Orçamento de Estado – António Costa retoma a iniciativa política

(Por Estátua de Sal, 02/11/2017)

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Estive a seguir o debate sobre o Orçamento de Estado para 2018. O resumo do debate pode ser resumido desta forma: António Costa retomou a iniciativa política, perante os confrangedores argumentos da direita na crítica ao projecto de orçamento, e perante as suaves exigências dos partidos à esquerda do PS em relação às medidas constantes no documento. Comecemos pelos argumentos de PSD e CDS.

A direita diz que vai votar contra o orçamento, “porque sim”, ou seja sem qualquer razoabilidade lógica. No essencial, deveria dizer que vota contra porque não é ela a governar. Ou seja, enumera um conjunto de críticas que se contradizem a si próprias sem qualquer coerência interna.

A direita diz que o orçamento se destina a favorecer a função pública, mas apoia a função pública quando ela exige aumentos de remunerações que são legítimos mas, muitas vezes, inquestionavelmente incomportáveis.

A direita diz que o orçamento corta no investimento público – ficando à espera que os privados invistam -, e depois diz que a economia só pode crescer com  base nas exportações e na iniciativa privada.

A direita diz que é a favor do cumprimento das obrigações com a Europa – relativamente à dívida e ao déficit -, mas quando o governo  apresenta um orçamento prevendo o déficit mais baixo do Portugal democrático, a direita insurge-se e vota contra. Não há dúvida que, à direita, mais que não haver seriedade ética, é não haver sequer capacidade de raciocínio para pensar em termos lógicos. Parecem débeis mentais que conseguem dizer que, ao mesmo tempo, o branco é preto e o preto é branco.

Mas o mais grave, revelando a forma elitista e distante do seu pensar, foi nunca o PSD e o CDS, nas suas críticas terem falado numa coisa muito simples: a vida das pessoas. A vida de milhões de portugueses, os do salário mínimo, os pensionistas, os desempregados, os das bolsas de estudo, os dos passes sociais, os do abono de família, os do complemento social para idosos, desses nunca falam, o benefício desses não interessa à direita. E quando um orçamento os beneficia, a direita vota contra. Para a direita, esses são “os interesses corporativos” da Geringonça – para usar a terminologia a que o deputado Telmo Correia do CDS recorreu.

É bom que os portugueses mais carentes saibam isso, e penso que muitos – iludidos durante décadas -, estão já a perceber quem eles são e que interesses defendem. Os interesses não dos que trabalham mas dos que vivem de rendas da propriedade e do capital que não se resignam por terem que abrir mão de uma parte delas em favor de quem vive do seu trabalho.

Mas o mais ridículo é a direita vir acusar o governo de o orçamento ser um orçamento de austeridade, austeridade com a conivência dos partidos de esquerda que a direita verbera por não se insurgirem contra isso! Eles, os campeões da austeridade, agora tomam as dores dos sofredores da austeridade. E lá veio a ladainha dos cortes na saúde, nos serviços públicos, e por aí fora, pela voz da deputada do CDS Cecília Meireles. António Costa cilindrou-a, perguntando-lhe:

— Sabe a senhora deputada qual é a prova de que este orçamento não é um orçamento de austeridade? É o simples facto de a senhora ser contra ele!!

Perante tão contraditórios e bizarros argumentos, António Costa não teve dificuldades em sobrevoar sobre os desvairados discursos de Leitão Amaro, da Cristas, e do truculento deputado Abreu Amorim. Para a Dona Cristas – tão amante de gráficos -, Costa brindou-a, ele mesmo, com um gráfico recente a dar conta dos bons números da economia. Parece que a Dona Cristas agora já se deixou de gráficos e prefere, como se tem visto nas últimas semanas, abanar a asa com fotografias de fogos e de destruição.

E à esquerda, como se saiu António Costa? Saiu-se bem, até porque as exigências essenciais da esquerda estão satisfeitas ficando os detalhes a afinar para a discussão na especialidade. As duas questões mais problemáticas que lhe foram colocadas vieram do Bloco de Esquerda. O PCP, contrariamente ao que a comunicação social tem propalado – que estaria com grandes incómodos internos pelo seu apoio ao governo -, de tal não deu mostras.

