O desafio mais exigente que se coloca aos políticos decentes

(Jorge Rocha, in Blog Ventos Semeados, 26/12/2017)

semeados

Passados os festejos natalícios iniciamos aquele curto ciclo em que se fazem os balanços do ano que acaba e se prevê quanto possa suceder no que entra. A tentação aqui manifestada é a mesma, mas tanto quanto possível diferente no conteúdo de todas as outras, que por aí irão ocupar tempo de antena. E, apesar de termos tanto que referir a nível nacional (o sucesso das políticas económicas do governo, as tragédias suscitadas pelos incêndios) ou internacional (a Catalunha, os mísseis norte-coreanos, a força das extremas-direitas europeias), a opção natural é considerar como mais determinantes os acontecimentos, que já vinham de 2016 e se mantiveram pertinentes ao longo dos últimos doze meses: o Brexit  e a presença de Trump na Casa Branca.

O que une os dois acontecimentos, e nos deve particularmente interessar, é a relevância da participação e votação dos estratos sociais mais velhos, com menores habilitações académicas e enquadráveis na frágil fronteira entre o lúmpen proletariado e a pequena burguesia influenciada pelas igrejas evangélicas. Com todas as razões para se desligar dos que lhes vinham acenar para a possibilidade de se vingarem das elites e do «sistema» de que se sentem apartados, esse eleitorado serviu de idiota útil aos que pretendiam precisamente castigar. E a realidade vai-o demonstrando dia-a-dia: nas próximas semanas quantos desses eleitores ficarão à espera de ver mais lautos rendimentos chegarem às suas contas graças ao alívio fiscal agora decidido pela Administração Trump e descobrirão com surpresa que, afinal, a legislação foi pensada e aplicada para as grandes empresas e os grandes especuladores da Bolsa de Valores?

Daí a questão que mais importa esclarecer no imediato: como podem os políticos decentes livrarem-se das táticas aplicadas por essa extrema-direita, que não enjeita recorrer à mentira, à teatralidade grotesca e à insinuação mais torpe para ver concretizados os seus projetos sinistros?

Aquilo que Assunção Cristas tem mostrado nos debates quinzenais com António Costa é uma pequena amostra do que poderá seguir-se, sobretudo se a sua inaptidão para a conduta populista for melhor comandada por algum guru do marketing político, capaz de mascarar de diamante o que apenas é negro carvão.

Aos socialistas pede-se que não se cinjam à atitude defensiva, que tem sido a sua na permanente guerrilha de casos com que as televisões e os jornais os pretendem tolher. Se quem lhes lidera a estratégia pensa que não haverá oposição digna desse nome tão só os resultados económicos e financeiros se mantenham robustos, bem pode encontrar desmentido de tal ilação porquanto, ainda hoje, o campo do «remain» no Brexit está convencido que a sua derrota resultou de ter limitado a propaganda a essa vertente da mensagem política.

Preocupante é também a ilusão de quantos defendem a necessidade de «abrir os partidos à sociedade», dando aos eleitores, e não apenas aos militantes com quotas em dia, o privilégio de designarem os seus líderes.

Pessoalmente mantenho assumidamente a perspetiva sobre o papel dos partidos, correspondendo a sua crise atual – e até desaparecimento recente de alguns que tinham desempenhado papéis históricos relevantes em Espanha, na Itália ou na França – à demissão do seu papel liderante. Atitudes como as da referida Cristas a pedir aos militantes e simpatizantes, que lhe transmitam ideias para as integrar no seu programa eleitoral não lembra  senão a cabeças tontas como a dela.

É fundamental que os partidos à esquerda discutam interna e exaustivamente o seu projeto de futuro. E é o que resultar desse trabalho político que deve ser adequadamente transmitido ao eleitorado com mensagens simples e facilmente apreensíveis por quem o possa apoiar. O grande problema da deficiente comunicação entre eleitos e eleitores tem a ver com a escassez de oportunidades com que aqueles se dispõem a escutar os anseios de quem representam, mas também com a incapacidade para lhes transmitirem explicações plausíveis sobre como poderão dar-lhes satisfação.

Em suma sou contra as primárias abertas a não militantes (recorde-se que, no PS, tratou-se de um mero estratagema de Seguro para conseguir o que julgava vir a ser uma vitória mais fácil!) e contra a generalidade das propostas defendidas na Comissão Nacional do PS pela tendência representada por Daniel Adrião. Ao insurgir-se por o Partido ter suspendido as três centenas de militantes, que concorreram por listas independentes nas recentes autárquicas ele revela bem a sua inconsistência ideológica. Tivesse o PS a desdita de Adriões ou Assises os virem a comandar e vê-lo-íamos condenado ao declínio conhecido pelos seus congéneres na maioria dos países europeus.

