O mandato longo e único do PGR não está na Constituição. Mas devia estar 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/01/2018)  

Daniel

Daniel Oliveira

Esteve mal a ministra da Justiça ao declarar publicamente o seu entendimento sobre o mandato de seis anos para o Procurador Geral da República. Que é um mandato longo salta à vista, que é um mandato único é matéria de interpretação, já que isso não está expresso na Constituição. O facto de ter sido essa a interpretação nos últimos 17 anos deveria chegar para que a decisão de seguir a tradição não fosse motivo de suspeita. Mas não chega para ser indiscutível. A ministra da Justiça, que não fala como jurista, não é a pessoa indicada para se envolver, por agora, nesse debate. Um debate que queima, como aqui escreveu Ricardo Costa. E esteve mal porque pré-anunciou a não recondução de Joana Marques Vidal quando essa decisão cabe ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. Criou um incidente desnecessário.

A suspeição que se instalou mal se pôs a possibilidade de fazer com esta PGR o mesmo que se fez com os dois anteriores prova que qualquer recondução de qualquer PGR obriga a leituras políticas dos seus mandatos, contribuindo para a politização do Ministério Público. Por isso, a própria procuradora defendeu, em 2016, o mesmo que a ministra: que o mandato dos PGR é único.

Dito isto, considero que Joana Marques Vidal deve ser reconduzida? Porque está a fazer um mau mandato? Pelo contrário, o balanço que faço é globalmente positivo. E no que é negativo as coisas estão apenas como sempre estiveram.

Joana Marques Vidal não deve ser reconduzida porque o mandato único de seis anos é a melhor forma de garantir independência face ao poder político sem concentrar demasiado poder num só magistrado. É por isso mesmo que Souto Mouro e Pinto Monteiro não foram reconduzidos, sem que isso fosse sequer um debate. Ou foi por razões políticas que não foram reconduzidos, como o PSD agora insinua?

Reconduzir Joana Marques Vidal (ou qualquer outro PGR) seria voltar aos tempos em que Cunha Rodrigues concentrava imenso poder e daria aos políticos a capacidade de pôr PGR a trabalhar para o segundo mandato. Seja fazendo-lhes favor, seja tornando-os reféns. Nem uma coisa nem outra são saudáveis. O mandato longo e único não está na Constituição mas devia estar.

A suspeição que se instalou mal se pôs a possibilidade de fazer com esta PGR o mesmo que se fez com os dois anteriores é a melhor prova que a recondução obriga a leituras políticas dos mandatos dos PGR contribuindo para a politização do Ministério Público. Para não ficar sob suspeita, qualquer governo teria de reconduzir eternamente qualquer PGR que estivesse a investigar políticos. E o facto de haver tanta gente que acha que os julgamentos fundamentais dependem de Joana Marques Vidal já devia servir de aviso. Não podem depender. Não pode ser assim que a justiça funciona.

A acusação de tentativa de intromissão do poder político na Procuradoria Geral da República, por se dizer que se acha que se deve fazer o mesmo que se fez nos últimos 17 anos, é totalmente descabida. A ministra, mesmo que não o devesse fazer, concluiu o que todas as pessoas atentas já tinham concluído: que, desde que os mandatos do PGR passaram para seis anos, todos os que ocuparam o cargo apenas estiveram lá um mandato. Mas tudo o que era banal nos últimos vinte anos passou a ser escandaloso nos últimos dois.

A reação da oposição política e mediática, tentando passar a ideia que estamos perante um afastamento, que já levou a artigos delirantes em que se acusa o governo de um Watergate à portuguesa, é especialmente absurda quando se sabe que Joana Marques Vidal disse, em 2016, exatamente o mesmo que Francisca Van Dunem: “O mandato tem uma duração única de seis anos”. Nisto, Joana Marques Vidal e a ministra estão de acordo. E foi só isso que a ministra disse.

3 pensamentos sobre “O mandato longo e único do PGR não está na Constituição. Mas devia estar 

  1. «Dito isto, considero que Joana Marques Vidal deve ser reconduzida? Porque está a fazer um mau mandato? Pelo contrário, o balanço que faço é globalmente positivo. E no que é negativo as coisas estão apenas como sempre estiveram.»

    Afinal não tens emenda DO. Então o balanço que fazes é positivo? Vamos fazer contas: de um lado “Casa Pia + Sucatas + Marquês = 3 casos prosseguidos todos até acusação e julganmento.. Do outro lado: BPN (grande parte da imensidão) + Portucale + submarinos + Pandur = arquivamento; vistos Gold em investigação e casos como a moradia de Cavaco + as acções e acção de Cavaco no BPN + a inventona das escutas de Cavaco + fugas de segredo de justiça da própria PGR (dezenas), em suma; 3 casos prosseguidos à exaustão para 3 julgamentos abusativamente condenatórios sem prova dos factos contra 4 altos casos abusativamente flagrantes arquivados + 4 casos flagrantes nem sequer inquiridos e apenas 1 caso em investigação.
    E a isto chamas um “saldo positivo” ó seu balsemaneta?

  2. O D. Oliveira é mais um dos fazedores da opinião que a PGR deve ser reconduzida apesar,
    de estar por esclarecer se teve alguma responsabilidade no caso levantado pela TVI sobre
    tráfico/adopção de crianças, dado ser uma responsável pela actuação dos procuradores no
    Tribunal de Menores! Sob os seus auspícios o Ministério Público brincou com o que se diz
    se um Estado de Direito, caso das permanentes fugas de informação para os “tribunais” po-
    pulares de processos que deviam estar em segredo de justiça, etc. etc.!
    Logo, o articulista deve andar muito distraído ou a viajar muito pelo estrangeiro para aproveitar
    um não assunto para fazer a sua crónica/engraxadela ao “boss”!!!!

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