O BE – e o PCP também -, colocaram a questão da dívida e da sua renegociação, questão a que o PS tinha dado há meses atrás alguma abertura, prometendo fazer a sua reanálise após as eleições alemãs que já ocorreram. Costa foi dizendo que as eleições alemãs já passaram mas que ainda não há governo na Alemanha, ainda que não se anteveja que, a haver governo, este venha ser mais favorável do que anterior ao debate de tal assunto. Sobre a garantia de não vir a ocorrer um nível de cativações tão elevado como ocorreu no orçamento anterior, Costa assegurou ir fazer-se um esforço nesse capítulo, e sobretudo prometeu maior transparência.

Assim, António Costa e o governo retomaram a iniciativa política. A economia está bem, o desemprego baixa, os rendimentos aumentam, os impostos baixam, o investimento aumenta, os números do crescimento surpreendem as instituições europeias, e a confiança dos agentes económicos está no seu auge. E sobre estes dados, bem pode Marcelo e a direita virem propalar desgraças e críticas à governação, que os portugueses estão melhor e reconhecem isso.

Porque, na verdade, este orçamento e o governo da Geringonça, agrada mesmo a muito boa gente. Agrada à maioria do país – assim o mostram as sondagens. Agrada a Bruxelas, assim o mostram as declarações dos responsáveis europeus. Agrada aos mercados financeiros – como se vê pela queda nas taxas de juro. Agrada às agências de rating que tem vindo a melhorar a notação do país. Agrada aos credores que tem vindo a receber o que emprestaram – até antecipadamente como é o caso do FMI.

Só não agrada aos interesses da direita nacional que se vê mais um ano afastada da condução do Estado, à custa do qual se alimentou durante décadas, mesmo com o PS no poder, devido ao conluio deste com o bloco central de interesses que – até certo ponto -, a Geringonça veio a pôr em causa.

 

5 pensamentos sobre “Orçamento de Estado – António Costa retoma a iniciativa política

  1. Não posso estar mais de acordo. Limito-me a colocar a mesma questão que Daniel Oliveira coloca na coluna que citou mais recentemente. Este orçamento é bom e é de Esquerda, no melhor sentido da palavra. Ele mostra que os Partidos da Geringonça são capazes de governar com a prudência e o pragmatismo que se exigem. Mas o que fica para o futuro, nomeadamente ao nível da mudança das leis de trabalho que afetam os trabalhadores do privado (onde os sindicatos têm pouco ou nenhum poder) e o que fica ao nível das políticas de investimento público? Nesta última matéria, BE e PCP-PEV falam frequentemente em medidas maximalistas como o abandono do euro e da UE, mas na hora de definir políticas de médio e longo prazo, parece que navegam ainda mais à vista do que o PS… Atrevo-me a dizer que isso é porque já não existe tecnocracia à esquerda do PS. E, contrariamente à sua interpretação à Esquerda como um termo quase insultuoso, a natureza complexa das sociedades modernas exige que para se governar de maneira competente, é preciso dispor de Economistas, Advogados e Engenheiros capazes de traduzir em políticas públicas os ideais políticos dos Partidos de Esquerda. Olhe-se para o Liberal Centeno, que é o Economista mais Radical da nossa Praça…

    • Não fora a relatividade das coisas, e eu diria:
      Ca ganda confusão reina neste “reino da lusa miserabilidade também intelectual”:
      É de esquerda u?!?!?…
      Ó santo deus!!!…. “perdoai-lhe pai porque não sabem o que fazem nem o que dizem!”….
      Mas tu, meu querido e pobre Zépovinho Luso que vais sofrendo na carne e na alma as consequências, não vás no canto destas sereias, e continua fazendo o “toma Bordaleiro”!!!…
      Um orçamento elaborado por elites pequeno-burguesas, que não têm qualquer pejo, nem pudor, em ajoelhar perante este feroz e caduco capitalismo em agonia vai para 10 anos, enfrentando aquela que será a mais grave, profunda e prolongada crise – sem fim à vista ainda agora depois de terem despejado trilhões de euros e dólares nas economias em rutura sistémica (o famigerado “Dinheiro Helicóptero”), é, por estas gentes, ajectivado de “esquerda”!?!?!?….
      Entretanto… a caravana geringonçada passa!…