Ao ter apresentado a «Agenda para a Década», em vésperas das eleições de 2015, António Costa demonstrou muito bem saber para onde pretendia fazer rumar o Partido e o país. A Visão de futuro aí exposta fazia sentido, mas foi pessimamente comunicada ao eleitorado que não lhe retribuiu o mérito que lhe caberia por justiça. Importa atualizar esse documento e encontrar novas estratégias para as transmitir à generalidade dos cidadãos de modo a que eles as entendam. Só assim se poderão evitar surpresas como as que beneficiaram Trump e os pró-Brexit.

A política é coisa demasiado séria para ficar dependente do voto de quem o usa contra os seus próprios interesses, manipulado por quem sabe muito bem como nele despoletar os preconceitos e as mais absurdas expectativas. O nosso esforço quotidiano será o de emular o que de positivo as esquerdas possam concretizar e denunciar incansavelmente todas as torpezas intentadas pelas direitas apostadas em retomarem o austericídio, que deixaram a meio…

5 pensamentos sobre “O desafio mais exigente que se coloca aos políticos decentes

  1. Eu ainda estou à espera da destruição anunciada da economia britânica, mas ao que parece só saiu um plano de investimento impossível para a Eurozona.

  2. Que bela retórica (sempre mais actulizada pela dura realidade) prenha da mais elementar lógica aristotélica — mas que parte de um falso pressuposto: o luso partido dito socialista É DE ESQUERDA!…
    Viverão, ou irão continuar a viver, os proletários assim na mesma senda do capitalismo: com primárias abertas ou sem elas, os partidos que representam e agem em consonância com os interesses do sistema capitalista enquanto sistema económico-social dominante, vão continuar as mesmas políticas dos últimos 40 anos num pequeno país onde o seu nobre Povo que foi capaz de transformar, a partir de 26/04/1974 — nas ruas, nas fábricas, nos campos e nos principais sub-sectores de um terciário a desabrochar —, um simples golpe militar corporativo numa genuína Revolução Popular consubstanciada, escassos dois anos depois, numa Constituição da República por ventura no planeta Terra a mais progressista (de esquerda, diga-se, sem plural, nem adjudicações, porque do Povo, pelo Povo e para o Povo — porque todo o resto são balelas, mais eruditas ou elitistas exploradas até à exaustão por uma mídia de merda onde balsemões e sucedâneos ditam e fazem prevalecer as suas leis através de gentalha da estirpe de uns joses gomes ferreiras, rauls vazes, camilos lourenços, jaimes nogueiras pintos, e quejandos)!…

    VENHAM MAIS 5:
    Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já
    Do branco ou tinto, se o velho estica eu fico por cá
    Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-no a andar
    De espada à cinta, já crê que é rei d’aquém e além-mar
    Não me obriguem a vir para a rua
    Gritar
    Que é já tempo d’ embalar a trouxa
    E zarpar
    Tiriririri buririririri, Tiriririri paraburibaie,
    Tiiiiiiiiiiiiii paraburibaie …
    Tiriririri buririririri, Tiriririri paraburibaie,
    A gente ajuda, havemos de ser mais
    Eu bem sei
    Mas há quem queira, deitar abaixo
    O que eu levantei
    A bucha é dura, mais dura é a razão
    Que a sustem só nesta rusga
    Não há lugar prós filhos da mãe
    Não me obriguem a vir para a rua
    Gritar
    Que é já tempo d’ embalar a trouxa
    E zarpar
    Bem me diziam, bem me avisavam
    Como era a lei
    Na minha terra, quem trepa
    No coqueiro é o rei
    A bucha é dura, mais dura é a razão
    Que a sustem só nesta rusga
    Não há lugar prós filhos da mãe
    Não me obriguem a vir para a rua
    Gritar
    Que é já tempo d’ embalar a trouxa
    E zarpar
    O AUTOR, pela sua intransigente postura perante a sociedade burguesa e capitalista — sempre viveu de cu virado para o poder capitalista instituído —, pagou, em vida, muito caro, a sua verticalidade, mas, inspirado no “antes quebrar que torcer”, livrou-se da “lei da morte”!…
    E vocês????????……
    Continuação de boas festas e votos.de um óptimo 2018, sempre, sempre, sempre AO LADO DOS MAIS DESFAVORECIDOS.
    Um abraço, do
    aci

    • Meu caro amigo Estatuadesal,
      Esta é a versão do meu comentário a este artigo que o amigo fez o favor de publicar aqui.
      Mais uma vez, pela complexidade destas novas tecnologias dos telemóveis que continuo sem dominar completamente, só depois de submeter reparei que uma primeira parte do texto foi em duplicado, pelo que solicito o favor de eliminar toda a primeira versão e considerar apenas esta que envio, (naturalmente sem esta corrigenda, claro).
      ———————//—————

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