Marcelo, quo vadis?

(António Abreu, in Blog Antreus, 25/11/2017)

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Sou um dos muitos portugueses que saudaram em Marcelo Rebelo de Sousa o estilo dialogante, de procura de consensos, de proximidade com as populações e de cooperação institucional. Este estilo, com um novo governo e com a lenta recuperação de direitos e rendimentos dos portugueses, ajudaram a criar um ambiente mais aliviado e menos depressivo no país, fazendo toda a diferença com o governo de Passos Coelho e um final de mandato rancoroso de Cavaco Silva, decididamente afastado do percurso do nosso povo e da nossa história recente.

2.    O desempenho da Presidência da República variou depois do 25 de Abril de acordo com o seu titular. Mas, sempre, seja ele quem for, lhe é cometido que actue de acordo com o regime democrático português consagrado na Constituição da República e que implica a interdependência e controlos recíprocos dos diversos órgãos de soberania.

O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas.

O Presidente dispõe da possibilidade de se dirigir a todos os Portugueses para expressar as suas opiniões, com cobertura por parte dos grandes canais de rádio e televisão.

O Presidente da República desempenha ainda importantes competências em relação a outros órgãos de soberania e tem-se relacionado com o Governo normalmente e de forma reservada, não devendo ser considerado normal entregar-se a despiques de popularidade com ele, manifestando discordâncias ou julgamento de comportamentos em público em relação a ele.

A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, cabendo-lhe legislar, particularmente aprovar o Orçamento do Estado, sob proposta do Governo, e desempenhar uma série de competências em relação ao Governo, e é composta por representantes das candidaturas apuradas de maneira garantir a proporcionalidade e o método de Hondt na transformação de votos em deputados.        

Ao Governo cabe a condução da política geral do país e é o órgão superior da administração pública. O actual tem tido uma relação normal com o Presidente da República, sem ingerência conhecida em competências deste nem manifestação em público de estados de alma que o belisquem.

Aos Tribunais compete administrar a justiça em nome do povo, com independência incluindo a relativa a outros órgãos de soberania.

3.    O estilo do actual Presidente da República foi preparado ao longo de anos de comentários televisivos a questões pré-definidas, e a sabedoria assim expressa disseminou a simpatia do grande comunicador que é, que gerou uma natural popularidade antes, durante e depois da campanha presidencial. E que o Presidente da República seguramente vai gerindo para sua intervenção política no futuro.

A sua intervenção passou do comentário semanal ao comentário diário sobre as mais variadas questões.

E com sucessivas aparições em diferentes cenários. Um dos que mais me desgostou foi o abraço no palco da Web Summit ao patrão da iniciativa, Paddy Cosgrave, depois de este ter tido o desarrincanço “Quase todas as semanas sou contactado por investidores a perguntar o que se está a passar em Portugal e em Lisboa” e cujo desgosto se tem acentuado em mim com o silêncio sobre o que é que a referida feira trouxe de financiamentos para as nossas startups.

Na passada 3ª feira, Marcelo é orador, com o CEO do Grupo “José de Mello Saúde”, Salvador de Mello, numa sessão onde se discute a necessidade do SNS andar mais de mão dada com a iniciativa privada. No mesmo dia Salvador de Mello, entrevistado num canal de TV, acentua essa tónica da “cooperação”. Mas então não existe já essa “cooperação”? Os médicos, enfermeiros e técnicos de saúde, formados com o dinheiro de todos nós não são atraídos para o sector privado? Os seus doentes internados não são enviados para intervenções cirúrgicas nos hospitais do SNS? Vários hospitais privados não têm já contratos com o Estado para “competirem” com o SNS? As clínicas privadas não vivem das requisições de exames feitas pelo SNS? O mesmo não acontece com a ADSE que é financiada pelo Estado e se comporta como uma seguradora de saúde?

Peço ao Professor Cavaco Silva e ao CEO Salvador de Mello que me digam coisas que eu não saiba…E o Presidente alinha nisto? É este um dos “grandes” problemas estruturais para o qual quer criar um consenso entre PSD, CDS e PS?

Depois dos fogos de Pedrógão Grande, de Junho e depois dos novos fogos de 15 Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa continuou a capitalizar simpatias, agindo como provedor e fiscal da acção governativa, nalguns casos quase ao nível do fiscal de obras.

E foi mais longe – ou então foi a leitura mediática, do que não disse, que terá ido – ao pressionar a demissão de uma ministra, quando já estava informado que esta tinha pedido a demissão e que ela fora aceite.

A referência a um “novo ciclo” corresponderá a uma agenda nova, a que os media dominantes deram relevância, virados que estão para suscitar supostos ou reais confrontos entre o Presidente da República e o Governo?

Não me cabe defender o Governo – este não é o governo que desejaria – mas, como a maioria das pessoas faço dele uma apreciação positiva no que respeita à reposição de rendimentos e direitos que irá prosseguir a contragosto dos partidos da direita.

4.    Por outro lado, relativamente ao Presidente, já vinha de trás uma desconsideração relativa das questões do trabalho, condições da sua realização e rendimentos e dos direitos adquiridos pelos trabalhadores, que tanto lutaram ao longo de décadas por eles. O Presidente pareceu revelar algum desconforto com os resultados das negociações com o governo da administração pública e dos professores.

Era natural que fizesse uma reflexão sobre o trabalho numa das suas comunicações ao país. Não fez.

Houve espaço para se associar a actos de solidariedade social e caridade para os que foram empurrados para algumas margens da sociedade mas não para os trabalhadores em luta e em risco de perderem emprego, de verem a fome invadir os seus lares, de verem perder-se a coesão dos seus agregados familiares.

5.    Marcelo Rebelo de Sousa, como qualquer outro cidadão, tem parâmetros ideológicos de referência e uma visão do seu país e do mundo que lhe são próprios e que estas minhas considerações, que são feitas a título pessoal, não querem beliscar. Mas, sendo o Presidente de todos os portugueses, isso não pode ser confundido com a negação do exercício do direito da crítica, tanto mais que vivemos num país onde as liberdades de informar e ser informado deixam muito a desejar. Matéria que, aliás, daria um bom tema para mais uma reflexão presidencial


Fonte aqui

4 pensamentos sobre “Marcelo, quo vadis?

  1. O Presidente da Republica não existe: Transformou-se em “O Marcelo”, personagem que só tem uma coisa na cabeça: “Governo forte, Presidente fraco / Governo fraco, Presidente forte”. È só isso que o norteia.

  2. ‘com um novo governo e com a lenta recuperação de direitos e rendimentos dos portugueses’ ??? (linhas 3 e 4)
    Direitos e rendimentos ?
    Está tudo cada vez mais caro cada dia que passa, os impostos indirectos cada vez mais dispendiosos.
    Os combustíveis há muito que não estavam tão baratos, na origem, no entanto não deixam de aumentar.
    E quanto a direitos, nem se fala !
    Você é um optimista… Ou ‘Costista’ ? Ou comunista ?

  3. “E o Presidente alinha nisto? É este um dos “grandes” problemas estruturais para o qual quer criar um consenso entre PSD, CDS e PS?”
    “O Presidente pareceu revelar algum desconforto com os resultados das negociações com o governo da administração pública e dos professores.”

    Só quem não percebe Marcelo é que pode esperar o contrário de um idiota útil ao capitalismo.

  4. Sugiro ao Sr Comentador verdade e so verdade a ADSE é paga pelos seus beneficioaris com descontos feitos nos seu vencimentos….eu por exemplo pago 3,5% todos os meses
    Para que conte

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