      • Já se sabe de que Esquerda é que VExa gosta. Daquela que esmagou os mencheviques e os kulaks, promoveu os julgamentos de Moscovo e ergueu o Gulag, engoliu os países de Leste e a social-democracia que neles existia e se arrastou penosamente, chafurdando na mediocridade, na destruição ambiental e no despotismo até à agonia final da URSS. Se é dessa Esquerda que aprecia, tenha santa paciência. Aquilo que se faz no presente, é aquilo que se pode fazer e é muito bem vindo para quem pouco tem. Os disparates e os crimes, passamos bem sem eles…
        Quanto à suposta crise final do Capitalismo, pode dizer-se, como Mark Twain, que as notícias da sua decadência são manifestamente exageradas.
        Mas, sabe, não há nada que um Capitalista mais aprecie que um radical inútil, incapaz de lhes dar luta, porque espera que a História se cumpra dado que acredita nesse disparate hegeliano do determinismo histórico (a Direita gosta de dizer que admirava a coerência de Cunhal mas era de Soares que eles tinham medo).
        As pessoas não querem essa coisa do comunismo, percebeu? Querem uma vida decente em que possam usufruir de pequenos prazeres, incluindo essa coisa vil chamada consumo. E isso, V.Exa nunca há de perceber. Irá continuar a defender os supostos interesses da classe operária, ignorando o que pensam e desejam os indivíduos a que ela pertencem…

  2. Senhor Jaime Santos,
    Eu admito que neste seu comentário de 03/11, V. Exa. estaria dirigindo o seu arrazoado de frases feitas e tendencialmente já gastas e em vias de extinção ao meu comentário sobre as propaladas esquerdas.
    E sendo assim, a ser correcta esta minha dedução, cumpre dizer-lhe o seguinte:
    1. É abusivo da parte de V. Exa. incluir-me em qualquer grupo, nacional ou estrangeiro, que não seja no grupo dos anticapitalistas incorrigíveis, na medida em que me reclamo de uma independência total relativamente a partidos políticos em que nunca melitei nem melitarei, religiões ou seitas religiosas, dado que, por enquanto, me reclamo do agnosticismo se bem que, estatisticamente, ainda o meu nome poderá aparecer na ICAR, dado que a minha querida e saudosa mãe Maria, nascida em 1906, me insceveu, aos meus promriros anos de nascido nessa criminosa seita que há mais de 2.000 anos vem impedindo o homem chegar, pela Ciência, à justificação dos fenómenos ainda por justificar/demonstrar, falando em nome de ideais nobres inspirando-se nas doutrinas do Jesus de Nazaré (doutrinas que subverteu e delas se serviu para vender gato por lebre – tal qual o já defunto político, porventura o maior charlatão luso que apregoou ao Luso Zépovinho votante o socialismo para que no partido votassem, mas que no primeiro virar da esquina do poder, para se manter perto e com acesso fácil ao pote, logo decidiu meter o dito cujo na gaveta – apreguando a igualdade, a fraternidade, a solidariedade e a justiça entre os homens, colocando-se, “de boca”/teoria ao lado dos pobres, mas subvertendo todos esses valores, começando: por conviver ao lado dos mais ricos e mais poderosos imitando-os na sumptuosidade e na luxúria; por excluir a mulher do acesso aos sacramentos; por obrigar ao celibato dos homens com todas as dramáticas consequências biológicas e emocionais que a abstinência sexual pode causar como está demonstrado cientificamente já há muito e até à exaustão, versus a vida de cuco que os padres e superiores vão praticando “pondo os ovos” nos ninhos dos outros, ou até na abjecta prática da pedofilia; etc., etc.), e ainda de quaisquer outras organizações não profissionais de que não faço parte por opção, excepto clubes de ténis, de vela, windsurfe, esqui aquático e caça, porque pratico tais modalidades, dado que, nem do Automóvel Clube de Portugal sou sócio.
    É desta gentalha que V. Exa. gosta, apoia, vota, defende e aprecia, “tenha santa paciência”!
    2. Não faz a minha praia, por honestidade intelectual e hábitos adultos já há dezenas de anos voluntariamente assumidos, chamar à lide ou referir todo esse seu arrazoado que descreveu desde « … que esmagou os mencheviques e os kulaks, promoveu os julgamentos de Moscovo e ergueu o Gulag, engoliu os países de Leste e a social-democracia que neles existia e se arrastou penosamente, chafurdando na mediocridade, na destruição ambiental e no despotismo até à agonia final da URSS. »!…
    É que, é tão simples como isto:
    O que eu defendo, defendi e ajudei a alcançar arriscando a minha própria vida desde os tempos do fascismo, defendo e muito aprecio para o meu país, e não só, é tão somente uma coisa que se chama CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1976!… só isso, e é quanto me basta!…
    3. Se até aqui me fiz entender, ficarei por aqui!
    Mas, se ao contrário, V. Exa. ainda quiser manter a lide com os conceitos de esquerda, poderei descrever-lhe quais os meus conceitos sbre o que é ser de esquerda em Portugal!….

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