O Tecnosilêncio

(Por Estátua de Sal, 19/11/2017)

Marcelo mordaça

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Já lá vão seis dias e nada. No dia 13 do corrente, o Gabinete anti-fraude da Comissão Europeia (OLAF), deu a conhecer o resultado final das suas investigações aos Fundos Europeus atribuídos à empresa Tecnoforma (ver aqui) e, contrariamente ao que apurou o Ministério Público em Portugal, que arquivou o processo (ver aqui), concluiu pela existência de fraude. E mais, e em conformidade, reclama a Comissão Europeia ser ressarcida na módica quantia de 6.747.462 euros que terão sido atribuídos abusivamente.

Ora tal, a ser verdade, reveste-se de uma gravidade maior. Falha do Estado na utilização dos dinheiros públicos, falha da Justiça na investigação à atribuição e utilização dos dinheiros públicos, falhas tanto mais severas e a merecerem redobrada atenção da opinião pública e publicada por envolverem responsáveis de altos cargos políticos, nomeadamente um ex-primeiro ministro.

Assim sendo, fiquei, portanto, em expectante atitude aguardando que o assunto tivesse o previsível desenvolvimento e análise na comunicação social e nas declarações dos responsáveis políticos e judiciais, mormente dos mais directamente envolvidos, a saber, Procuradora Geral da República, Ministra da Justiça, e em corolário final, do Presidente da República que salta a terreiro mal vislumbra  que possa estar a ocorrer ou tenha ocorrido uma falha do Estado. Foi assim nos fogos, nas armas de Tancos, na legionella, no Panteão, nas lagartas na sopa, e por aí fora.

Qual o meu espanto quando as minhas expectativas foram, até ao momento, totalmente defraudadas. Da comunicação social nem pio se ouviu. Deu a notícia à estampa no dia e deixou morrer o assunto. Os painelistas da SICN, nunca ouviram falar de tal temática. Os maduros da Quadratura passaram o tempo a discutir  o jantar do panteão e a corrupção em Angola, como se fôssemos tão pobres que nem corruptos tivéssemos cá em casa para discutir, tendo que se discutir os corruptos dos outros.

O Correio da Manhã, esse paladino da luta contra a corrupção do Marquês, não deve ter recebido do Ministério Público nenhuma gravação dos interrogatórios que existiram neste caso, pelo que ficou sem fôlego e ignorou olimpicamente a temática.

Ainda esperei que o Expresso, de ontem, com a experiência do Pedro Santos Guerreiro – adquirida no manuseamento dos Panamá/Paradise Papers -, nos trouxesse alguma luz sobre o assunto, mas nada. Parece que só lá há especialistas em Sócrates, pelo que vão ter que mandar o Micael Pereira para um curso de formação em Fundos Europeus e, só depois de concluído o curso com distinção, é que podemos esperar que se faça alguma investigação por conta da casa que possa ser presenteada aos leitores.

Dos responsáveis políticos e judiciais, nada. A Joana Vidal, ninguém a ouviu. O MP limitou-se a “soprar” para o Económico que “pondera reabrir o caso” (ver aqui). Eu vou de espanto em espanto: houve fraudes, pelos vistos há provas, há a reclamação de verbas e o Ministério Público ainda está a ponderar reabrir o caso?! Isto já não é Justiça, desculpem-me, parece-me mais uma bagunça delirante.

O único programa televisivo – que eu tenha dado conta -, onde o caso foi discutido, foi o Sem Moderação, no CanalQ, por iniciativa do Daniel Oliveira, que faz parte do painel. Delicioso foi ver o incómodo com que os comentadores da direita, Francisco Mendes da Silva, CDS, e José Eduardo Martins, PSD, tentaram driblar o assunto. Podem ver o vídeo aqui e retirar as ilações devidas e questionar porque só um canal televisivo de reduzida audiência trouxe o assunto à baila.

Ainda tinha uma ténue esperança. Era o Eixo do Mal de hoje. Mas qual quê? Nada. Discutiram também a corrupção de Angola e as carreiras dos professores. Sobre Angola, deve sublinhar-se que todo o comentariado descobre agora grandes sinais de corrupção e ditadura e andam todos com muita pena do povo angolano. Uma hipocrisia pegada quando a corrupção foi patrocinada e aproveitada por muitos dos nossos mais respeitáveis empresários, que nunca se importaram com o nepotismo da família dos Santos, desde que os seus negócios com Angola pudessem prosperar.

