Vá lá, não se façam de novas

(Francisco Louçã, in Público, 22/11/2017)

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Ninguém notou, quanto em 2004 uma investigação do Senado norte-americano sobre a fortuna do ditador chileno Augusto Pinochet identificou as dependências das Ilhas Caimão e da Florida do BES como veículos para a ocultação dos dinheiros e fuga ao fisco? Vá lá, toda a gente notou. O BES fez mesmo um comunicado de imprensa contra quem, como este cronista que aqui assina, chamou a atenção para as conclusões do relatório.

Ninguém notou quanto em 2009 o BCP português foi forçado pelas autoridades a revelar os seus movimentos em sociedades offshore? Vá lá, isso foi tema de comissão de inquérito e a administração do banco foi substituída logo a seguir.

Ninguém leu as notícias quando o consórcio de jornalistas de investigação revelou em 2013 o que se chamou de Offshore Leaks? Eram 100 mil empresas fictícias criadas para ocultar capitais. A Google transferiu em 2013 dez mil milhões de dólares para as Bermudas, conseguindo assim pagar sobre todos os seus lucros uma taxa efectiva de 2,4%.

E, vá lá, ninguém deu conta em 2104 do Luxleaks, a revelação do engenhoso esquema do governo do Luxemburgo para albergar empresas multinacionais e garantir assim que pagavam um IRC insignificante? Sim, foi assaz evidente: o primeiro ministro luxemburguês entre 1995 e 2013 chama-se Jean Claude Juncker e, sendo presidente da Comissão Europeia, teve de se justificar perante uma comissão de inquérito, que foi logo afogada pelo bloco central do parlamento europeu. A Irlanda e a Holanda, aliás, fazem o mesmo que o Luxemburgo.

E depois vieram, em 2016, os Panamá Papers, com a revelação dos segredos de uma grande firma de advogados. Desta vez eram 214 mil empresas. Só o Crédit Suisse e a UBS, respeitáveis bancos suíços, criaram 25 mil cada um. Vá lá, não se notou?

E agora, em 2017, soube-se dos Paradise Papers, um esquema de registo de empresas em offshores nas Bermudas e em Singapura. A rede era usada por Isabel II, curiosamente desde que a crise financeira de 2007 levou a perdas da sua fortuna, mas também pela Apple, Nike, Whirlpool, pelas ligações russas da Casa Branca, pela família angolana Dos Santos e por mais jet-set. E a UE decidiu investigar pelo mesmo motivo a Ilha de Man, de sua Majestade britânica, e Malta.

Vá lá, ninguém notou?

Nota-se mesmo. Devin Nunes, um orgulhoso luso-descendente que é deputado republicano e foi presidente da comissão parlamentar sobre tributação, e depois foi responsabilizado por Trump por gerir a sua equipa de transição para a posse, declarava que queria “tornar a América o maior paraíso fiscal do mundo”. O estado norte-americano do Delaware já tem 945 mil empresas registadas para não pagarem imposto.

Os paraísos fiscais não são portanto uma extravagância, umas repúblicas das bananas dispostas a rondarem o crime a troco de uns dólares ou euros. São o coração do nosso sistema financeiro. As suas sociedades, agências e veículos (o nome é delicioso) financeiros são geradas pelos maiores bancos, pelos mais refinados campeões, e amparados pelos governos mais respeitáveis – na Europa, além da Suíça é o Reino Unido quem alberga maiores volumes de capitais escondidos, alguns legalmente, muitos em evasão fiscal e outros em ocultação de crime (a OCDE calcula pagamentos anuais de um bilião de dólares em subornos).

O resultado é a perda de receitas e portanto a crise fiscal do Estado. Quando ouvir falar em restrições orçamentais, em falta de dinheiro para pagar a enfermeiras ou técnicas de diagnóstico ou para construir um novo hospital, lembre-se sempre que a evasão fiscal em países como a Alemanha pode andar pelos 160 mil milhões de euros, em França por 120, em Espanha por 73 (cálculos da Tax Research, Reino Unido) e em Portugal alguns estudos apontam para 20 mil milhões. Vá lá, nota-se mesmo.

