Professores: como recuperar o que se perdeu nas lutas que não se travaram? 

(Daniel Oliveira, In Expresso Diário, 15/11/2017)  

Daniel

Daniel Oliveira

 

Como se sabe, as carreiras dos funcionários públicos foram várias vezes congeladas. E assim estão desde 2011. O descongelamento das carreiras é um enorme berbicacho. Pela despesa envolvida e porque as carreiras não são todas iguais. É sempre assim: é mais fácil não cometer uma injustiça do que corrigir as injustiças já cometidas.

Para além do descongelamento das carreiras há a tentativa de corrigir o que foi perdido para trás. Não será recuperado o que não foi pago nesses anos. Isso seria impossível, até do ponto de vista legal. O que se quer é, a partir de agora, ficar onde se estaria se tivesse havido congelamento. No caso dos funcionários públicos isso é possível através da contabilização dos pontos acumulados nas avaliações que se foram fazendo. E os que não tenham sido avaliados receberam, por defeito, um “bom”.

Com diferenças entre elas, as carreiras dos professores, militares, forças de segurança e magistrados não tem a mesma estrutura. No caso dos professores, é justo dizer que ela é genericamente mais generosa do que a dos restantes trabalhadores do Estado. Ainda assim, isso não é argumento para qualquer injustiça. As diferenças que existem foram decididas pelo Estado, que não pode fugir dos seus deveres. O que os professores estão a pedir é, na prática, o mesmo a que outros funcionários públicos tiveram direito. Só que a quase totalidade da evolução na carreira dos professores depende do tempo, não da avaliação. Isto permite que todos os professores, ao contrário do que sucede com a maioria dos funcionários do Estado, cheguem todos ao topo da carreira – há apenas duas mudanças de escalões que estão sujeito a quotas. Assim sendo, não têm, ao contrário dos restantes trabalhadores do Estado, pontos para recuperar. Ficam numa situação de enorme desvantagem, com mais de nove anos perdidos (houve outro congelamento entre 2005 e 2007).

O Governo pode apresentar todos os argumentos. O único válido, e não é pequeno, é que compensar esse tempo perdido custaria 600 milhões de euros. Mais, se aos professores se juntarem forças de segurança, militares e magistrados. Esse dinheiro não existe e, mesmo que existisse, a sua canalização para este fim criaria uma situação muito difícil de explicar aos restantes portugueses, que também sofreram nos anos da troika. Parece haver do lado dos sindicatos alguma abertura para fasear esta compensação por um período alargado. E, quem sabe, prescindir de parte desse valor. O risco de não haver um acordo, pelos efeitos políticos que isto teria na “geringonça” e pelos efeitos financeiros que teria no Estado, é começar a entregar o poder àqueles que, no PSD e no PS, congelaram as carreiras. Não me parece que seja justo ter uma posição mais irredutível com um governo que devolve do que se teve com um governo que retirou.

Mesmo que se apele a uma margem de cedência dos sindicatos, tendo em conta o efeito devastador que a compensação de uma década de injustiça teria nas finanças públicas, penso que os professores têm razão para exigir os mesmos resultados práticos que serão sentidos pelos restantes funcionários públicos. E têm razão para, através da greve, pressionarem para se chegar à melhor solução possível. Mas não deixa de ser sintomático que se anuncie agora a maior greve da década. Quer dizer que há maior mobilização para recuperar o que foi perdido com o congelamento das carreiras do que houve para impedir esse congelamento. E isto diz qualquer coisa sobre a fraquíssima capacidade de resistência que existiu ao ataque feito nos últimos anos. Incluindo dos sindicatos. Parece que interiorizámos a austeridade e achamos que é possível compensar agora a luta que não se fez na altura.

Parece que temos mais facilidade em lutar com quem negoceia do que com quem impõe. Esta greve está certa. O que esteve errado foi o que deixámos que nos fizessem. E não vale a pena ter ilusões: nunca se recupera o que se perdeu nas lutas que não se travaram.

7 pensamentos sobre “Professores: como recuperar o que se perdeu nas lutas que não se travaram? 

