!…
    Veremos.

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