Finalmente, a coroar o manto de silêncio, temos a ausência da sábia palavra do rei do comentário, sua Majestade, D. Marcelo I. Marcelo tem andado muito ocupado. Ele são os sem-abrigo, ele são as madrinhas, ele é a seca, ele é a reconstrução das casas ardidas, ele são torneios de golfe, inclusive. Mas, mesmo ocupadíssimo, tem sempre tempo para dar notas à acção do governo, para ameaçar com chumbos ou com trabalhos de casa. Majestático e professoral, o Presidente da República, vai exigindo em público, num exercício de nítido exorbitar dos seus próprios poderes constitucionais, o empenho do Governo na agenda das prioridades que ele considera pertinentes, e com a calendarização que ele próprio define. Até quando irá o Governo submeter-se a este magistério de cátedra, reverência envergonhada perante o mestre? A ver vamos.

O Governo anda a negociar o orçamento? Sim. O que pensa Marcelo? Diz que quando lhe vier à mão dará a nota. O Governo está a resolver o problema das carreiras da função pública? Sim. O que acha Marcelo? Quando vir a lei, dará a nota. O Governo está a reconstruir as casas ardidas nos fogos? Sim. O que pensa Marcelo? Parece-lhe bem, mas se verá se o faz em tempo útil, e se o não fizer subentende-se que haverá sanções presidenciais em carteira e trabalhos de casa redobrados que farão António Costa suar as estopinhas.

Marcelo, sempre acompanhado pelas televisões e pelos repórteres dos jornais, nunca é confrontado com perguntas incómodas. A comunicação social ajoelhada que temos não cumpre o seu papel. Os populistas só encenam para o público os guiões onde se saem bem. Ainda nenhum jornalista lhe perguntou pela Tecnoforma (ou será que sim e o momento foi censurado por o assunto não agradar ao Presidente-Majestade?), mas Marcelo não deveria esperar pela pergunta.

Se Marcelo tivesse o estilo fradesco e macambúzio de Cavaco, ninguém estranharia que não se pronunciasse. Não o tendo, e estando mesmo nos antípodas do mumificado estilo, o silêncio de Marcelo é um silêncio ensurdecedor. Porque é a prova de de que a espontaneidade de Marcelo não é genuína, porque é a revelação de que as preocupações de Marcelo, com as pessoas e com o povo, não são uma materialização de princípios mas actos instrumentais que ele maneja na prossecução das suas maquinações políticas do momento.

E quando tal se tornar visível para o povo que ele beija e abraça em profusão, o ídolo irá cair do trono, porque todos os ídolos tem pés de barro. Eu, por mim, enquanto Marcelo não cai do pedestal, vou continuar à espera de saber quem vai pagar os  6.747.462 euros que a Comissão Europeia exige.

Seria uma vergonha nacional ser o erário público a pagar mais essa factura, serem os contribuintes a pagar as dívidas das fraudes de Passos, Relvas e quejandos. Coitados dos contribuintes que já pagaram o Banif, o BPN de Oliveira e Costa e o BES de Ricardo Salgado. Curiosamente, todos esses, os que tivemos que resgatar e os que estão na calha, são todos amigos de Marcelo.

 

13 pensamentos sobre “O Tecnosilêncio

  1. De facto é um assunto “interessante” que provavelmente os jornalistas do costume ainda não repararam. Afinal são só 6 milhões e picos , nada comparável aos outros milhares de milhões “dos outros da seita”. Resta-nos aguardar sentados ou ?

  2. Se se pode distrair a MANADA de escravos boçais com jantaradas e corruptos PALOP, para quê atrair a atenção da mesma para os salafrários tugas?

    Mas, mesmo que fosse falado e opinado até desperdiçarmos uma bela feijoada (sem restos de cadáveres de animais!) via vómito por estarmos tão fartos de ouvir falar na TECNOROUBA, a REALIDADE é que nada mudaria! Os salafrários merdíticos continuam a servir-se do POTE e a MANADA continua a BERRAR nas ruas esperando receber um pouco de feno seco, em troca de um VOTO!