2 pensamentos sobre “Vá lá, não se façam de novas

  1. Olha. Olha, o Xico Louçã parece que também queria socialismo de miséria, “à cubana” ou “à chinesa”!….
    Ó Senhor Doutor Professor Francisco, tenha dó, homem de deus!…porque isso foi “chão que deu uvas”!…isso é pretérito, porquanto o que o Luso Zépovinho escolheu, por sugestão do “grande (fdp) mario” foi o “socialismo em liberdade”, o “socialismo da Europa connosco”, o tal “socialismo de abundância”, onde os soares&balsemões&almeidassantos&gamas&lelos&isaltinos&duarteslimas&cavacos&diasloureiros&oliveirasecostas&espíritossantos&angeloscorreias&socrates&passos&portas&relvas&santossilvasdaslenas&jorgescoelhones&migueisjudices&antoniosvitorinos&proençasdecarvalhos&cias, e quejandos, viveram, vivem e viverão em liberdade e sbastadamente!…
    Então, ó Professor Francisco, o que esperava destes incorrigíveis capitalistas?….
    Porquê essa lenga-lenga toda com offshores, paraísos e demais descrições reveladoras de uma invejável memória ou cuidadosa forma de arquivo?????….
    E V. Exa. acha que é com o actual PM (que se candidatou ao lugar com a promessa de querer dar “continuidade ao legado do mario soares” (assim mesmo em minúsculas e sem assento, porque me dá vótimos escrever e ou pronunciar o nome desse fdgp fora a mãe que não teve culpa nenhuma, desse charlatãozão já finado e que, por isso, já não vai sentar o cu no mocho quando chegar a hora do julgamento popular, esse vigarista(zeco), desse burguezote capitalista de merda e de fachada socialista, desse vendedor de banha da cobra, que vendeu gato por lebre ao pobre Zépovinho Luso, desse pulha) que esses crimes vão ser, sequer, denunciados ou lembrados?????…ou até mesmo em (necessário/conveniente — prós dois lados) conluio com o (seu, de V. Exa., Senhor Professor) B de “esquerda” logo quando e se precisar para se manter no poder e, desse modo, permitir que os barões dos “do arco” (que ainda não desapareceu, não queira tapar o sol com a peneira, ó Senhor Professor) continuem a meter a mão no pote????…
    Tenha dó, ó Senhora Professor, e não se convença de que o universo para onde escreve/fala é homogénio e, politicamente de um só sentido, porquanto ainda por aí, e aqui, andam uns quantos que os temos no sítio, defendemos causas (sempre justas e democráticas porque em favor dos “de baixo”) e por elas estamos disponíveis até para dar a própria vida, pois continuamos a alicerçar o nosso espírito de fidelidade aos outros humanos em sentimentos e deveres e JAMAIS em interesses materiais ou ideias (como as de V. Exa. Senhor Professor Francisco Louçã!….

    • O papel permite tudo o que se lhe quiser escrever…Há portugueses ,que por não serem de segunda ,não se revêm na baixeza do insulto cobarde…O respeito pelos outros que não professam ou partilham a nossa ideologia , deveria estar presente em toda e qualquer situação ,não sendo o caso ,deveria a meu ver ,e por ser marginais, ser marginalizados para não dizer excluídos …A insatisfação com a sociedade em que estamos inseridos ,não é resolvida ou sanada ,com pejorativos epítetos até áqueles que já não estão entre nós…Desbravar caminhos e apresentar soluções ,é indício de pessoas de bem ,inteligentes e cooperativas e é com essas que a sociedade evolui pois se destacam pela positiva ,opondo-se ás nulidades que ,quais lavadeiras no rio ,vão para a praça pública apenas espingardar a torto e a direito ,mostrando uma estúpida indignação …Um anti liberal ,não tem necessáriamente que ser obtuso e pejorativo…Quem quiser respeito ,deve dar-se ao respeito ,respeitando…

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