  1. Inteligente, assertivo! Responsabilização da cidadania que cada um deve exercer…mas com parcimónia e sentido de Estado colectivo que deve ajustar as suas capacidades de resposta, não para atender “umbigos” de classe, mas sim num esforço racional para sermos capazes de esbater, gradualmente, as clivagens e o grande fosso existente em Portugal, entre pobres, “remediados” e ricos! Radicalizar protestos, num governo que nos tirou de uma “tirania” burocrática e política e de um sufoco social e profissional permanente, é injusto e irracional! Por isso, não podia deixar de subscrever o artigo de Daniel Oliveira.

  2. Caro Daniel Oliveira os professores querem respeito, que vale mais do que o dinheiro…voltámos ao Estado pobrezinho para manipular a opinião pública, afirmando que coitadinho do governo não pode pagar aos professores…não não é culpa da troika, nem culpa das legislação neoliberal imposta aos professores (diga-se de passagem a todos os funcionários públicos) nestes últimos dez anos….também não é culpa do sistema de avaliação do setor público (que visa unicamente a poupança aos cofres do Estado)…é culpa sim da avaliação que os professores não têm: só dois escalões têm avaliação por quotas!!!!!??? E pergunto: a avaliação por quotas é alguma vez justa???? Então teríamos de dizer que a culpa é do 25 de abril e dos direitos conquistados aí….a culpa é da democracia que em tempos já tivémos…sim porque agora não temos…e na Educação não temos mesmo…nem nos órgãos de gestão que são dominados pelos políticos locais e pela humilhante opinião pública que não valoriza os professores, acho que neste momento não há comentadores capazes de analisar a nossa situação atual por falta absurda e ridícula de conhecimento… talvez 5 dias a acompanhar os professores nas escolas promovesse alguma lucidez para podermos aplicar novas medidas que melhorassem a educação e o país…

  3. A argumentação de alguns professores pode ter aqui ou ali alguns pontos susceptíveis de consideração e até de justiça. Não foram só os professores que foram lesados por um governo inapto, injusto, patético onde nunca houve um vislumbre de inteligência, de argúcia de capacidade para resolver uma situação que nos foi barbaramente imposta. Foram todos os portugueses, incluindo os velhos, os mais pobres e desfavorecidos. Fomos desgovernados por uma gente vaidosa, sem qualquer capacidade que advém da inexperiência de alguma vez terem desempenhados cargos de responsabilidade. Daí que ficassem aterrorizados ante os ditames da troika e aceitassem sem pestanejar tudo aquilo que nos quiseram impingir e que hoje se prova que se tivessem arte e engenho tal teria sido desnecessário e não estariam aqui e agora, algo irritados a expor a sua situação. Isto para dizer que não são só os professores que querem ver satisfeitas as suas reivindicações, como também os médicos, enfermeiros, magistrados, polícias, funcionários públicos, eu sei lá! O que é lamentável é que todas estas classes profissionais e não só, tivessem permanecendo mudas no tempo do defunto governo e pior que isso, muitos membros tivessem, em pânico, cobardemente imigrado sem darem luta que agora cheios de coragem dão a este governo que outra coisa não quer se não repor as injustiças que outros praticaram, proporcionando o bem estar da população. Logo que pressentiram que a mesa estava posta, que havia algo para comer, é uma correria para ver quem não perde o seu quinhão. Somos assim, submissos para quem nos pôe a arreata em cima, e corajosos para aqueles que tudo fazem para amenizar os prejuízos que outros causaram.

  4. Concordo que cada um defenda os seus direitos.Só vejo o sr. Daniel de oliveira no eixo do mal e nunca o vi defender nem abordar cortes no setor privado, com a mesma veemência que o faz para o setor publico.Diz que também já há desemprego no setor publico. É verdade.Mas não devem ter 50 e 60 anos de idade garantidamente.
    O que acha das pessoas que ficam no desemprego, alguns marido e mulher, e que quando o mesmo acaba ficam sem qualquer meio de subsistência. Muitos poderam recorrer à reforma anticipada pois tinham longas carreiras com contribuições, mas com cortes de quase 50%. Acha mesmo que ficar sem remuneração é o mesmo que ter redução no vencimento? E os nervos em que se vive, quando se está no desemprego, no meu caso que podia ir para a reforma, quando hoje sai lei que sim amanhã já não. E depois de viver em angustia, leva com um corte de mais quase 14% que não nos é retirado.Gostava de saber a sua opiniâo sobre o aqui disse.

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