Erguei as mãos para as alturas

(Francisco Louçã, in Público, 05/12/2017)

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Abra-se o champanhe: Mário Centeno é o novo presidente do Eurogrupo. Surpreendente? Sim, há meses houve quem suspeitasse, eu também, que era estratagema de propaganda. Não, era o início de um movimento vitorioso e Dijsselbloem (socialista, pois é) tinha de ser substituído por outro ministro da mesma família. Pois temos Centeno, champanhe.

Para o ministro, grande promoção. Para o governo português, sucesso total. Para o PSD e CDS, mais uma humilhação, vénia ao vencedor, acabou a conversa sobre os números orçamentais falsificados. Até Durão Barroso renasceu das profundezas do Goldman Sachs, qual Dona Constança para se juntar à festança. Para a esquerda, mais pressão. Mas, para a União Europeia, tudo igual.

Em todo o caso, vamos ter congratulações efusivas, evocações de Afonso de Albuquerque a espadeirar os indígenas. Sugiro, se me é permitido, alguma contenção e mais realismo. Primeiro, porque os festejantes se devem lembrar de quantos deles, e dos mais ilustres, anunciavam há parcos meses o “esboroamento a olhos vistos” e as “crises sufocantes” da União, ou até a “morte de um projecto”. Os mais afoitos marcavam datas, “o tempo para salvar a Europa acaba este ano, porventura o mais tardar no Outono” (faltam duas semanas), ou, já vai para dois anos, que “nos próximos dias” chega o “verdadeiro colapso moral por parte da Europa”, “abjurando todo o património de que tem sido portadora no campo dos direitos humanos”, ao passo que o mais eufórico anunciava, esse vai para dois anos e meio, que a crise do euro “começou a acabar”. Esta obsessão por marcar prazo da abjuração ou, vice versa, da redenção, diz muito do que por aí vai.

Há no entanto uma razão menos paroquial para alguma prudência. É que ninguém sabe o que vai ser o Eurogrupo, o euro, ou até a União Europeia. E bem se pode dizer que ela o merece. Veja o seguinte exemplo, convocado da solenidade dos grandes momentos, em que a Comissão Europeia resume o melhor dos cenários que propõe, o de “fazer muito mais todos juntos”, com este caso maravilhoso: “Os europeus que pretendam ter uma palavra a dizer sobre um projecto de implantação de turbinas eólicas na sua região, financiadas pela UE, terão dificuldade em identificar a autoridade responsável uma vez que lhes será dito para contactarem as autoridades europeias competentes”.

Ou seja, o risonho futuro da União será quando os cidadãos andarem em papos de aranha até para “identificar” com quem falar a propósito da turbina imposta no seu quintal. Devemos então estranhar que as democracias se sintam ameaçadas? Quem assim se apresenta perdeu a noção de que deve convencer ou até conversar com as pessoas, oferece-lhes somente o mistério da autoridade. É por estas e outras que a União se tornou um projecto falhado.

O que poderá então fazer o nosso Centeno, o último dos crentes no aprimoramento do euro? Um Orçamento para transferências entre os Estados (mas o orçamento está a diminuir)? Uma política que responda a cada recessão promovendo emprego em vez de austeridade (mas os tratados não mudaram)? Uma Merkel gentil, um Macron discreto? Sim, pode erguer as mãos para as alturas e esperar. Pois parece que a única reforma que está em cima da mesa é o título da função, ministro das finanças europeu. Para Centeno é confortável, para a Europa é pouco.

 

6 pensamentos sobre “Erguei as mãos para as alturas

  1. «Para Centeno é confortável, para a Europa é pouco.»

    Vê-se logo, se o cargo fosse de Louçã seria muito para a Europa e pouco para a persona. Como, aliás, se vê no seu cargo de consultor do Banco de Portugal o qual mudou radicalmente, à la mode de Bloco e, especialmente de Louçã que também raramente se engana pois dizia que o chumbo do PECIV era para mudar Portugal e não se enganou, desgraçadamente.
    Os argumentos esfarrapados dos nossos analistas políticos são sempre de previsão de futuro inamovível das instituições. Mas é mesmo assim ou quase nunca? Quando muda o Governo na instituição Estado não muda nada? Com o Estado de Marcelo, Costa e Centeno o Estado deixado por Cavaco, Passos e Portas não mudou nada nem nada se alterou?
    Pois, já sabemos, a História é feita pelas “massas” mas depois à frente das massas é colocado um “Grande Chefe”, “um Guia” que é quem mais tarde fica na História como construtor da mudança. Para os nossos analistas só valem os valores absolutos, os poderes absolutos para mudar radicalmente o mundo da noite pró dia. Assim, qualquer Centeno por mais centelha de inteligência, capacidade ou pequena ideia que possua nunca mudará nada porque a Europa é uma máquina programada que, maldita, nunca deixará que lhe façam um revisão quanto mais um ajustamento.
    Como nas nossas vidas pessoais estamos sempre a corrigir medidas que não resultaram bem também as instituições, constituídas por seres humanos falíveis capazes de reconhecer erros, têm de mudar de comportamento e fazer novas tentativas e experiências caso contrário, então sim, tranformar-se-ão em máquinas de um funcionamento que envelhecerão, tornam-se decadentes e um dia serão lançadas no caixote do lixo da história.

  2. Este senhor Loução é Economista e Professor Universitário, Conselheiro de Estado, Conselheiro do Banco de Portugal, fundador de um Partido Político, comentador televisivo, escritor, analista político,…O que será ele mais?

      • Vejo que estás empenhado em defender quem não merece porque não passa de um boçal politico que percorre os salões da burguesia em busca de promoção pessoal a qualquer preço desacreditando quem sempre lutou com as armas que tinha na mão.

    • Mais nada. O que já fez foi muito mau ao entregar o país a um governo que espoliou as pessoas de maneira miserável. Essa desgraça que sofremos também á culpa sua. Depois da borrada que fez, abandonou barcos e velas, meteu o rabinho entre as pernas e foi pregar para outra freguesia. A atitude deste sr, esta permanente descrença, debalde os resultados conseguidos, faz-me lembrar o Passos, Montenegro e Hugo, rindo a bandeiras despregadas quando Centeno se apresentou no parlamento pela primeira vez. Também não só não acreditaram no “milagre”, como ainda achincalharam o homem que agora os prostrou por terra de maneira contundente. Não queira este sr. vir a suceder-lhe o mesmo. Centeno ainda não fez nada no parlamento europeu para que possa ser julgado. Deixai o homem trabalhar e depois façam o seu juízo. O que pessoas como este sr. fazem é muito feio, pois obedece a uma lógica corrosiva de minar logo à nascença qualquer hipótese de sucesso o que seria contraproducente às aspirações da sua cor partidária. O lamentável é que estas pessoas omniscientes, com remédios para todos os males, que criticam o trabalho dos outros, não sejam chamadas a provar a benignidade das suas atitudes. Pessoas como estas, que nada fazem por nada saberem fazer corroboram o ditado: quem não sabe fazer ensina!

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