A eleição de Rui Rio é um problema para Rui Rio, não para a atual maioria

(João Galamba, in Expresso Diário, 2201/2018)

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A chamada Geringonça não é nenhuma anomalia política tornada possível pela existência de Passos Coelho, nem a saída deste último da liderança do PSD é a chave para um qualquer regresso a um espaço mitificado de grandes consensos que alegadamente aproximariam o PS do PSD. Anómala, isso sim, era a incomunicabilidade à esquerda. Anómala quando olhamos para o panorama europeu e, sobretudo, nada vantajosa para o PS e para uma governação do país à esquerda, porque ou o PS tinha maioria absoluta ou ficava na mão da direita para governar.

Paradoxalmente, a chamada Geringonça acabou por recentrar e reequilibrar o nosso sistema político. Recentrar e reequilibrar porque pôs termo à vantagem artificial de que a direita dispunha para governar ou influenciar a governação do país. É natural que quem beneficiava da realidade anterior não goste particularmente desta mudança, mas convém situar a anomalia onde ela realmente existe, ou melhor, existia.

Para não lhe chamar reforma, chamemos-lhe mudança estrutural. Esta mudança é estrutural porque reconfigura as possibilidades políticas ao dispor de cada partido. Nesse sentido, a eleição de Rui Rio não vem alterar nada. Melhor dizendo: a única coisa que a eleição de Rui Rio altera é que o PSD passa finalmente a ter um líder que foi eleito e que inicia o seu mandato já sabendo que deixou de haver incomunicabilidade à esquerda e que, portanto, a direita perdeu a vantagem relativa de que tradicionalmente dispunha. O que para Passos Coelho foi um evento traumático, para Rio passa a ser uma realidade com a qual terá de lidar. Ou seja, não é Rui Rio que ameaça a chamada Geringonça, mas esta que cria um problema a Rui Rio, que enfrenta uma  situação inédita no PSD.

Ainda é cedo para perceber exatamente o que fará Rui Rio, mas já sabemos o que pensam alguns dos seus mais destacados apoiantes, como Manuela Ferreira Leite: temos de salvar o país (e o PS) da esquerda à esquerda do PS. Esta ideia tem um problema: como o país não aparenta querer ser salvo da experiência de diálogo à esquerda, a única forma de afirmar projeto político autónomo passa por apresentar uma alternativa clara ao que existe, o que obrigaria Rui Rio a fazer aquilo que sempre disse que não queria fazer, e que me parece claramente não ser o que Manuela Ferreira Leite tinha em mente quando falou do diabo, isto é, assumir que o PSD é um partido de direita, em tudo semelhante ao que foi liderado por Passos Coelho. Algumas das ideias ventiladas por Rui Rio, como cortar pensões em contextos recessivos ou reduzir o défice a um ritmo ainda mais acelerado que o do atual Governo, parecem apontar nesse sentido. No momento atual, esse projeto parece muito longe de reunir o apoio maioritário dos portugueses, mas sempre confere uma identidade própria ao PSD. Pode não ser a identidade que Rui Rio sempre disse desejar, mas pode mesmo ser a única ao seu dispor.

3 pensamentos sobre “A eleição de Rui Rio é um problema para Rui Rio, não para a atual maioria

  1. Concordo. O PSD é uma fraude construída por Sá Carneiro para inviabilizar a formação de um PSD dos sociais democratas que se opunham ao liberalismo PPDista de Sá Carneiro.
    Rui Rio pode ter vencido as eleições para líder, mas terá de liderar um partido que preconiza uma economia de mercado pura e dura, ou seja anti-trabalhista!

  2. Escapa-lhes sempre qualquer coisa mas não deve ser por mal. É porque são assim mesmo!
    Rui Rio DISSE também que iria procurar que a Assembleia participasse na sua totalidade. Mas disse-o após ter dito essa frase ‘chave’ em que, numa atitude inteligente disse que para bem do País privilegiaria – privileligear não é ter uma opção única….- uma maioria com o PS. O que, aliás, tanto o PC como o BE não tiveram relutância em fazer! Isto sendo claro e sabido que tanto o PC como o BE, apenas interessados em fazer oposição independentemente das circunstâncias porque sabem que nunca serão governo, não são parceiros que se priviligiem. O PS ouve-os, embora não os privilegie, porque a isso é obrigado e eles aceitam porque é a única maneira de terem voz.
    Se Rio lhes der oportunidade quando tal fizer sentido não vejo qual seja a diferença! Tal como agora, pelas lamurias de ambos o concluímos, que umas propostas são aceites e outras não.
    A Esquerda e a Direita terão um dia que perceber que o País não pode estar à mercê de humores e birras ideológicas. Até porque as diferenças dos que na sombra bafejam o Poder não são assim tão diferentes. Louçã é, a preto e branco, o que Nobre Guedes é a cores. De resto, não lhes vejo diferença, embora um privilegie a educação e outro a etiqueta….

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