  3. Ah ah ah!….
    Meu caro Estatuadesal!…você agora fez-me rir, homem de deus!…
    Quem lhe manda “dar o benefício da dúvida” aos incorrigíveis capitalistas?
    O que esperava você deste afilhado que, pelo acesso ao pote, se for preciso, até “dá o cu e 8 tostões” versus até “mergulhar nas águas do Tejo todas inundadas de cagalhotes alfacinhas”?!?!?!?…..
    Bom, eu entendo! Assim, continuando a acreditar numa solução para “democratizar o capitalismo”, você vai tendo ensejo para massajar o ego quer republicando aqui alguns textos carregados de interesse, quer descarregando a bílis escrevendo o que livremente, admito, lhe vai na alma!….
    É uma forma de estar na vida, mas não se esqueça de que o partido dito socialista cá do burgo, apregoa o socialismo para papalvo votar neles mas, mal se sentem ameaçados com a retirada do pote, logo o metem na gaveta, fecham-na à chave e mandam as chaves para o fundo do mar!…
    E os resultados práticos estão bem à vista: Aqui na lusa terra, em 2016, aumentou o número de milionários!…pelo que VIVA O SOCIALISMO EM LIBERDADE, o da EUROPA CONNOSCO, o de ABUNDÂNCIA versus à cubana ou à chinesa!….
    Mas, como escreveu o Poeta (agora também indignado até às pontas dos cabelos, mas confessando-se também culpado):
    Mesmo na noite mais triste,
    em tempos de servidão,
    há sempre alguém que resiste,
    há sempre alguém que diz não!
    E, a propósito de resistir e dizer não, eu ontem fui fazer isso mesmo, participando numa manifestação em Lisboa, juntando-me a muitos milhares Avenida da Liberdade abaixo!…ainda fui olhando para ver se via o meu amigo Estátuadesal mas não consegui!…talvez por sermos muitos, quero acreditar!
    Um abraço e coragem para ir esperando, do
    aci

  4. Parece ter falhado à Estátua uma intervenção. No Governo Sombra, que nem costumo ver-TVI canal.
    Do articulista no Público, João Miguel Tavares, em reacção ao caso Tecno: a) S/reacção Miguel Relvas, faria melhor ter ficado calado; b) S/silêncio Passos Coelho, porque terá vergonha.
    Um indicador da psicologia e cultura política dos dois.
    Embora, segundo JMT, deva ter sido tudo legal. Afinal, como milhares de casos semelhantes na praia de Madrid.
    Formar técnicos de aeródromos municipais? E no circulo S. Bento, ninguém via?
    No hay tutela? Como ao tempo de António Costa-MAI, assistimos à construção do Aeródromo de Montargil-Ponte de Sor, ao lado da antiga Base Aérea de Tancos? E posteriormente a um em Castelo Branco?
    Who is in charge?

    • Tem razão sobre o Governo Sombra que ainda não tinha visto quando escrevi o artigo. Mas a reacção do JMT e do Pedro Mexia foi a esperada: não se passou nada… e se se passou não é crime! Mas a “falha” ou a esponja que a Justiça passa nestes casos, sobre isso, nem um comnentário.

  5. A IMPRENSARA NÃO SE PRENUNCIA, PORQUE A MAIORIA DOS NOVOS JORNALISTAS, PRESUMO SER PAGOS À PEÇA. ESTA NOTICIA NÃO VENDE, ELES NÃO GANHAM. DEPOIS TEMOS O PODER DE TODA A IMPRENSA, QUE TEM QUE SER SUBSERVIENTE, CASO CONTRÁRIO A AJUDINHA DOS LO BIS, VAI EMBORA. SOBRE O CASO EM CONCRETO NÃO PERCO MAIS TEMPO. É CHOVER NO MOLHADO. “AGORA ERA BEM PRECISO”. .

  6. Estamos. efectivamente, num país cuja imprensa (falada e escrita) é dominada pela direita política, com a honrosa excepção de “O PÚBLICO”. Direita que se olvidou do caso TECNIFORMA e suas consequências. Porquê? Porque obviamente o Sócrates poderá ter uma nova companhia do seu nível… Deixemo-nos de rodeios: a Direita, para além de COBARDE, é unida mas o Ministério da Justiça terá que actuar .
    Viva a República das Bananas!!!

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